***

    O calor suave e acolhedor, junto com o brilho do sol que penetrava suavemente em meus olhos, me fez perceber que estou sonhando novamente. Um sentimento diferente e familiar brota dentro de mim, um sentimento que só surge quando estou em sonho. É algo semelhante à sensação que eu tinha ao estar perto da minha mãe. 

    — Yuki, gostou do meu cabelo? — uma voz doce e calma veio de trás de mim. 

    Virei-me, ansioso para ver quem era. 

    Ao me voltar, vejo novamente a mulher que sempre aparece nos meus sonhos. 

    — Sim, ele está lindo. Você fica bonita com cabelo curto. — respondi, admirado. 

    — Hihi, obrigada! — ela riu, uma risada que é ao mesmo tempo travessa e encantadora. 

    Essa risada me lembra a minha mãe, de algum jeito. 

    Agora que a observo de perto, percebo que ela realmente cortou o cabelo. Na última vez em que sonhei com ela, estava com cabelo comprido, e agora exibe um corte curto, com uma franja que contorna seu rosto. 

    O que me incomoda é a falta de controle sobre minhas ações e palavras; só consigo pensar. Eu gostaria de perguntar quem ela é. 

    Mas deixo isso de lado enquanto o meu eu no sonho começou a andar pela casa. Onde estou agora? Este lugar é escuro e fechado, como um porão. 

    — Vem aqui, quero te mostrar umas fotos de quando eu era mais nova. — ela chama. 

    Com um misto de curiosidade e incerteza, meu eu se aproximou dela. Ela começa a mostrar fotos de sua juventude, mas tudo está desfocado, e eu não consigo ver os detalhes. 

    — Olha isso, eu com meu uniforme. Ele era tão lindo! Pena que não lembro de tê-lo usado. — disse ela, olhando nostalgicamente. 

    — Por que não? — pergunta o meu eu, intrigado. 

    Ela silencia, o olhar fixo nas fotos, e após cinco segundos, finalmente responde: 

    — Porque… 

    Nesse instante, minha visão começa a clarear, e tudo ao meu redor se degrada lentamente, até que… 

    *** 

    Meus olhos se abrem, e a primeira coisa que vejo é uma luz intensa vinda do teto. Ao olhar para o lado, percebo que estou de volta ao quarto onde tudo começou, antes dos testes. 

    Que chato! Antes que a mulher do meu sonho pudesse terminar sua explicação, acordei. Ela estava tão linda com aquele cabelo curto! Mas por que não consegui ver as fotos dela? 

    Tentando voltar à realidade, procuro pela mulher de jaleco. O que aconteceu comigo? Olhando para o meu corpo, não encontro nada diferente. 

    Levanto da cama e me espreguiço, observando as paredes brancas e vazias do quarto, sem brinquedos ou qualquer forma de entretenimento. Mas então, avisto algo do outro lado da cama: um caderno de capa verde em cima de uma estante com gavetas. 

    Sem nada para fazer, contorno a cama e vou até o caderno para ver o que está escrito nele. 

    Ao pegá-lo, sinto a textura grossa da capa sob meus dedos. O cheiro é diferente dos cadernos que eu tinha em casa, um aroma novo e agradável. 

    — Que bonito! Queria um caderno desse pra mim. — murmuro para mim mesmo. 

    Abro o caderno e encontro uma folha avulsa com algo escrito. O que seria isso? Poderia ser uma mensagem de alguém que esteve aqui antes de mim ou até mesmo uma carta destinada a alguém especial. Não sei o que pode ser, mas vou descobrir agora. 

    Pegando o papel dobrado ao meio, desdobro-o com cuidado. O conteúdo é longo; todo o papel está escrito, e pelo início da escrita, percebo que se trata de uma carta. Está escrito: 

    “Se você está lendo isso, é porque já passou por aqui. Meu nome é Satoru e eu escrevi essas palavras para te avisar…” 

    Não sou tão curioso a ponto de ler a carta que encontrei, mas a curiosidade de descobrir quem a escreveu me faz guardá-la no bolso. Talvez, com um pouco de sorte, eu encontre essa pessoa um dia. 

    Ao guardar a carta, presto atenção pela primeira vez em minha roupa. A blusa branca que visto é incrivelmente confortável e de ótima qualidade, algo que nunca tinha usado antes. Quando olho para o meu peito esquerdo, um símbolo familiar chama minha atenção, um emblema que lembra o bracelete da minha mãe. Como isso é possível? Minha calça preta, grossa e com quatro bolsos, também possui o mesmo símbolo, ao lado direito, uma inscrição: “G-386”. Essa coincidência não sai da minha cabeça. Preciso descobrir o que isso significa. 

    Neste momento, a porta se abre, e a mulher de jaleco entra no meu quarto, desta vez sozinha. Ao olhá-la, percebo que é uma mulher diferente da que vi antes. 

    — Olá, G-386. Como você está se sentindo agora? — sua voz é suave, mas a maneira como me chama me incomoda. 

    — Não me chame assim! Meu nome é Yuki! — respondi com firmeza. 

    Ela parece surpresa, como se não esperasse uma resposta tão direta. Com as mãos atrás, ela puxa as pontas do jaleco e abaixa a cabeça, como se estivesse encerrando a conversa. 

    —Hum… Enfim. Vamos fazer um teste em breve. Se você passar, amanhã irá para a escola. Mas antes, me siga. Vamos ao refeitório para você jantar.

    Ela se vira e caminha até a porta, parando para me esperar. Ao sair, a porta se fecha atrás de mim e seguimos pelo corredor. 

    Ao chegarmos ao final do corredor, nos deparamos com uma porta metálica sem maçaneta. Curioso eu pergunto: 

    — Moça, o que é essa porta? 

    Ela inclina a cabeça na minha direção e responde: 

    —Isso se chama elevador. É onde podemos subir e descer para qualquer andar.

    — Woooow, que interessante! — disse eu com meus olhos vibrantes, — Então, não precisamos nos cansar subindo escadas, né? — comentei, animado. 

    —Sim…! — respondeu a moça, olhando fixamente para o elevador. 

    As portas se abrem e entramos. A mulher toca um dos botões na parede, e as portas se fecham. Dentro do elevador, um silêncio absoluto reina. Ela continua olhando para frente, sem me notar. Então, não consigo me conter e pergunto: 

    — Moça, cadê a mulher que estava comigo mais cedo? 

    — Ela está ocupada!! — respondeu  com um tom grosseiro.

    Percebo que não quer conversar, então decido ficar em silêncio. Após alguns momentos, o elevador parou, e as portas se abriram. 

    —Chegamos, venha! — disse ela. 

    Seguindo-a, passamos por mais corredores, muitos corredores. Finalmente, viramos à esquerda e chegamos a uma sala enorme. Olhei ao redor e vi varias mulheres de jaleco segurando crianças no colo, enquanto outras crianças, mais velhas, comiam sozinhas. Pelo visto ninguém parecia ter a minha idade. 

    —Você já é bem grandinho, então não vou te dar comida. Apenas vou te mostrar onde pegar.  

    Ela me leva até a área de comida. Enquanto pego um prato, ela chama outra pessoa. 

    — HO HO HO! Olha o tamanho dessa criança! Quanto tempo não vejo uma criança deste tamanho! — exclamou a mulher de touca branca enquanto segurava uma colher. 

    — Ah… oi! — respondo timidamente. 

    — Um novato, senhora, mas não ficará muito tempo — comenta a moça que me acompanhava. 

    — Estou vendo. Pelo tamanho, ele já deveria estar na escola, não é mesmo? — disse a mulher de touca.

    — Sim, mas enfim. Aqui está a receita da alimentação dele, segundo os testes!

    Testes? Isso significa que fizeram avaliações para decidir o que eu devo comer? Não é possível! 

    — Ok, então. Espere um pouco, já volto! — disse a mulher de touca, se afastando aos poucos.

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