Capítulo 7 - O Cubo e a Promessa
Eu podia ver a tristeza no rosto de Emiko enquanto ela falava. Era um tipo de dor silenciosa, uma saudade do que nunca aconteceu, uma perda que ela ainda carregava.
— Então, você se importa com ele, não é? Criou um laço de amizade com ele… — comentei, quase sem querer. Parecia que, mesmo sem querer, ela acabava me contando mais do que imaginava.
— Sim… — murmurou , sua voz ficando mais baixa enquanto ela começava a andar mais rápido.
— Chegamos.
Ela parou de repente e apontou para o local à frente.
Entrei no quarto, observando atentamente. Era um lugar estranho, diferente dos outros quartos. O ambiente estava vazio, exceto por estantes de livros alinhadas nas paredes e uma mesa simples no centro. A luz do ambiente parecia ainda mais fria, como se o lugar estivesse desconectado de qualquer emoção, de qualquer vida.
— Mas por que há livros aqui? A maioria das crianças não sabe ler… — perguntei, a curiosidade tomando conta de mim.
— Esses livros eram usados pelas mulheres com um único objetivo, que era ler para as crianças, — explicou com um suspiro, — são histórias e até alguns mangás. Mas elas pararam de fazer isso. As crianças só querem brincar.
— Então, você e ele… costumavam vir aqui e olhar os mangás juntos?
Eu a observei, começando a entender um pouco mais sobre ela.
— Sim. Até que um dia… ele trouxe um brinquedo. Um brinquedo muito legal. Vou te mostrar!
Ela se dirigiu até a mesa e, com cuidado, puxou uma caixa escondida sob a superfície. Dentro, havia um cubo colorido, com quadrados de cores diferentes, mas que se repetiam de forma complicada.
— Isso é um cubo mágico, — disse ela, com um sorriso envergonhado — o objetivo é alinhar as cores certas, mas eu nunca consegui resolver.
Eu peguei o cubo em minhas mãos e comecei a girá-lo, tentando entender o padrão. Era algo completamente novo para mim, algo que nunca tinha visto antes. A sensação de ter um quebra-cabeça nas mãos me trouxe uma excitação inusitada. Eu nunca tive brinquedos, mas minha mãe me dava livros de enigmas, e eu adorava resolvê-los. Resolver esse cubo seria, sem dúvida, um desafio… mas eu estava pronto para enfrentá-lo.
— Você quer? — perguntou ela, com seus olhos fixos em mim, apontou para o cubo e de repente, me ofereceu.
— Quer o cubo? — perguntou novamente, com um tom sério e talvez um pouco triste, — já perdi a paciência com isso. Vou deixar para você tentar.
Eu a olhei, surpreso pela oferta. Ela estava se afastando dele, como se aquilo fosse apenas uma lembrança distante.
— Ah, obrigado…
Peguei o cubo com cuidado e o coloquei no bolso. Mais tarde, eu resolveria esse mistério.
Mas Emiko não parou por aí. Ela se virou para a caixa e, dessa vez, retirou de dentro um cachorro de pelúcia.
— Esse é o Hero. Ele é meu desde que eu era bebê. Ele é o meu melhor amigo.
Eu olhei para o cachorro de pelúcia, sentindo uma onda de nostalgia. A pergunta dela, no entanto, me fez lembrar de algo… ou melhor, alguém.
— Você já viu um cachorro de verdade? — perguntou, com um olhar curioso.
A resposta me veio de forma amarga, como uma memória que se recusava a desaparecer. — Sim… eu tive um cachorro. Chamava-se Kuma. Mas ele desapareceu, e eu nunca soube o que aconteceu com ele.
Eu senti uma dor súbita no peito, uma tristeza que eu havia enterrado tão fundo. Emiko pareceu perceber isso, pois imediatamente guardou o Hero de volta na caixa e me olhou com uma expressão de desculpas silenciosas.
—Desculpe… — murmurou, sua voz suavizada pela empatia.
— Está tudo bem! — respondi com um tom fraco.
Fui sentar no canto da sala, e após me sentar, comecei a olhar para o chão, tentando processar a perda de Kuma e dos meus pais.
Emiko, no entanto, se aproximou silenciosamente e se sentou ao meu lado, sem pressa de dizer nada. A presença dela era reconfortante, como se uma aura invisível nos conectasse. Algo ali parecia se alinhar, como se nossas energias se entrelaçassem de forma natural.
Era uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo, reconfortante. Como se a solidão fosse, de repente, menos pesada.
Ela segurou uma das minhas mãos entre as suas e, quando me virei para ela, olhei em seus olhos e senti que ela queria dizer algo, mas as palavras não saíam. O clima permaneceu em silêncio por alguns segundos, até que…
— Não pense muito neles, bobinho. Desse jeito, não vai conseguir viver tranquilo… Meu amigo me dizia que só ficava pensando em como seria sua vida do lado de fora, mas que, assim, sua cabeça ficava flutuando, e ele não conseguia prestar atenção nas coisas. Então, o único caminho que ele encontrou foi usar o cubo mágico para concentrar a mente em uma coisa só, e assim esquecer seus pensamentos… Faça isso também, se quiser. Pode ser que te ajude.
— Tá bom… Vou fazer isso… Mas por que você está sendo tão legal comigo? Você acabou de me conhecer… — comentei, retirando minha mão da dela.
Ela olhou para mim com um semblante melancólico, como se eu tivesse ofendido ela.
Ela desvia o olhar, se levanta e me responde: — Mas não preciso conhecer alguém por tanto tempo para ver que é uma boa pessoa… Você me parece alguém que vai precisar de ajuda algum dia, mas também é o tipo de pessoa que vai ajudar muitos outros. E eu tenho certeza que vai precisar de mim, haha.
Ela estendeu a mão para me ajudar a levantar e continuou: — Vamos, vamos voltar. Pelo incrível que pareça, eu me enganei com o horário, não precisou da gente correr, porque até agora o sinal não tocou…
Assim, eu me levantei e voltei para o refeitório com a Emiko.
Chegando no refeitório, já com o sinal tocando há 5 minutos, as mulheres de jaleco estavam à nossa procura.
— Aí está você, garoto! Por que sumiu? Não conhece os lugares e não devia sair assim sem me avisar!!! — disse ela, com raiva.
— Desculpa, moça…
Antes que eu pudesse terminar, Emiko me interrompeu.
— Não foi culpa dele, moça. Eu levei ele até o quintal e esqueci de avisar que precisava pedir autorização a você. Mas não vai acontecer de novo. — disse Emiko se curvando para a moça.
— Não vai mesmo. Vamos, Yuki, você precisa descansar agora.
—Tá bom…
Olhei para a Emiko, me despedi dela, e vi no seu olhar que ela já sabia que essa seria a última vez que eu a veria.
— Emiko, muito obrigado por esse tempo que você passou comigo, e obrigado pelo cubo também. Vou cuidar muito bem dele e prometo que um dia vou devolver.
— Não se preocupe, bobinho. Deixa o destino escolher o momento certo, e espero que você monte esse cubo mesmo, hein? — disse ela, me dando um soquinho no ombro.
Abracei-a de forma reconfortante, com certeza esse não seria o último. Logo depois, segui a mulher de jaleco até o elevador.
Depois de termos feito o caminho até meu quarto, cheguei e finalmente pude deitar na cama.
— Yuki, descanse agora, porque amanhã você vai fazer dois testes antes de ir para a escola.
— Tá bom, moça.
—Tchau e durma bem. — disse ela, apagando a luz e saindo do quarto.
Pensando sobre o meu dia, percebi que conheci uma menina chamada Emiko. Ela é divertida e animada, mas ao mesmo tempo é emocionalmente frágil, tentando esconder sua tristeza com um sorriso falso. O que me deixa com um sentimento estranho em relação a ela é que a sensação que tenho quando estou perto dela é a mesma que sinto quando estou com aquela mulher nos meus sonhos. Uma sensação de felicidade e liberdade, como se não existissem problemas no mundo e só estivéssemos nós dois, sozinhos e felizes, andando pela natureza e sentindo o vento bater na nossa pele… Algo que só consigo sentir nos meus sonhos, mas que, com Emiko, consegui sentir na vida real.
Mas será que é só algo momentâneo? Algo repentino… Como minha mãe sempre me dizia, coisas novas são dopamina para o cérebro, gatilhos para os sentimentos, então talvez, por eu ter conhecido uma pessoa nova, isso tenha me dado um gatilho. Agora, melhor ir dormir. Amanhã será um dia novo e importante para mim.
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