Despertei do meu sono.
    Abri os olhos e encarei o teto esbranquiçado.

    Sem o brilho do sol…
    Sem o cheiro do vento…

    Estava me acostumando com essa nova realidade.

    Levantei da cama e me espreguicei.
    Depois de tanto tempo dormindo no chão, passar dois dias em uma cama macia foi… impactante.
    Meu corpo sentia a diferença.

    — Mas espera… — murmurei em voz alta. — Eu… não sonhei desta vez? 

    Pelo visto foi uma noite direta, infelizmente. 

    Olhei para o meu bolso e vi o cubo que a Emiko me deu. 

    — Meu Deus, não tirei do meu bolso e dormi com ele. Será que estragou?  

    Retirei o cubo do bolso e comecei a examinar se estava intacto. Ainda bem, não havia nenhum defeito. 

    Se bem que lembrei de uma coisa.

    Ontem, quando voltava para o meu quarto, olhei para o quarto que Emiko pediu para eu observar, e a luz sobre ele estava branca.

    Isso significa que não há ninguém dormindo lá, ou pelo menos, acho que sim. 

    Preciso contar a ela agora… 

    Tentei sair do meu quarto, mas a porta não abria. Como funciona esse mecanismo?  

    Será que todas as crianças aqui ficam presas nos seus quartos? Não é possível, e os bebês? Como ficam? 

    Mas o que eu vou fazer nesse tempo? Não tem livros nem cadernos com lápis para estudar. Espera… 

    Olhei para minha cama e vi uma luz vermelha no travesseiro. Mas, quando me aproximei para ver melhor, ela se apagou. 

    — O que é isso? Estranho… — murmurei. 

    De qualquer forma, me sentei na cama e peguei meu cubo mágico para tentar resolver o enigma dele, enquanto a mulher de jaleco não vem.  

    Virei um lado, virei outro, girei para cima e para baixo, mas as cores não completava, que tipo de bruxaria é essa? pelo menos eu conseguir resolver 3 camadas, espere só Emiko, um dia resolvo tudo hehe.

    Enquanto eu estava concentrado com o cubo, uma voz feminina soou pelas paredes. 

    “G-386, a porta irá se abrir e você poderá sair para escovar seus dentes, assim que terminar, seguir ao refeitório para tomar o seu café.” 

    G-386 sou eu, pelo menos é o que está na minha blusa. Isso significa que vou poder sair desse lugar, finalmente. 

    Levantei-me da cama e fui até a porta, que se abriu automaticamente. Mas, ao sair do quarto, não sabia onde ficava o banheiro. 

    —  Alô? Oi? Alguém aí? Moça do jaleco azul, você está aí? Onde fica o banheiro? Eu não sei onde fica! — perguntei enquanto caminhava olhando para todos os lados, tentando ver se alguém aparecia. 

    “G-386, o banheiro fica no seu andar. Pegando como referência seu quarto, vire à esquerda e siga o corredor até o final. Quando chegar, vire à esquerda, verá uma placa escrita ‘Banheiro’, onde você poderá usar com tranquilidade.” 

    Essa voz vinda do céu é muito suspeita, mas bem útil. 

    — OBRIGADO, VOZ DO ALÉM!! — gritei para a voz, agradecendo a ajuda. 

    “Não precisa gritar. Até se você pensar, eu vou escutar.”  

    Congelando por um momento, senti um arrepio percorrer meu corpo. Não entendia o que essa voz queria dizer. Só consegui pensar em uma coisa… Como assim, “Até se você pensar eu vou te escutar”?, isso quer dizer que ela ler meus pensamentos? 

    — Como você… consegue ouvir meus… pensamentos? — perguntei, olhando para cima, todo arrepiado e gaguejando. 

    A voz não disse mais nada depois disso. 

    Então, para eu não perder mais tempo neste corredor que já estava começando a ficar com um clima estranho, corri rapidamente para o banheiro. 

    Entrei e fechei de forma grosseira a porta.

    — Uffa…que bizarro isso!

    Olhando bem dentro do banheiro, em volta de tudo, e até pelo espelho, percebi que não tinha trazido minha escova de dentes. E agora? Como vou escovar os dentes?

    Abri o armário do banheiro, e dentro dele havia várias caixinhas, cada uma com uma breve descrição — que, por coincidência, parecia ser igual ao “nome” que eles me deram.

    Então, logicamente, deveria haver uma caixinha com o meu “nome” também. Comecei a procurar para ver se encontrava.

    Na minha curta busca, achei a tal caixinha. Dentro dela havia uma escova de dentes cinza e uma pasta de dente também cinza. Que maneiro!

    Agora sim, posso escovar os dentes!

    Alguns minutos se passaram. Depois de terminar de escovar, abri lentamente a porta do banheiro e coloquei a cabeça para fora, observando o corredor, tentando ver se encontrava alguém.

    Depois do que a voz sinistra me disse, eu realmente fiquei arrepiado.

    Como não vi ninguém, abri cuidadosamente a porta inteira e olhei novamente para os cantos — até mesmo para o teto, tentando ver se alguma câmera estava me observando. Como realmente não havia sinal de vida nem nada suspeito, corri desesperadamente para o elevador… Nem sequer fechei a porta do banheiro

    “G-386, você não fechou a porta do banheiro. Volte agora e feche-a, por favor!”

    DEUS?! — gritei, assustado.

    Droga! Foi erro meu não ter fechado a porta.

    MAS POR QUE ELA AINDA ESTÁ ME OBSERVANDO?!

    Sem escolha, voltei lentamente, cabisbaixo, como se estivesse carregando pesos nas pernas.

    Fechei a porta do banheiro de qualquer jeito, meio emburrado.

    — Pronto! Satisfeita?! — perguntei, indignado.

    Não sei por que esse sentimento apareceu. Fui eu quem errou, mas… ainda assim, senti uma leve indignação.

    Ou talvez nem seja isso. Talvez eu só esteja confuso. Sem a minha mãe para me apoiar, fico sem rumo.

    A voz misteriosa não respondeu depois disso, então pude seguir meu caminho até o elevador, finalmente.

    Chegando lá, apertei o botão, mas nada acontecia. Fiquei coçando a cabeça, sem entender como ele se abria, até que…

    “G-386, para abrir o elevador é necessário o cartão. Mas como você está liberado para o café, a porta será aberta agora.”

    CREDO, ESSA VOZ DE NOVO!

    Me arrepiei inteiro, e assim que a porta se abriu, entrei como um cachorro feroz atrás de um gatinho.

    A música que tocava dentro do elevador me tranquilizou um pouco. O ambiente era refrigerado, limpo… uma sensação ótima de paz.

    Assim que a porta se abriu novamente, dei de cara com mais corredores. Pelo menos, havia sinalizações nas paredes indicando o destino de cada um.

    — Pra que isso tudo? — murmurei para mim mesmo, em voz alta.

    Seguindo pelo corredor indicado como “REFEITÓRIO”, passei por uma porta múltipla bem suspeita. Em cima dela havia uma placa com os dizeres: “ÁREA RESTRITA”.

    Isso significa que eu não posso passar. Mas… o que será que tem dentro dessa sala?

    Não, Yuki. Não pensa nisso.

    Vou continuar andando. Meu caminho é o refeitório.

    Além disso, tem câmeras por todo lado. A voz estranha provavelmente está me observando, então… melhor não vacilar.

    Depois de alguns minutos, finalmente cheguei ao refeitório.

    Olhei em volta, tentando encontrar a Emiko. Ela foi a única criança com quem fiz amizade. Mas, após procurar por um tempo, não a encontrei. Talvez ela não tome café… ou talvez ainda esteja dormindo.

    — Aqui!

    Ouvi uma voz fraca vindo de trás. Era comigo? Me virei e vi a mulher de jaleco vindo em minha direção.

    —  Yuki, vem comigo. Você passou nos testes e já vai para a ESA. 

    Eu, surpreso com o que ela acabara de dizer, fiz uma careta, olhei para ela e perguntei, confuso: 

    —  Como assim? E os dois testes? — Acenei a mão, confuso. 

    Ela pegou minha mão e começou a me levar para algum lugar. 

    — Não se preocupe com os testes, já fizemos. Agora você só precisa se preocupar com as normas da escola. Quando estiver no carro, você terá acesso a um livro com todas as normas, o que deve fazer e o que não deve, além de informações extras de total importância. Entendeu? —  indagou, me levando até o elevador. 

    —  Sim, entendi, mas a gente vai direto ou vamos voltar para o quarto? — perguntei, curioso, pois precisava pegar a carta que encontrei no quarto anterior. 

    — Não, vamos direto para o carro! — disse ela, enquanto me segurava pelo braço. — Existe uma janela de tempo disponível para que vocês se encaminhem à escola sem que ninguém perceba.  

    — Como assim? As pessoas não podem ver que estamos indo para a escola? Por quê? 

    Entrando no elevador, a mulher se abaixou para que seus olhos ficassem alinhados com os meus e começou a me tranquilizar. 

    — Olha, você tem muitas perguntas, mas eu não posso responder agora. Vai descobrir tudo o que precisa com o tempo. — disse ela, segurando meu rosto com carinho, como se fosse minha mãe. 

    Senti o calor de seu toque, a textura suave da sua mão, a delicadeza dos seus dedos. Naquele exato momento, compreendi que o que ela estava prestes a dizer era importante… talvez mais do que eu imaginava. 

    Ela então ajeitou minha franja, que começava a cobrir meu olho esquerdo, e inspirou fundo, preparando-se para falar: 

    — Me escute com atenção. Agora não é o momento certo para isso. Fica tranquilo e respira. Você vai para a escola, vai aprender muitas coisas e fazer muitos amigos. Quando chegar o dia de saber a verdade, aí sim… você pode voltar até mim e me perguntar o que quiser. 

    E não — em hipótese alguma — fale para ninguém sobre você e sua família. Nem sobre as regras da escola. Entendeu? 

    — Acho que…sim… — respondi cabisbaixo, com um tom dramático em minha voz. 

    — Bom garoto — disse ela se levantando. 

    Não entendi o motivo de ela dizer essas coisas para mim. Ela me conhece há dois dias e está agindo como se eu fosse importante para ela. Na verdade, tanto ela quanto a Emiko, me trataram como se eu fosse alguém importante. Isso é muito estranho. Mas, de qualquer forma, entendi o recado dela, e serei cauteloso a partir de hoje.  

    Pelo que aconteceu até agora, só mostra que há algo errado acontecendo com este lugar e com a escola. Toda essa preocupação com os testes, com um lugar onde as crianças ficam longe dos pais, e até mesmo com a preocupação de me levar secretamente para a escola, me deixa com um olhar torto e atento a tudo que acontecerá daqui em diante. Principalmente com a escola. Não vou esquecer o que o policial fez com minha mãe naquele dia em casa. Isso mostra que não são do bem…

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