Capítulo 36: Memento
— Faz tempo, não é?
Ele abriu seu sorriso, o chapéu tampando os olhos. Tudo ao nosso redor era… vivo.
Uma cidade.
Me lembrava apenas de ter comido tanto que… apaguei. Fazia tanto tempo que não via essa figura.
Então, por que aparecer agora? Após cinco anos em silêncio, ele havia quebrado de uma forma tão inesperada.
— …
An?
Que?
— Esqueci dessa parte. Hoje você não poderá falar — disse, se aproximando de mim. — Estamos em minha cidade natal, criança. Apenas de criar todo esse cenário, meu poder se esvaiu.
Poderes?
Seriam… bençãos?
Era uma cidade vazia.
Havia estruturas desconhecidas para mim. A arquitetura era estranha e as ruas… bem diferentes das pedras com as quais estava acostumada.
— Você tem dúvidas. Muitas dúvidas, pelo visto — Abriu seu velho guarda-chuva. — Porém, respondendo a que está na sua mente agora… Sim. Eu sou humano, minha criança. Meus poderes vem de minha benção.
Que?
Ele consegue ler meus pensamentos?
— Sim, ué. É melhor dessa forma — respondeu, abrindo um sorriso. — Apenas siga-me, minha criança. Tenho alguns assuntos incompletos a serem resolvidos.
Aquele senhor passou pelo meu lado, andando de forma lenta. Era um pedido silencioso para que eu o acompanhasse ao lado.
Mas…
Ele consegue ler mesmo, então.
Ah.
Isso é muito maluco.
Estava em choque, sem saber como raciocinar direito a informação que havia acabado de ser passada.
Desde… sempre isso?
Não!
Eu não acredito!
Aaaah! Isso é muito vergonhoso!
Muito vergonhoso mesmo!
— Vai vir não, Scarlett? — Olhava para trás.
“Scarlett”? É a primeira vez que ele me chama assim.
Me pergunto se esse nome tem alguma ligação importante com quem um dia fui.
Andei para frente, um pouco rápido, tentando alcançar o senhor. Assim que cheguei, desacelerei meu andar para acompanhar o dele.
O silêncio prevalecia naquele local abandonado, do qual não sei nem se poderia ser chamado de cidade. Algumas luzes estavam acesas, alguns pedaços de jornal voavam para o ar.
Foi abandonada às pressas…
— Sim. O nome Scarlett vai te levar a encontrar o seu passado.
Assim… de repente?
Se esse nome vai me levar ao meu passado…
Pensando nisso, apenas uma pessoa veio à minha mente. Damien, o primeiro a me chamar assim.
— Talvez.
Damien?
Então, pode ser ele a chave? Mas como eu contato ele?
— Algum dia você descobre. Essa resposta está dentro de você, criança — respondeu, virando seu rosto para mim. Essa névoa que escondia seus olhos era tão estranha.
Meus olhos doíam só de tentar focar no que ela escondia.
Aah! Que droga.
Desviei meu rosto, evitando com que encarasse ainda mais a névoa. Cocei meus olhos com minha mão.
Ah…
Ué?
Mão esquerda? Ué…
— Só percebeu agora? Bem, esse não é o maior dos problemas — disse. Viramos mais uma rua enquanto isso. — Quero te levar pra ver uma coisa muito… legal.
Estava com as duas mãos de novo. Um estado onde só encontrava essa característica em minha forma espiritual.
Eu só lembro de comer bolo. Ah… morri comendo bolo?! Que bosta… Que morte bosta!
Não doeu, pelo menos.
— Você não morreu — falou o senhor, rindo com sua voz rouca. — Você é como eu me lembrava… Sua personalidade voltou após um pouco de tempo. Que bom.
Fiquei aliviada por não ter morrido. Tinha tanta coisa que não poderia perder naquele lugar.
Lembrava?
Você me conhece, senhor?
— Se eu te conheço? Claro que sim. Não lembra da nossa conversa? “Desde sempre estou te protegendo”, minha criança. — Suas palavras ecoaram em minha cabeça.
Uma simples frase que decidi esquecer e jogar no canto mais profundo da minha mente. Dessa vez, queria entrar mais a fundo nesse mistério.
Esse senhor não parecia ter nenhuma má intenção, minha intuição dizia isso desde o começo. Uma sensação de proteção.
Era como se tivesse um anjo do meu lado e ele erguesse as asas para me proteger do sol.
An?
A cidade parece um labirinto, é tudo igual.
— Cidades modernas são muito iguais, principalmente nessa época em que estamos. — Mais uma vez, viramos a rua.
Isso é realmente… Hektar?
Não parece nem um pouco.
— Já falei, estamos em minha cidade natal. Pelo menos, sua réplica.
Ah…
Ele não é de Hektar, então?
Espera… Tem outros continentes além de Hektar? Afetados pelas torres? Não sei… talvez. Ahh! Essas perguntas fazem minha cabeça doer!
Cocei minha cabeça, aproveitando o tempo que teria com minhas duas mãos. Estar dessa forma ainda é estranho, me sinto estranha dessa forma.
Ah…
Eu já sinto falta de Gaia.
— Aquela sua namoradinha? Pfft! Eu fico me perguntando o que lhe deu na cabeça para ter escolhido ela… Justo ela — disse o senhor, rindo baixo.
Gaia? Como assim?
Eu amo Gaia!
Não existem outros motivos para ter escolhido alguém além dela. É apenas Gaia.
— Entendi… A juventude é realmente linda.
Espera…
Você estava vendo tudo isso? Tudo que aconteceu comigo?
Andei ao seu lado. Meus olhos acompanhavam a única estrela que residia no céu.
Uma pequena luz, oscilando pouco a pouco. Tinha certeza de que iria apagar, mas não agora, não era seu tempo.
— Sim, eu vi tudo. Peço perdão, mas é meu programa favorito acompanhar sua história. Até mesmo as coisas…
O que era aquela estrela no céu?
Estou muito curiosa sobre isso.
Meus instintos falam para não parar de olhar para ela. Então, os seguirei cegamente.
— Aquela coisa brilhante? Nada demais, não se importe muito com isso — respondeu, parando bruscamente em meio à calçada. — Seven, eu sinto mu–
O que é essa estrutura?
Estranha…
Uma torre com luz na ponta, nunca vi nada igual.
Ele suspirou, coçando os olhos escondidos por de trás da névoa. A forma como estava… parecia cansado.
— Scarlett! — gritou, assustando-me quase no mesmo instante. — Você conseguiria me ouvir por um segundo?
Ele podia só falar normal! Por que ser assim!?
— Porque você só está me ignorando. Evitar os problemas não fará com que eles sumam, minha criança!
Palavras fortes.
Elas atravessaram como uma flecha o meu peito. Entendia o recado, mas não queria aceitar onde ele se encaixaria.
Era doloroso.
— Me desculpe.
Essas palavras saíram de sua boca. Uma grande surpresa para mim, que nunca pensei escutar nada assim saindo de sua boca.
— Foi culpa minha você ter tido esses tantos imprevistos. Se eu não tivesse chamado Daiane para a existência, nada disso teria acontecido. Você não teria sido presa ou taxada de anomalia. Isso é uma droga… — falava várias coisas sem sentido. Roía as unhas da mão enquanto isso.
Estava nervoso, era a primeira vez que se encontrava dessa forma tão… humilhante. Pelo menos, era o que parecia.
Porém, Daiane? Onde eu já ouvi esse nome?
Só me lembro de o senhor ter mencionado isso uma única vez.
— Ah… — Parou, seu modo demonstrava sua instabilidade diante da situação. — Você não lembra. É óbvio que não lembra.
Não lembra?
Não lembra do que?
— Psyche mudou… Que se dane. — Chegou mais perto, colocando a ponta de seu dedo em minha testa. — Seven, me desculpe pelo que vou fazer agora.
Começou a brilhar. A ponta de seu dedo começou a brilhar de repente.
Logo, uma leve brisa vinda de baixo começou, levantando um pouco do chapéu do senhor.
Meus cabelos foram levados pelo pequeno vento.
Até que…
Dor.
Dor.
Dor.
Dor.
Minha cabeça doía.
Minha cabeça está doendo.
Por que ela está doendo?
Aaaah! Mas que diabos!
Agachei-me, colocando minhas mãos sobre minha parte dolorida. Lágrimas caíam ao chão de tanta dor.
Gritava, mas minha voz não saía.
Minha mente era inundada por memórias que nunca vivi. Estava navegando em um mar de insanidade, mas meu remo estava quebrado.
Daiane?
Daiane…
Daiane!
Daiane, cadê você?
Daiane… por que você fez isso?
— Amanhã eu te mostro a coisa legal, minha criança. Por hoje é só.
Uma expressão triste, marcante.
Acordei.
Estava deitada na cama da pousada, minha cabeça ainda dolorida pelos acontecimentos anteriores.
— Então… tudo foi um sonho? — murmurei, pensando em tudo que havia acontecido. Meu cérebro ainda estava com alguns efeitos por ter recebido esses tantos de informações. — Não… não foi um sonho.
Eram memórias que meu corpo rejeitava. O que é tudo isso?
Gaia ainda deitava ao meu lado, abraçando-me enquanto residia em seu mais profundo sonho. Karina também se encontrava dormindo, o que poderia significar uma única coisa…
Estava de noite.
— Por que ela teve que se sacrificar assim? O que ela queria com Psyche? Daiane… onde você está agora?
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