Capítulo 010 — Segurança do usuário comprometida.
Marco observava a batalha com os punhos cerrados, o desespero crescendo a cada segundo. Lou-reen lutava com toda a sua habilidade, mas o Leão-de-Qsia não era uma criatura comum. Ele não apenas resistia a todos os ataques—ele os antecipava.
Os lobos continuavam a roer o gelo ao seu redor, e o calor intenso do leão começava a fazer com que algumas partes da barreira brilhassem, ameaçando derreter.
— Nova! — Marco chamou, sua voz carregada de urgência. — Faça alguma coisa! Me mostre alguma memória do Cetro que possa ajudar!
Por um instante, Nova ficou em silêncio. Então, sua voz veio carregada de sarcasmo:
“Ah, que situação complicada, Marco. Se ao menos soubéssemos do que o Leão-de-Qsia é feito…”
Marco piscou, confuso.
— Do que ele é…? Ele é fogo sólido! Você já disse isso!
“Exato. Fogo. Agora me diga, Marco, do que fogo precisa para continuar queimando?”
A resposta estava ali, evidente, mas o nervosismo o impedia de pensar direito. Ele sentia que deveria ter percebido isso antes.
Nova suspirou teatralmente.
“Vou te dar uma dica. Sem isso, uma chama se apaga”.
Então a resposta finalmente veio.
— Oxigênio…!
“Bingo!” Nova exclamou. “E agora, Marco, como podemos tirar isso dele?”
O coração de Marco disparou. Ele não sabia exatamente como, mas agora tinham uma chance.
Marco abriu a boca, sentindo a adrenalina disparar em seu corpo. Ele não tinha tempo para explicações longas.
— Lou-reen! Ele precisa de ar para continuar queimando! Tire isso dele!
Ela se moveu rapidamente para evitar outro golpe do leão, mas franziu a testa ao ouvir Marco.
— O que está dizendo?!
— O ar! — Marco insistiu, tentando encontrar uma forma de explicar. — Como uma fogueira! Se você cobrir uma chama e impedir o vento, ela apaga!
Lou-reen desviou de mais um ataque, os olhos analisando a fera.
— Você quer que eu impeça o vento?
— Não o vento! — Marco quase gritou. — Ele precisa respirar a própria essência para se manter aceso! Você tem que sufocá-lo!
Lou-reen finalmente entendeu. Seu olhar se estreitou enquanto calculava suas opções. Se o fogo precisava do ar ao redor para continuar queimando… então bastava negá-lo.
Lou-reen parou por um instante, seus olhos fixos na fera diante dela. O rugido do Leão-de-Qsia ressoava como o estouro de uma erupção, e o calor distorcia o ar ao redor. Sua espada ainda estava firme em sua mão, mas ela sabia que aquela arma não era mais útil.
Sem hesitar, Lou-reen a soltou. A lâmina caiu no chão com um som metálico abafado, completamente ignorada por ambos.
Ela ergueu as mãos vazias, e a essência ao seu redor começou a reagir. O ar vibrava com energia, como se a própria atmosfera temesse o que estava por vir.
O Leão-de-Qsia rugiu, as chamas de seu corpo intensificando-se, sua silhueta oscilando como um sol vivo. Ele investiu contra Lou-reen com velocidade brutal, suas patas flamejantes rasgando o chão em brasas enquanto avançava.
Mas Lou-reen não se moveu para escapar.
Ela o recebeu.
No instante do impacto, suas mãos firmes agarraram as patas do Leão, segurando-o no ar como se estivessem presos em uma dança brutal. O chão sob seus pés rachou com a força do embate. O calor entre eles tornou-se insuportável, e faíscas voaram em todas as direções, transformando a noite em um espetáculo de luz e fúria.
Eles se empurravam, se testavam, força contra força. O Leão rugia, tentando esmagá-la sob seu peso incandescente, mas Lou-reen resistia, seus músculos retesados, sua essência fervendo ao redor de seu corpo.
E então, a temperatura começou a subir.
Gradualmente, o calor atingiu níveis anormais. Primeiro, as pedras ao redor começaram a rachar. Depois, o próprio ar parecia se tornar espesso, quase impossível de respirar. A visão tremulava como se o espaço ao redor deles estivesse derretendo.
“Temperatura se aproximando da superfície do sol.” A voz de Nova soou diretamente na mente de Marco, carregada de urgência. “Perigo. Segurança do usuário comprometida”.
Antes que Marco pudesse reagir, seu traje de astronauta se materializou ao redor dele, selando-o instantaneamente em uma barreira de proteção contra o calor infernal que emanava do confronto. Seu visor se ajustou automaticamente, protegendo seus olhos da luminosidade intensa que irradiava de Lou-reen e do Leão.
Lou-reen apertou o Leão-de-Qsia com ainda mais força. A essência ao seu redor se expandiu de forma avassaladora, criando um vácuo sufocante. O calor, que antes alimentava a criatura, começou a desaparecer, drenado pela presença esmagadora de Lou-reen.
O Leão rugiu, debatendo-se. Seu corpo, antes um turbilhão de chamas ardentes, tremulava como uma vela prestes a se apagar.
O Domador permaneceu parado, os olhos fixos em Lou-reen, incrédulos. Ele havia assistido à transformação dela, visto sua estratégia, mas nunca imaginou que ela fosse capaz de enfrentar o Leão-de-Qsia dessa maneira.
O Leão-de-Qsia, que antes dominava o campo com seu fogo incontrolável e sua presença aterradora, começou a sofrer uma mudança. Suas chamas, que antes eram ferozes e constantes, começaram a vacilar, tremendo como se estivessem sendo puxadas para um ponto central. O corpo do leão, feito de fogo sólido, já não mantinha sua forma. Era como se o próprio fogo estivesse sendo extinto, sugado para o vazio ao redor.
Com um rugido estrondoso, o Leão-de-Qsia soltou uma última explosão de chamas, mas ao invés de um fogo furioso, a energia se desfez em uma chuva de fagulhas douradas que se ergueram para o céu, como se cada partícula de sua essência estivesse sendo consumida pelo próprio vácuo criado por Lou-reen. Aquelas fagulhas giraram no ar, iluminando a paisagem por um breve momento, antes de se dissiparem na vastidão, desaparecendo como se nunca tivessem existido.
O ar ao redor ainda estava pesado com o calor, mas o Leão-de-Qsia já não estava mais ali. Apenas o eco de sua destruição ficou, o vento levando consigo os últimos vestígios de sua presença flamejante.
Os lobos se afastaram em um pânico visível. Eles se encolheram, como se o calor os tivesse atingido fisicamente. Uivos de medo começaram a surgir, e eles recuaram para a floresta, abandonando seu mestre.
Silêncio. O campo de batalha estava quieto, exceto pelo suave farfalhar das folhas, movidas pelo vento que começava a se acalmar.
Lou-reen, sua respiração pesada, finalmente se virou para o Domador. O Leão-de-Qsia estava derrotado. Os lobos haviam recuado. E o homem que havia comandado toda aquela destruição estava ali, parado, olhando para ela.
O Domador, por sua vez, observava, ainda em choque. Não havia como contestar o que acabara de acontecer. Sua confiança havia se desfeito, assim como o próprio Leão-de-Qsia. Ele sabia que havia perdido, mas a derrota vinha com uma amarga sensação de impotência. Ele não era mais um predador; era a caça.
***
Enquanto os soldados levavam o Domador para a carroça que servia de cela, Lou-reen retirou as runas de gelo que protegiam Marco, permitindo que a gaiola se desfizesse em pedaços de cristal. O ar ao redor ainda estava pesado, com os ecos da batalha ressoando. Marco, sem hesitar, retirou o capacete do traje, revelando seu rosto, ofegante pela tensão e pelo calor intenso que havia presenciado.
Ela olhou para ele, curiosa, com os olhos se estreitando levemente. A pergunta estava estampada em seu olhar, embora ela soubesse que não faria sentido em um mundo como o dela. Como ele vestira aquela… armadura?
Marco percebeu o olhar dela e, com um suspiro, começou a falar. Sua voz estava um pouco trêmula, mas ele se forçou a manter a compostura.
— Eu explico depois. Não faço ideia de como exatamente. Só aconteceu.
Lou-reen franziu a testa, confusa, mas não perguntou mais nada. Havia algo mais importante a ser discutido.
Marco olhou para ela com um semblante sério, seus olhos carregados de uma responsabilidade que pesava sobre seus ombros. Ele havia testemunhado a derrota do Leão-de-Qsia, a força incomparável de Lou-reen, e o quanto ela tinha sacrificado para protegê-lo. Ele não podia mais se esconder atrás de sua fraqueza.
— Eu… sou fraco — ele disse, as palavras saindo com dificuldade, como se ele mesmo não acreditasse nelas. — Eu não quero ser um fardo para você. Não posso simplesmente ser alguém que fica para trás enquanto você enfrenta monstros como aquele. Eu não sou nada além de um peso.
Lou-reen o observou em silêncio por um momento, sua expressão imperturbável, mas havia algo em seu olhar que não passou despercebido por Marco. Ele já sabia o que ela diria, mas ainda assim, suas palavras chegaram como um alívio.
— Foi o conhecimento que você me deu que me fez vencer, Marco — ela disse calmamente, sua voz carregada de uma sabedoria simples, mas poderosa. — O que me fez saber o que era necessário fazer. Sem você, talvez eu não tivesse vencido. Você tem mais valor do que pensa.
Mas Marco não estava satisfeito com essa resposta. Ele sabia que o conhecimento poderia ser poderoso, mas ainda sentia que a força física, a habilidade de lutar, ainda era uma lacuna em sua existência. Ele precisava fazer mais por ela.
— Não é o suficiente — Marco insistiu, seus olhos fixos nela com uma determinação silenciosa. — Eu não quero que você tenha que me salvar toda vez. Não quero ser um fardo. Então, Lou-reen, por favor… me treine. Me ensine a lutar como um soldado de Taeris. Eu não quero ficar para trás, não importa o que aconteça. Preciso ser mais forte. Para mim, para você, para todos.
— Se é o que deseja…
— Estou pronto para isso. Faça o que for necessário. Eu preciso mudar.
Lou-reen assentiu, sem dizer mais nada.
Juntos, começaram a descer a colina.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.