O que você sabe sobre as <Grandes Terras> se nem mesmo entrou no <Caos>? …Hã? Eu? Também nunca estive lá.]
    — Gainach, Senhor da Preguiça


    Na manhã seguinte, Mino ficou perplexa ao ouvir Jaehwan durante o caminho até a fortaleza mais próxima.

    “…Sobre o que você queria que eu falasse?”

    “Sobre você.”

    “O quê sobre mim?”

    “Quero saber como foi quando você limpou a Torre dos Pesadelos.”

    Era uma viagem monótona, então conversar entre eles era algo natural. Mino poderia ter considerado aquilo algo trivial — se não fosse pelo assunto.

    “Você não acha um pouco rude perguntar isso do nada?”

    Perguntar sobre o que aconteceu na torre era um tabu entre os Adaptadores. Por isso, as pessoas nem sequer chamavam pelo nome “Torre dos Pesadelos”, preferindo o termo “Raízes”.

    Ninguém queria se lembrar da época em que eram apenas um [Produto].

    Já se haviam passado oito anos desde que Mino limpou a torre, mas ela ainda tinha pesadelos com a época em que sobreviveu pelas Raízes.

    “Quero ouvir sua história em troca de ter salvo sua vida.”

    Mino mordeu os lábios e respondeu:

    “…Tá bom.”

    Ela pensou por um momento e então começou sua história.

    “Meu mundo natal se chamava ‘Arkal’.”

    Dez anos atrás, uma Torre dos Pesadelos apareceu no Mundo 7651 de Mino. Ela já não se lembrava de como era sua aparência, mas o que recordava era que, assim como seu mundo, a torre também não tinha nada de especial. Era apenas mais uma das torres produzidas em massa para fins de [Cultivo]. Mas as vidas e mortes que aconteceram dentro dela não foram em massa.

    Depois de passar pelo tutorial e pelo “jogo real”, ela chegou ao 100º andar. Lá, ela e seus amigos encontraram o Demônio, ou [Cultivador]. Ela ainda não conseguia esquecer o que o demônio disse ao olhar para eles com desinteresse:

    “Bah, isso foi um fracasso. Todos vocês são Não Adaptadores.”

    A floresta ainda estava densa. Jaehwan insistiu:

    “E depois disso?”

    Mino parecia relutante em continuar.

    “É uma história comum de uma garota que saiu das Raízes e sobreviveu pelas Grandes Terras.”

    “Pode entrar em detalhes?”

    Mino soltou um longo suspiro.

    “…Se insiste.”

    Ela ainda se lembrava da empolgação ao pisar nas <Grandes Terras>. Os demônios lhe disseram:

    “Dinheiro ou educação não significam nada nas <Grandes Terras>. A única coisa de valor aqui são os números.”

    Era a terra prometida após um longo pesadelo. Mino pensou que tudo daria certo. Acreditava que, com seus itens e habilidades, viveria bem nas <Grandes Terras>.

    Mas ela estava enganada.

    As <Grandes Terras> não eram a utopia da qual os demônios falavam. Mino teve que juntar habilidades no lugar de dinheiro e aumentar seu Poder Espiritual no lugar de estudar.

    Mais, melhor, mais alto.

    E Mino era uma Não Adaptadora — alguém que não combinava com nenhuma dessas palavras. Ela estava no fundo da cadeia alimentar. Então havia apenas uma coisa que podia fazer: correr. Sempre correr.

    “Depois disso é como você já sabe. A maioria das pessoas vem ao <Caos> pelos mesmos motivos.”

    Mino franziu a testa enquanto falava, claramente incomodada em ter que relembrar seu passado.

    “Você é cruel por me fazer lembrar disso tudo.”

    “Desculpe. Mas eu queria ouvir.”

    Jaehwan não precisava da “história da Mino”. O que ele queria era a história comum dos Adaptadores que haviam limpado a Torre dos Pesadelos.

    “…Tudo bem. Vou considerar como o pagamento pela dívida de ontem, por você ter me salvado. Além disso, não foi tão ruim assim contar. Acho que o tempo até passou mais rápido.”

    Mino parecia aliviada ao falar. Era como se tivesse terminado de ler um romance que hesitava em abrir há anos.

    Uma floresta terminou, e outra começou. Agora as árvores estavam mais espaçadas. Mino então falou como se estivesse esperando por isso:

    “Okay, agora é a sua vez.”

    “Minha vez?”

    “Não devíamos jogar limpo? Eu contei a minha, agora você conta a sua.”

    Ela estava prestes a dizer que aquilo seria como retribuição, mas mudou de ideia.

    “Você ainda quer saber quem eu sou?”

    Mino sorriu.

    “Não, eu só quero saber da sua história.”

    Conhecer uma pessoa significava conhecer sua história. Era óbvio que quem ele era estaria refletido nela. Jaehwan pensou que ela combinava mais com o nome “Raposa” do que qualquer membro da Raposa Vermelha que ele havia matado no dia anterior.

    “Esqueceu que eu perdi a memória?”

    “…Você e essa perda de memória. Ainda tá bravo com o que eu fiz ontem?”

    Jaehwan balançou a cabeça, e Mino o olhou com desconfiança. Jaehwan havia dito que não sabia nada sobre o <Caos>. Mas isso era estranho. Havia a possibilidade de alguém não conhecer o <Caos> estando fora dele — mas quem está dentro, com certeza deveria saber.

    Esse era o tipo de mundo que o Caos era.

    “Então… você não tem nenhuma memória de quando entrou no <Caos>? Quer dizer, nenhuma memória das <Grandes Terras>?”

    “Pode-se dizer que sim.”

    Ele nunca esteve nas <Grandes Terras>, então não estava mentindo. Foi então que Mino o olhou com uma expressão que ele nunca tinha visto antes nela. Parecia…

    “Se isso for verdade… eu invejo você.”

    Era o rosto de alguém que genuinamente sentia inveja.

    “O quê?”

    “Invejo o fato de que você não tem nenhuma memória daquele lugar.”

    Jaehwan ficou curioso e perguntou:

    “O que tem de invejável na perda de memória?”

    “A maioria das pessoas aqui também invejaria você.”

    “Por quê?”

    Mino não respondeu.

    Foi então que uma torre pertencente à fortaleza apareceu ao longe. Estavam perto de seu destino.

    “Aquela é a Fortaleza Gorgon. É a maior por aqui.”

    Jaehwan achou estranho observar as muralhas da fortaleza. Mesmo dentro do <Caos>, ainda existiam grupos de pessoas vivendo em comunidade. O mundo ainda preservava algo de civilização humana.

    “A maioria das pessoas vem ao <Caos> por motivos parecidos.”

    Jaehwan ficou curioso. Sob quais circunstâncias Mino veio parar ali para ter dito aquilo? Ele perguntou de forma casual. E logo percebeu seu erro.

    “…Você perguntou como eu vim parar aqui?”

    A voz dela estava fria. Sua expressão, congelada.

    “Você vai se arrepender de ter feito essa pergunta quando souber a resposta.”

    Ela então se adiantou na estrada.

    A floresta terminou, e uma imensa fortaleza medieval surgiu diante deles. Jaehwan nunca tinha visto uma tão grande. A vila de Atopos que os humanos haviam erguido até o 50º andar da torre parecia um barraco em comparação. As muralhas tinham marcas de reparos e reforços — sinais de que estavam de pé há muito tempo.

    Mas havia algo curioso na entrada. Um grande círculo mágico.

    Jaehwan sentiu algo familiar. Ele conhecia aquele lugar. Era semelhante ao “Campo de Invocação” do 1º andar da Torre dos Pesadelos.

    “Eu-eu não quero morrer!”

    “Socorro!”

    Sobre o círculo mágico, pessoas nuas se encolhiam. Algumas seguravam o peito e gritavam, outras gemiam de dor. Algumas tinham rostos dilacerados, como se tivessem sido atacadas, outras pareciam dormir em paz. Mas Jaehwan percebeu na hora:

    Todas expressavam coisas diferentes, mas no fundo, era a mesma emoção.

    Jaehwan sabia reconhecer aquele sentimento.

    Nesse momento, o círculo brilhou e outro grupo de pessoas apareceu. Nus, tremendo de medo. Gritando, gemendo em desespero…

    Um arrepio percorreu sua espinha.

    “Então, eles são…”

    “Você sabe o que acabou de me perguntar?”

    Mino parecia angustiada apenas por observar a cena.

    “…Você perguntou como eu vim parar no <Caos>? Nunca pergunte isso a ninguém aqui.”

    Ela então tirou uma adaga das roupas e fez um pequeno corte no dedo mindinho. O sangue escorreu para o ar e, em seguida, virou um pó branco e desapareceu.

    Neste mundo, o espírito se dissolvia em partículas brancas.

    Não era surpreendente — ele já tinha visto isso centenas de vezes, inclusive quando matou membros da Raposa Vermelha. Mas foi justamente por isso que ele se esqueceu. Esqueceu que o corpo humano não desaparecia. Eles sangravam, morriam em agonia.

    Eles não viravam pó.

    Jaehwan finalmente entendeu a verdade sobre aquele mundo.

    “Entendi… então as pessoas aqui já…”

    Ele olhou para o campo de invocação com uma expressão triste, e Mino assentiu.”Bem-vindo ao mundo dos mortos, <Caos>.”

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