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    E se Quintus achava que Dona Jabá era o auge da vergonha pública, estava redondamente enganado. Antes que tivesse tempo de negar, respirar ou inventar uma desculpa histórica, a imagem já mostrava a senhora pegando o telefone com a solenidade de quem vai declarar guerra. Ou, no caso, um amor revolucionário em cadeia nacional.

    Ele olhava para aquela mulher que não lembrava de ter visto na vida e pensava que, se aquilo era a França, então a geografia estava errada. Era mais provável que fosse a China. Ou, pelo volume, o planeta inteiro.

    — ALOOOÔ QUEM QUER DINHEIROOOO! — Era uma piada recorrente entre seus amigos. Hilária durante churrascos e jogos de truco. Mas ali, em cadeia nacional, o som soou feito um pedido desesperado por ajuda psiquiátrica. O barulho o pegou tão desprevenido que ele meteu a mão no bolso igual a alguém que tenta apagar um incêndio com a palma e, na pressa, quase derrubou o celular, a dignidade e metade do cenário.

    Ele atendeu com a expressão de quem sabe que está prestes a ouvir o próprio funeral narrado, e escuta:

    — Oi, Baby Che! — disse Dona Jabá, com a suavidade de uma rasteira bem dada na frente das câmeras.

    Quintus continuava parado com o celular na mão, igual se o aparelho tivesse virado um artefato radioativo. Não sabia se respondia para a câmera, para Dona Jabá, para o público ou para algum tribunal cósmico invisível. 

    Também não sabia como explicaria para a própria mãe que teve um relacionamento com alguém mais velha, e muito maior, do que ela.

    Ele respirou fundo, sem encontrar ar suficiente para uma desculpa.

    — Eu deveria explicar isso, mas não posso.

    As câmeras correram até a família de Quintus. A mãe abriu a boca, mas nada saiu: nem som, nem perdão. O seu pai Paulo Costa esfregava os olhos sorrindo, feito quem finalmente entendia a vida.

    — Mas ele não era gay? — disparou o irmão Sextus Maximus, confuso, segurando uma garrafinha d’água que tremeu junto com sua fé na realidade.

    Dawana ainda sorria quando a transmissão saltou para uma sala secundária, onde a câmera escorregou sorrateira para Nyck, já no fundo do cassino, falando consigo mesmo sem saber que o país inteiro estava ouvindo:

    — Irmão, tu desbloqueou o final secreto do bingo das tias! — disse Nyck, com os olhos brilhando de respeito indevido.

    — Não sou nada! — protestou Quintus, tentando se levantar com a dignidade de quem escorrega num chão molhado tentando parecer elegante.

    A apresentadora sorriu na mesma forma que quem acaba de flagrar uma mentira no horário nobre.

    — Mas ainda tem sobremesa nesse banquete de escândalos. — disse Dawana, — Nosso protagonista mantém relações calorosas e bem financiadas com o Dr. Zaratustra, seu sugar daddy licenciado pela Anvisa.

    — SUGAR DADDY?! — o jovem Maximus berrou — Ele é meu… meu… terapeuta! Ele é meu terapeuta! Meu terapeuta mal-pago e eticamente questionável!

    Novamente a imagem mostrou Nyck que tinha ajoelhado em lágrimas olhando todos aqueles novos fatos e balbuciava: 

    — Eloisa, Quintus realmente é a salvação da nossa relação. Vou trazer ele para casa… Vamos voltar a ficar bem. Nós três! 

    A apresentadora virtual do programa voltou a intervir com sua voz teatral, ansiosa por inflamar o público:

    — Um terapeuta que te leva pra jantar, te hospeda na casa dele e ainda contrata… entretenimento? — Dawana arqueou a sobrancelha, tal qual alguém que acaba de diagnosticar um fetiche disfarçado de sessão — Que terapia é essa? Freud com open bar?

    Enquanto a apresentadora do reality show falava, o telão acendeu com imagens embaçadas, provavelmente capturadas por alguma câmera instalada ilegalmente numa samambaia, mas parecida com um paparazzi num restaurante chique:  

    Primeiro: Quintus saía de um restaurante medieval temático com Dr. Zaratustra. A imagem, de longe, dava a impressão de que ambos estavam saindo de um conto de fadas distorcido. 

    Dr. Zaratustra, com o porte de um príncipe medieval, carregava o jovem Maximus nos braços, que mais parecia uma princesa bêbada sem defesa contra os desafios da vida adulta.

    Depois: os dois surgiam entrando numa mansão luxuosa, com colunas gregas de gosto tão duvidoso que pareciam ter sido aprovadas por votação popular. No centro, uma fonte cuspia luz roxa, de modo que isso fosse algo compreensível para uma criação tão inusitada.

    E por fim: Quintus reaparecia na manhã seguinte, bem vestido, com um terno que parecia ter sido colocado nele por engano, tal qual se alguém tivesse decidido que ele fosse participar de um evento que nunca imaginou existir, e muito menos como convidado.

    Na verdade, era um terno pronto. Um que ele nunca tinha usado na vida. Nem para formatura. Nem para enterro. Nem por acidente. Nem num sonho com orçamento alto.

    Nem a gravata escapava da suspeita: parecia saída de uma consultoria de imagem — ou de um filme adulto ambientado em Wall Street.

    A imagem congelou num close dramático da gravata, e o silêncio que se seguiu foi preenchido por risadinhas nervosas. Não era exatamente riso. Era o som coletivo da vergonha alheia se desintegrando em suspiros e risadinhas nervosas.

    — Não é o que parece… — Quintus disse. Depois respirou fundo, encarou o telão, deixou o cérebro formular uma desculpa… e suspirou.

    — Quer saber? Deixa pra lá.

    Silêncio. O tipo de silêncio que geralmente antecede o disparo de um míssil ou o início de uma palestra muito desagradável.

    Dawana não esboçou reação. Virou a página do relatório com a calma de quem acende a luz num porão cheio de coisas que ninguém deveria ver.

    — Segundo nossos relatórios — ela continuou implacavelmente — O Dr. Zaratustra paga quinhentos reais por ‘missão’ para que você use um ponto de ouvido e se deixe monitorar. Claramente, um relacionamento voyeurístico onde ele satisfaz seus desejos através de suas experiências.

    — NÃO É ISSO! — Quintus protestou — Ele está estudando reencarnação! É pesquisa científica!

    Antes que ele pudesse desenvolver a tese, Dawana o interrompeu com um sorriso carregado de sarcasmo:

    — Claro que é. — a apresentadora do reality show sorriu — E eu sou vegana desde que nasci em uma churrascaria. O importante é que você é bancado por um milionário e pode oferecer uma vida de luxo para qualquer uma das nossas candidatas. Intimidade é supervalorizada. Já o acesso a um cartão black, nem tanto.

    — Também temos evidências — ela disse, como quem entrega um troféu em câmera lenta — de que o nosso Don Juan de condomínio acredita que o caminho até o coração de uma mulher passa por nudes acidentais enviados com a sutileza de uma Dona Jabá em patins.

    — Nada pessoal, querida! — acrescentou, lançando um olhar que misturava pena, deboche e uma leve ameaça jurídica.

    Um novo documento surgiu na tela. No topo, a mensagem: “Boa tarde, professora! Espero que isso satisfaça as suas exigências.”

    Logo abaixo, uma imagem parcialmente borrada, embora o borrão fosse generoso demais para o que tentava esconder. O desconforto foi imediato: pernas finas demais, confiança exagerada, e um contexto completamente indefensável.

    Sem perder tempo, Dawana retomou a condução do espetáculo, mirando diretamente a professora sentada na primeira fileira:

    — Sua professora Nimsay pode confirmar essa tática, não é, professora?

    A câmera focalizou Nimsay, que estava sendo impedida por seguranças para não avançar em direção ao palco feito uma fã desesperada em show de rock.

    — Foi um acidente! Um mal-entendido! Ele só queria me mandar a foto de um… de um… exercício de biologia!

    — Exercício de biologia!? — Dawana repetiu com ironia — Muito educativo. Especialmente a parte da anatomia masculina em detalhes. E pelo visto é algo impressionante, pois ela correu da escola para seguir ele aqui no cassino. 

    Quintus cobriu o rosto com as asas da fantasia de galo, e a professora Nimsay o imitou quase no mesmo segundo. Foi o sinal perfeito para a apresentadora do reality show tomar a palavra com o entusiasmo de quem cheirou mais um escândalo fresco:

    — E como diria minha avó: a desgraça nunca vem sozinha — comentou Dawana, já animada — Nosso Don Juan contemporâneo aqui é praticamente um PhD em encrenca emocional. Tentou seduzir a namorada do melhor amigo, se enfiou num poliamor com um professor, uma aluna e… um pote de cinzas! Sim, você não ouviu errado: cinzas, gente. Ele é romântico até com restos mortais.

    — Eu estava tentando ajudar! — Maximus exclamou, com os olhos arregalados, tal qual tivesse sido injustiçado pelo próprio destino.

    — Ah, sim, ajudar! — Dawana fez aspas no ar com a mesma animação de um grande espetáculo — E claro, Quintus é o rei da atitude! Como quando ele uma vez, no churrasco na família de seu melhor amigo, com um barril de chopp na cabeça, pediu Mirela em casamento com um anel de latinha de cerveja. Filtro? Ele não conhece.

    Um novo vídeo retirado de alguma filmagem caseira apareceu na tela: o jovem Maximus completamente bêbado, segurando um violão desafinado, cantando ‘Evidências’ diretamente para Mirela enquanto o avô de Gustavo chorava emocionado ao fundo.

    — Mirela, você quer casar comigo? — dizia o Quintus bêbado no vídeo, oferecendo um anel claramente improvisado — Prometo que vou te amar até a próxima ressaca! Ou até você me processar por danos morais!

    A imagem não mostrava, mas a voz de Mirela, com sua clareza desconcertante, cortava o silêncio, entre risadas constrangidas:

    — Tia, o Quintus está tão bêbado que ele provavelmente vai acordar amanhã e achar que casou com a caixa de cerveja. Não tivemos nada. E nunca vamos ter!

    O ambiente ficou tenso, todos esperando o desenrolar da cena, mas, antes que qualquer conclusão fosse dada, um grito cortou o silêncio. Era o jovem Maximus, assistindo ao vídeo e se vendo ali, feito um espectador distante de suas próprias ações:

    — Eu estava bêbado! — Quintus gritou — Não vale!

    A reação dele mal teve tempo de ecoar no ar, pois logo foi interrompida por Dawana, cuja imagem virtual surgiu na tela, projetada com sua postura imponente. Ela olhou diretamente para a câmera, o sorriso no rosto, e com uma voz cheia de dramaticidade, continuou:

    — E para completar o perfil do nosso ladrão de corações, cantor com vocação para conquista e especialista em problemas… — a tela da apresentadora virtual se iluminou, e ela gesticulou como se estivesse apontando para a plateia do reality — Também temos provas de que o sujeito é o ‘bad boy’ que todas querem pelo menos uma vez na vida, mesmo sabendo que ele vai levar você para baixo. Pela intensidade, pela falta de continuidade, e porque, convenhamos, ele é bom demais para durar. Mas, claro, com prazo de validade embutido… e ele nunca lembra de renovar.

    Novas imagens de Quintus apareceram: fugindo desesperadamente de uma vitrine quebrada, ao lado de um jovem criminoso fantasiado de gato, porque quem não quer destruir uma vitrine com estilo, e em outra cena, ele estava chutando um motoboy, que foi deixado para trás sem sua moto e com cara de total desgosto.

    — Isso foi culpa de… alguma coisa além da minha compreensão… — Quintus olhou para as suas mãos, acreditando, por um momento, que elas poderiam fornecer a resposta — reencarnação!? Ou… talvez alguma força desconhecida… — Ele fez uma pausa, visivelmente se atrapalhando, e então olhou para a câmera com um olhar preocupado — E, claro, o Vento Leste, meu amigo que sempre se mete em encrenca…

    — Claro, claro! — Dawana riu, passando a mão pela testa, claramente cansada de já ter ouvido isso antes — Homens são sempre mestres em culpar os outros. Já repararam? Tudo é culpa do Vento Leste, ou de qualquer coisa que tenha acontecido antes deles nascerem. E o “homem de verdade”? Ah, ele é praticamente uma lenda agora! Todo mundo corre atrás, mas no fim… depois que experimentar… ah, não tem mais saúde mental que aguente.

    Nesse momento, algo inesperado aconteceu. Vento Leste, que havia ficado quieto até então, de repente se manifestou:

    — Eu quero me candidatar!

    Quintus olhou para ele com a expressão de quem acabara de ver um amigo pular de um penhasco voluntariamente. O cassino inteiro ficou em silêncio, exceto pelo som de alguns clientes engasgando com suas bebidas.

    — Desculpa, como é que é? — perguntou o jovem Maximus, achando que tinha ouvido errado.

    — Eu disse que quero me candidatar! — Vento Leste repetiu, agora de pé e acenando para as câmeras. 

    Dawana sorriu com a satisfação de alguém que conseguiu vender um bilhete do jogo do bicho falso, mas com aquele ar de quem fez o melhor negócio da vida.

    — Bem, telespectadores, parece que nossa primeira candidata já se apresentou! E que reviravolta interessante…

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