Capítulo 20 - Revoltante
Acordei com um leve desconforto no peito. O som do despertador ainda ressoava na minha mente, mas o que realmente me incomodava era algo que eu não esperava sentir. Olhei para o relógio: 10 minutos antes do previsto.
— Hoje… não sonhei com ela! — pensei, soltando um suspiro.
Pode soar estranho, mas eu realmente sentia falta dela. Mesmo sendo apenas um sonho, ela era a única coisa que conseguia me acalmar, que me fazia me sentir bem.
Durante aquele curto período entre o sono e a vigília, ela era tudo o que eu precisava.
E agora, nada. Eu só queria que ela aparecesse novamente, que surgisse nos meus sonhos. Mas não podia deixar minha mente se perder nisso agora. Okawara estava para vir me buscar para a aula, então eu precisava me apressar.
— Mais um dia com esse raivoso! — resmunguei baixinho.
Terminei de me arrumar rapidamente. O relógio já marcava que a aula começaria em breve, mas Okawara ainda não tinha aparecido. O que estava acontecendo? Ele sempre era pontual… e agora? Faltavam apenas 15 minutos para o horário marcado, e ele continuava sumido.
— Por que essa demora toda? O que será que aconteceu? — perguntei a mim mesmo, impaciente.
Não podia me atrasar, então resolvi ir sozinho até o colégio. Talvez tivesse acontecido algo com ele, mas isso não era desculpa pra perder aula.
Quando cheguei na sala de aula, levei um susto. Lá estava ele, sentado como se nada tivesse acontecido.
— OKAWARA?? — gritei, sem conseguir segurar minha raiva.
Ele levantou o olhar, claramente incomodado com o volume da minha voz.
— Ô, ô! Que gritaria é essa, seu moleque insolente? Já tá me enchendo logo cedo?! — retrucou, com aquela cara emburrada de sempre.
— Eu fiquei te esperando! Como você pode me deixar plantado assim? Quase me atrasei!
Okawara me lançou um olhar tão sério que por um momento achei que ele fosse me bater ali mesmo. Mas, ao invés disso, cruzou os braços e resmungou:
— Você acha que eu sou quem? Que vou sair da minha casa só pra te pegar? Tá maluco. É você quem tem que vir até aqui, seu moleque!
Fiquei assustado, mas tentei quebrar o clima com um sorriso nervoso.
— Ah, eu tava só brincando, senhor, hehe…
— É bom mesmo… Agora senta aí nessa cadeira. Hoje vamos aprender geografia! — disse, colocando os óculos.
Fui até minha cadeira e me sentei. Okawara, com aquele jeitão rabugento, levantou-se e começou a aula.
O tempo foi passando devagar. Depois de algumas horas, chegou a hora do almoço. Mas eu não tava com fome, então decidi ficar na sala.
— Se ficar com fome durante a aula, vai se ver comigo, moleque! Fica aí que volto daqui a uma hora! — falou ele, ríspido, ao perceber que eu não ia comer.
Os minutos passavam devagar, e sem nada pra fazer, fiquei entediado. Resolvi sair um pouco, respirar ar puro e ver o lado de fora.
As árvores ao redor da escola estavam lindas, com folhas em tons de rosa. Uma delas me chamou atenção.
— Sakura… acho que é isso! — lembrei, sorrindo. Era o nome que a mamãe sempre falava.
Enquanto eu olhava a paisagem, dois garotos passaram cochichando perto de mim.
— Você ouviu? Parece que ele fazia parte dos revoltantes! — disse um deles, olhando desconfiado.
— Sério? Mas como ele entrou aqui? O diretor sabe?
— Não sei, mas sei que esse revoltante tá com o Okawara. Quando descobrirmos quem é, vamos dar um jeito de tirar ele daqui, haha!
— Como se fosse fácil! — retrucou o outro, rindo.
— Mas é sim. Você vai ver.
Fiquei em silêncio, observando eles se afastarem. Estavam falando de mim? Revoltante? Que história era essa?
Decidi perguntar.
— Ei, esperem! — gritei, correndo até eles.
Os dois pararam. O da direita, com uma cicatriz na testa, me olhou desconfiado.
— Quem é você?! — perguntou o da cicatriz, num tom curioso.
— Me chamo Yuki. Desculpa chegar assim, mas ouvi vocês falando de “revoltante” e queria saber o que é.
O da direita me encarou de novo, tentando entender quem eu era. O da esquerda, com uma vassoura na mão, parecia meio perdido.
— Espera aí… Você é de onde? Nunca te vi. E por que tá aqui fora? Não devia estar na limpeza agora?
Fiquei paralisado. Ele tava desconfiando, e eu não queria que soubessem de nada.
— Eu tô no meu horário de almoço… Hehe. Só vim ver essa árvore bonita ali. — disse, apontando.
O da esquerda retrucou:
— Mas o almoço não é agora.
— Não pra todo mundo. — respondeu o da cicatriz, franzindo a testa. — Fala a verdade… O que tá fazendo aqui? Vou chamar a patrulha. Vem comigo!
Ele veio na minha direção e agarrou meu braço. Eu reagi no instinto.
— Não me toca! — gritei, empurrando ele.
O garoto se assustou, mas logo ficou irritado.
— Tá maluco? Não encosta em mim, moleque!
— Foi você que começou! — retruquei, já com raiva. — Não pode sair pegando nos outros assim!
— Ah é? Você vai ver quem eu sou agora! — disse ele, se aproximando com um sorriso maldoso.
O outro também parecia pronto pra agir. Dois contra um… Eu não tinha chance. Precisava correr.
— Ei, não foge, covarde! — gritou ele, correndo atrás de mim.
Olhei pra trás, sentia o coração quase explodindo. Não podia me deixar pegar por eles, não sei o que eles podem ser capazes de fazer comigo. Okawara era minha única salvação agora.
Corri de volta para o prédio, e passei pela entrada que nem um foguete.
Subi as escadas enormes com uma velocidade que eu nem sabia que tinha.
Mas os meninos ainda estavam atras de mim. Eles estavam dispostos a me pegar.
No caminho, vi um carrinho de limpeza parado com produtos em cima. Se eu fosse rápido, podia usar aquilo a meu favor.
Corri até o carrinho, e esperei eles se aproximarem.
Poucos segundos depois, eles apareceram, aproveitem o momento e empurrei com tudo o carrinho na direção deles.
O carrinho bateu neles e virou, espalhando tudo pelo chão. O barulho foi enorme. Frascos caindo, coisas rolando… Um caos.
Mas os meninos pararam a perseguição. Menos mal que não machucaram.
O zelador apareceu bravo, resmungando alto para todos os lados.
— O que vocês fizeram com meu carrinho, pestes?! — gritou.
Os meninos se entreolharam. O da cicatriz apontou seu dedo em minha direção.
— Não fomos nós tio! Foi esse menino ali!
O zelador me olhou com cara de quem já estava acostumado com confusão, mas não deu atenção para mim.
Aproveitei a distração e corri por um corredor lateral.
— Tio, ele tá fugindo! Pega ele!
— Nada disso! Vocês que vão arrumar essa bagunça. E ainda vou reclamar com seus professores!
Foi tudo que ouvi antes de sumir dali. Consegui escapar. Mas sei que vou esbarrar com eles de novo. Vou ter que estar preparado.
Consegui chegar na sala a salvo. Os meninos não me seguiram mais. Essa foi por pouco…
Mas isso não quer dizer que eu não vá encontrar com eles de novo. Quando esse dia chegar, eu vou estar pronto.
Depois de alguns minutos, Okawara voltou do almoço. Mas ele estava diferente. Seu semblante estava sério e o olhar carregava uma raiva que eu nunca tinha visto antes. Em vez de ir direto pra mesa dele, ele veio até mim, com passos firmes, como se fosse me dar uma bronca daquelas.
— VOCÊ É MALUCO?! — gritou, com a voz cheia de fúria.
Fiquei paralisado. Meus olhos se arregalaram de susto.
— Q-quê? Hã? Q-que foi? — gaguejei, recuando na cadeira, sem entender nada.
— NÃO VEM BANCAR O INOCENTE! EU SEI QUE VOCÊ SAIU E DERRUBOU O CARRINHO DO ZELADOR!
— Ah… sobre isso… heh, desculpa, professor! — falei, tentando disfarçar. — É que tava muito chato aqui dentro, então resolvi ver as árvores lá fora…
— E o carrinho?
— Sobre o carrinho… não foi culpa minha! Tinha dois meninos tentando me bater e, no meio da confusão, eu derrubei o carrinho sem querer, foi apenas isso.
Okawara ficou em silêncio por uns segundos, me encarando. O rosto dele ficou um pouco mais calmo.
— Hm… Entendi… E por que esses meninos estavam correndo atrás de você?
Eu não sabia o que dizer. Uma mentira era a única saída. Mas eu poderia usar essa oportunidade para saber o que significava revoltante.
— É que… eles falaram sobre “revoltante” e que eu estava estudando com o senhor. Aí eu fui perguntar o que era isso, mas fiquei com medo de acharem que era eu… então corri. Mas… será que eu sou um revoltante, professor? — perguntei, com a voz mais baixa do que queria. Era uma dúvida real escapando da minha boca.
Okawara me encarou com um olhar pensativo. A sala ficou em silêncio.
— Revoltante, hein? Você sabe o que essa palavra significa, moleque?
Olhei pro teto, tentando lembrar. Então me levantei, empolgado com a resposta:
— SEI!!! Revoltante é tipo uma pessoa que não gosta do sistema, ou da família, e decide fazer o que ela quer! Ela se revolta e segue o próprio caminho, né?
Okawara abaixou a cabeça, colocou dois dedos no meio da testa e disse:
— Você é mais idiota do que eu pensava…
— HÃ?
Ele se afastou e foi até sua mesa, andando com passos pesados.
— Revoltantes, moleque… Você até faz parte do grupo deles. São pessoas que se opõem aos métodos do governo pra lidar com crianças com partículas oni. — disse, pegando a garrafa d’água e continuando a explicação. — Ou seja, pais que, ao descobrirem que seus filhos têm partículas, não avisam as autoridades e fogem dos militares. Alguns se juntam a grupos escondidos, outros vivem se escondendo do mundo. E, pelo visto, esse é o caso dos seus pais… espero eu.
— Ah, agora entendi… Mas como é que eles sabem que eu sou um revoltante?
— Eles não são tão burros quanto você. Estamos em novembro e você só apareceu agora na escola, com essa idade. Dá pra deduzir. E só isso já te coloca no grupo dos revoltantes. — disse ele, dando um tapinha na minha cabeça. — Entendeu, ou tá difícil? Você tem cara de quem tá com a cabeça oca hoje.
— Aff… você realmente não gosta de mim, né? Mas tudo bem. Um dia você ainda vai ser meu amigo. Só espera e vai ver! — falei, cruzando os braços e sorrindo, confiante.
Okawara começou a rir. Mas rir mesmo, alto.
— HAHAHAHAHAHAHAHA! Até parece, moleque!
Ele se divertia tanto que eu quase não acreditei.
— Agora chega de palhaçada. Ainda tem muita coisa pra aprender. — disse ele, voltando pro tom sério, mas com um sorrisinho no canto da boca.
Enquanto Yuki estava na sala com Okawara, os dois garotos de antes caminhavam em direção ao prédio principal, conversando animadamente.
— Gyutaro, aquele garoto… nunca vi ele por aqui. Será que é um?
— Provavelmente, Gintaro. Você viu como ele ficou assustado? Hahaha, um medrosinho. Vamos dar uma surpresinha pra ele. Algo que ele nunca vai esquecer. Vamos mostrar como um revoltante é tratado por aqui. — disse Gyutaro, com um sorriso cruel.
— Como você é malvado, Gyutaro… Tenho orgulho de ter você como irmão!
— Tenha mesmo. Eu sou o máximo. Vou botar essas crianças todas na palma da minha mão. Crescer aqui dentro, virar militar… e um dia, acabar com esses revoltantes de uma vez por todas.
— Sim, sim, Gyutaro! O governo vai te ver como um herói!
— Herói não enche bolso, Gintaro. Eu quero mais. Quero ser o presidente do Horizonte. Quando chegar o dia de derrubar o atual, eu vou fazer o que for preciso.
— Uau! Mas antes, a gente tem que acabar com aquele revoltante novo, né?
— Isso! Vamos fazer com ele igual fizemos com aquele amigo idiota do Sasori.
— Hahaha! A gente é demais, né?
— Óbvio. Agora vamos para o dormitório, vou bolar o plano no meu quarto.
— Pode deixar! Hehe…
Os dois irmãos seguiram para o dormitório, mas o que eles não sabiam é que alguém tinha escutado tudo.
Gyutaro parou de andar, olhou discretamente para trás e gritou:
— Você acha que a gente não notou sua presença?
Das sombras surgiu uma figura encapuzada.
— Incrível como sempre, Gyutaro! — disse a voz misteriosa.
— Ah, é você! — respondeu Gyutaro, reconhecendo.
Era um conhecido deles.
— O que você descobriu? — indagou Gyutaro.
— Descobri algo interessante sobre um garoto novo… Ele tá no mesmo quarto do antigo amigo do Sasori.
— E?
— O nome dele é Yuki Hikaru. E tudo indica que ele é um revoltante, já que o Okawara tá dando aula pra ele. Descobri isso enquanto andava por aí… hehe.
— Andava? — questionou Gintaro, com os braços cruzados.
— Sim! Ele até ficou assustado só porque eu ri pra ele hehe.
— Sim eu sei bem, ele é medroso mesmo. Hoje conhecemos ele. E eu estou louco para acabar com ele!
— E qual é o plano? — perguntou o encapuzado.
— Vamos bolar isso no meu quarto. E não esquece de chamar seu irmão. Ele vai ser essencial pro que eu quero!
— Certo! Hehe…
Os irmãos seguiram pro dormitório, enquanto o encapuzado tomou outro caminho.
E Yuki… Ele ainda estava com Okawara, focado nos estudos, sem a menor ideia do que estava prestes a acontecer.
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