Capítulo 22 - Relógio Espião.
A voz dele era venenosa, carregada de prazer sádico.
— Infelizmente, não tem mais pra onde correr. A única saída é essa aqui atrás de nós. E, pra passar, vai ter que passar por mim e pelo meu irmão.
Tentei respirar fundo, organizar os pensamentos, mas a pressão era sufocante. Olhei ao redor, buscando uma brecha… mas não havia. Eu estava preso. Gintaro, ao meu lado, permanecia imóvel, com uma expressão impassível — como um guarda esperando ordens.
— Mas… como assim “passar por vocês”? Eu não tô entendendo. O que vocês querem de mim? — perguntei. Minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria… o medo já começava a dominar.
Gyutaro soltou uma risada baixa, como se estivesse se divertindo com minha ingenuidade.
Ele se aproximou devagar, as botas estalando no chão.
— Você não precisa entender o que a gente quer. Só precisa sentir a surra que vai levar… e aprender a respeitar os mais velhos — disse ele, estalando os punhos. — Além disso, você precisa voltar de onde veio. Esse não é lugar pra revoltantes.
— Revoltantes? — repeti, confuso. A palavra soava estranha nos meus ouvidos. — O que isso significa? Eu não sei o que é isso!
Gyutaro parou de andar e soltou uma risadinha debochada, como se estivesse prestes a revelar um segredo importante.
— Hihi… normalmente eu nem dou explicação pra minha presa, mas… hoje tô de bom humor. Vou te explicar.
Ele se sentou num dos bancos do parque, cruzando os braços com um sorriso arrogante, como se estivesse me concedendo uma honra especial.
Aquela postura, aquele jeito de falar… ele estava esperando alguma reação minha. Era orgulhoso, egocêntrico. Algo me dizia que havia mais por trás daquela máscara de arrogância.
Ele provavelmente sabia que eu estava com medo — e queria saborear isso. Mas eu precisava ser estratégico. Talvez alimentar o ego dele me desse mais tempo… uma chance.
— Revoltantes são pessoas fracas, covardes, que têm medo da responsabilidade. Gente que nega o governo, nega o horizonte e prefere viver na miséria. — disse ele, o sorriso falso ainda no rosto. — Patético, né? E você é filho de revoltantes. Chegou agora na escola, não conhece nada… por isso, meu caro coleguinha, você não merece estar aqui!
A cada palavra, sua voz se tornava mais ríspida, mais agressiva. Ele parecia se empolgar com a própria retórica, como se cada frase fosse um golpe bem aplicado.
Respirei fundo, tentando não demonstrar fraqueza. Se eu deixasse escapar um sinal de medo ou raiva, ele certamente se aproveitaria. Então, decidi provocá-lo, ganhar mais tempo.
— Ah, entendi… ótima explicação, menino da cicatriz. Mas como você tem tanta certeza de que sou filho de revoltante? Talvez você só nunca tenha me visto por aqui! — comentei, de forma casual, tentando parecer despreocupado, embora meu cérebro estivesse em alerta total.
Gyutaro me lançou um olhar de desdém, mas algo em sua expressão mudou. Parecia… irritado, como se tivesse se cansado da minha resistência. Levantou-se do banco num salto, os músculos tensos, e seu olhar endureceu. Ele havia perdido a paciência.
— EU NÃO SOU BURRO!! — gritou, sua voz ecoando pela sala, carregada de fúria. — É óbvio que você nunca esteve aqui antes! Esta escola tem testes, tem provas. Estou aqui há dois anos e já vi o rosto de todos os alunos. Você não me engana, seu fedelho!
Percebi que havia tocado num ponto sensível. Ele queria me fazer sentir medo, pequeno, insignificante. Mas eu precisava me manter firme. Ele ainda não sabia quem eu era — e isso era a minha vantagem.
Gyutaro avançou em minha direção, e o momento de tensão estava prestes a explodir. Eu precisava pensar rápido.
— Você realmente quer fazer isso? — perguntei, tentando manter a calma, embora minha voz tremesse um pouco. — Não tem medo de ser expulso, não? Alguém pode ver você me batendo… pode dar ruim pra você.
Gyutaro hesitou, o olhar desconfiado. Então, uma gargalhada cruel escapou de seus lábios, ecoando pelo corredor.
— Hehe… AHAHAHA! Eu não vou ser expulso! Mesmo se alguém vir, não vão fazer nada. Sabe por quê? — disse, avançando um passo, com o sorriso de um predador. Seus olhos brilhavam de arrogância. — Porque sou filho do diretor! Sou privilegiado, diferente de você! HAHAHA! Então se prepara… vai ser punido!
Aquelas palavras caíram como uma bomba. Mas, para mim, foi o momento perfeito. Não podia deixar que ele percebesse o quão apreensivo eu estava. Então, joguei minha última carta.
— Você… o que está fazendo?!
Uma voz autoritária cortou o ar como uma lâmina.
Os olhos de Gyutaro se arregalaram, e ele congelou por alguns segundos, como se o tempo tivesse parado. Eu não sabia quem vinha, mas aquele grito bastou para deixá-lo paralisado.
— Hm?! Estou falando com você, moleque!!
A voz veio mais alta, feroz. Gyutaro se virou rapidamente e, quando viu quem estava à sua frente, seus olhos se arregalaram ainda mais.
— S-senhor Okawara?! O que… o que está fazendo aqui? — gaguejou ele, a voz trêmula, os músculos tensos de medo.
E então eu vi: Gyutaro estava tremendo. Ele — o cara que parecia invencível — estava ali, desconcertado, visivelmente amedrontado.
Foi impossível esconder minha surpresa. A expressão dele era algo que eu nunca pensei ver — o orgulho e a confiança desmoronando num piscar de olhos.
Mas e aquele discurso? E toda a pose de filho privilegiado do diretor?
Desmoronou diante da presença de Okawara. Mas por que ele se curvou tanto diante do professor?
— Eu… estava… hã… sabe… aqui, brincando! — tentou justificar-se.
Okawara ergueu uma sobrancelha, a voz seca e firme:
— Brincando, é?
Ele cruzou os braços, encarando-o.
— Não parecia isso, não. Parecia que você ia bater nesse moleque indefeso, enquanto seu irmão pateta fazia a guarda. Era isso, né? Ou estou ficando louco?
Gintaro, que estava escondido atrás de Okawara, saiu rapidamente e correu para o lado do irmão, tentando manter a pose.
— Brincando! É isso… hehe…
Tentou rir, mas sua voz denunciava o nervosismo.
Okawara não perdeu tempo. Fixou os olhos nos dois com um olhar que parecia atravessar a alma.
— Nada disso parecia brincadeira. Parecia que vocês estavam prestes a espancar o garoto!
A tensão aumentou. Então, Gintaro, com um olhar ameaçador, lançou uma frase que deixou claro o quanto aquilo era mais sério do que parecia.
— Escuta aqui, seu professor de meia tigela! Você sabe quem é o nosso pai, né? Então se liga e fica na sua, senão a gente inventa um monte de mentira sobre você e conta tudo pra ele!
A ameaça foi direta. E o olhar de Gintaro dizia que ele faria qualquer coisa para sair impune.
Mas Okawara não se intimidou nem por um segundo. Deu um passo à frente, as mãos abertas num gesto desafiador.
— Isso foi uma ameaça, moleque? Você realmente teve coragem de me ameaçar? Nenhum moleque me ameaça assim. Saem daqui agora antes que eu mesmo meta a mão em vocês dois, seus fedelhos atrevidos!
Eu sentia a tensão quase palpável, como se, a qualquer momento, a situação pudesse sair do controle. Mas Okawara já havia dado um ultimato, e, com isso, os dois irmãos, claramente receosos, se retiraram rapidamente.
— Dessa vez você escapou! — cochichou Gyutaro, ao passar por mim. Sua voz era baixa, mas carregada de veneno. — Na próxima, não vai ter ninguém pra te salvar, seu revoltante!
Eles fugiram dali o mais rápido que puderam, como se o chão tivesse virado lava. Eu, por outro lado, fiquei parado, tentando absorver tudo o que tinha acabado de acontecer.
— E você, hein?
Okawara me encarava com uma expressão severa, os olhos afiados como lâminas.
— Mal chegou na escola e já está arrumando confusão? Você é estúpido ou o quê?
Engoli em seco. Não sabia exatamente como me defender. Tinha que ser cuidadoso, sem parecer que estava inventando desculpas.
— Desculpa, professor… hehe… foi do nada, sabe? Eles vieram até mim, eu não fiz nada!!
Tentei argumentar, forçando um sorriso nervoso, mas ele devia estar vendo o medo estampado no meu rosto.
Okawara não parecia totalmente convencido, mas, depois de alguns segundos em silêncio, suspirou, aliviando um pouco a tensão.
— Tá, tá… mas fica esperto. Se eu observar mais alguma bagunça, quem vai se meter na sua frente sou eu. Não é porque você chegou agora que pode sair por aí se metendo em encrenca.
Assenti com a cabeça, mesmo com ela abaixada.
Eu estava decepcionado com tudo aquilo.
Mesmo ele tendo me ajudado, agora achava que fui eu quem começou a confusão. Isso era ruim pra mim.
— Hm… vou indo. Vê se volta pra casa. Vai que eles voltam! — disse ele, sério, virando-se e indo embora.
Ficou só o silêncio, e eu ali parado, mergulhado nos meus pensamentos. A presença inesperada dele tinha sido um verdadeiro alívio… mas também deixara perguntas sem resposta.
Minha sorte, naquele momento, foi o relógio que ele me deu depois que tirei nota máxima na prova final.
Lembro que, quando estava mexendo no tablet na sala de aula, vi uma coisa estranha. Na aba de “conexões disponíveis”, só aparecia a câmera da sala, o que era o normal. Mas, assim que Okawara apareceu com aquele relógio, a lista aumentou.
Dois dispositivos ficaram visíveis, e um deles estava exatamente no local onde eu estava. A única explicação possível era que aquele relógio tinha, de algum jeito, uma câmera embutida.
Fiquei com uma pulga atrás da orelha.
Será que eu estava imaginando coisa? E se o relógio fosse só um acessório qualquer? Talvez fosse… talvez não.
Tudo que eu sabia era que aquilo me dava uma vantagem. E por isso decidi manter o relógio comigo.
A ideia de Okawara estar me vigiando dava um certo alívio… mas também me deixava desconfiado.
Isso era só por precaução? Ou tinha algo a mais por trás?
Talvez ele não confiasse em mim. Ou alguém mandou ele ficar de olho.
De qualquer forma, eu precisava de respostas. E, de algum jeito, isso ia me levar a algo maior.
— Não posso largar esse relógio — murmurei, olhando pra ele no meu pulso.
Se ele achava que eu não sabia de nada… melhor pra mim. Assim eu tinha uma carta na manga.
Decidi seguir para o depósito… mas antes, precisava ir ao banheiro. Arushi ainda não tinha voltado, e já fazia mais de dez minutos desde que saiu. Algo não tava certo.
Foi quando cheguei ao corredor e o encontrei vindo na minha direção, com uma expressão meio cansada.
— Ah… Yuki, acabei de ver o Okawara. Ele estava vindo dessa direção. Você falou com ele? — perguntou, com um tom curioso.
— Você demorou no banheiro, hein? — brinquei, tentando aliviar a tensão. — Aconteceu tanta coisa enquanto você estava fazendo o número dois, haha. E sim, encontrei com ele. Ou melhor, ele que me encontrou. É uma longa história… te conto no caminho pro depósito. Vamos?
— Tá bom então… vamos lá — respondeu ele, meio hesitante, mas concordando.
Enquanto a gente caminhava, minha mente começou a divagar.
E se Arushi tivesse comigo naquele momento? Será que Gyutaro e Gintaro teriam me provocado do mesmo jeito? Ou teriam desistido, por ter mais alguém por perto?
A presença de outra pessoa poderia ter mudado tudo.
Mas aí outra dúvida veio.
O que ele estava fazendo tanto tempo no banheiro?
Demorou mais do que o normal. E justamente nesse tempo, os irmãos apareceram do nada.
Começava a parecer suspeito.
Pior ainda: foi ele quem me levou até ali. E até onde eu sabia… a gente não tinha feito nada de errado.
Isso me deixou inquieto.
Será que eu tava começando a duvidar do Arushi?
Será que ele tava mesmo do meu lado?
Talvez fosse só paranoia… mas minha segurança vinha em primeiro lugar agora.
E se eu precisasse investigar ele… eu faria. Sem hesitar.
Algo tava errado. E eu precisava descobrir a verdade, por mais desconfortável que fosse.
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