Cedo veio a noite para a delegacia, inundada pelo isolamento, enquanto permitia a estranheza dilapidar, de pouco a pouco, a coragem contra a escuridão. O ar se abafava num ritmo de tambores, como se estivesse mais vívido e gracioso agora, desleixado para esconder sua poeira, que flutuava pacificamente de um lado para o outro. 

    As lanternas vibravam, numa caça aos cantos do teto, como um espetáculo de luzes, e acompanhavam o ritmo, embora não quisessem, ao incessante ruído da ventilação. Havia computadores desligados e passagem para os dormitórios que ainda estava aberta. 

    Era uma ida única passando por um corredor, com a sala de armas, normalmente trancada e apenas aberta com a chave de um Inspetor Chefe, que ficou pelo outro lado. Quatro exaustivas horas ao mundo haviam passado dentro do edifício. 

    Eram quinze pessoas dentro da sala de escritório, encarceradas quase somente com suas lanternas. Eles piscavam as luzes, de hora em hora, para se protegerem da escuridão — e salvarem as próprias baterias. 

    Como a noite naquela época do ano se estendia mais, roubando a parte da tarde, não havia tanta luminosidade no céu noturno, embora fosse iluminada pelos postes da avenida principal. O Quartel Policial de Ikebukuro não ficava longe dela; é por lá que se faz a ligação da rua até o estacionamento da estação. 

    Mas os postes de iluminação logo à frente não tiveram a mesma sorte: também foram desligados pelo incidente e toda a rua foi escurecida; tudo foi bem planejado. Alguns olhavam através de cada janela, todas blindadas, sem fechadura para serem abertas — afligindo ainda mais os policiais — e viram que, sobre as duas pontas da rua, do seu início até o final dela, foi colocado cercado para nem carro, nem pedestre passar por lá. 

    Notaram, logo de imediato, que foram isolados de todo o resto do mundo, mas não sabiam eles de nada, nem o porquê, pois nenhuma notícia tinham do que acontecia no outro lado. No mais, durante esse tempo, apenas ouviram as sirenes apitar alto e as viaturas correr depressa até a estação, desesperadas quase. 

    Em apenas em torno de vinte minutos, era como se a polícia tivesse escolhido o dia para uma carreata de aniversário, estourando os ouvidos numa sequência de desespero, aos prantos de provocar a loucura em quem estava desamparado pela razão. Um policial se sobressaiu da mão de um colega inclinado, enquanto suas mãos titubeavam raivosamente.

    “Faz uma hora já que estamos presos, caralho!”, sussurrou, precedendo a rápida e desesperada aclamação ao rádio, com tapas e correções impacientes da antena, até que pudesse impeli-la a ouvir seu socorro. “Por favor, eu repito: onde estão vocês? Para onde vocês estão indo?! Por que vocês nos deixaram aqui?! Câmbio!” 

    O policial apontava a lanterna até as vidraças. Depois, virou-se para seus colegas, estressado, e espiou a janela. Suas pupilas explodiram outra vez. Pensou em jogar seu próprio rádio ao chão, mas reconsiderou, e respirou controladamente. 

    O deserto de asfalto havia crescido, e nenhum sinal de vida, nem mesmo de civis ou militares, poderia ser visto, como se nem mesmo se atrevessem, na mente daquele oficial, de enfrentar a escuridão para a qual jamais iriam. 

    “Enfiaram sentido disso na bunda, isso sim!”, desesperou-se por alguns instantes. Assim, ele pressionou incessantemente o botão de ligar a lanterna, piscando-a desesperadamente. 

    “Oficial Tanaka, controle-se. Pare de apontar isso para a janela antes que faça besteira!”, uma voz lhe ordenou com uma suavidade quase desaparecida, incisiva em seu comando.

    “Alguém precisa ver que estamos aqui, Sargento Mikami! Não me diga o que fazer agora quando tem coisa séria na nossa espreita”, berrou, quase pedindo para o outro oficial para que ele mesmo caísse fora dali. 

    No seu lado, estava um jovem, que não atingiu os vinte anos, de uniforme ainda mais bem vestido, e boas impressões dadas, a se ver pelo respeito que seus inferiores tinham. Tinha uma faixa a mais na braçadeira de sua patente, embora ela pareça nova em relação ao uniforme, que ficava amarrotado pressionado pela camisa e gravata.

    “É uma ordem!”, outra vez exclamou, e dessa vez, Tanaka teve de obedecer. Desligou a lanterna e abanou a cabeça na direção do sargento, embora se contivesse para não dizer mais. Ficou inerte, escondido debaixo da janela, sem que pudesse se levantar ou andar pela sala, senão arrastando ou agachado. “Se dependesse de mim, todo mundo teria dado o pé. Mas não tem como, caralho! Eu que não vou colocar minha cabeça lá fora. Temos que dar nosso voto de confiança antes que nós sejamos expulsos da polícia por desacato!” 

    “Eu não entendo absolutamente nada, Sargento Mikami. Que porcaria de tática é essa? Essa ventilação nem deveria estar ligada com a energia desativada”, retrucou, pondo os cotovelos sobre o chão para ver o rosto de Mikami mais de perto. 

    “Então, eu que vou perguntar agora, Sargento: contra quem estamos fazendo isso? Esse povo agora tem central de rádio para nos interceptar e comprometer a operação? E mesmo se tivesse, o que infernos poderiam fazer? Agora vão matar todos nós, que não temos nem ranque para saber do que acontece lá no topo com o alto escalão? Nem fodendo, porra! É claro que a merda do problema está lá fora, não temos nada a entregar a eles. Nem sei se nos fizeram de reféns”, Tanaka balançou os braços, indignado.

    “Não estamos aqui para sermos os vencedores desse jogo, Tanaka. Feche o bico!”, interviu o superior maior da equipe, o Inspetor Hiroshi. Seu rosto caía em exaustão, derrubado de sono por conta da tensão. “Essa luta é pela nossa vida, não pela nossa posição na polícia. Teremos que ficar aqui até receber suporte, mesmo que ele não venha a tempo!”, e subiu o rosto, para manter o comando. Outros policiais já estavam deitados para descansar sem aguentar mais esperar por ajuda. Por um lado, o inspetor tinha cabelos grisalhos e uma confiança enorme exalada dele.

    “Como assim?! Isso jamais seria o que nosso superior Manabu diria para fazer, Inspetor Hiroshi!”, Tanaka retrucou. “As baterias das lanternas vão acabar uma hora. Não tem nenhum sequestrador, e parece que estamos presos que nem animais numa gaiola. Sim, pois é, estamos parecendo lixos aqui!”

    “Não, de forma alguma. Seríamos lixo se tivéssemos nos rendido. Embora, eu tenha que dar a porra do crédito de nem os geradores de emergência estão funcionando aqui”, Mikami segurou o beiço, dobrando-o. Pôs as mãos sobre os bolsos de sua calça, e suspirou, descrédulo. Ergueu seu rosto pela janela e viu a avenida sobre a lateral da delegacia. Estava toda fechada, escura, desprovida de vida.

    “Tsc, como será que deixamos isso acontecer?! Agora danou-se.”

    “Nós genuinamente precisamos de ajuda, Sargento Mikami! Não devem saber que estamos aqui, ou alguma coisa. Por que não podemos fazer isso?”, Tanaka manteve a compostura, tossindo. Não parava de respirar pesado.

    “Quer que nós sejamos massacrados?! Não podemos fazer nada, oficial! Há cadetes entre nós que sequer pegaram na merda de uma arma na vida deles, e isso inclui você! Escuta o que eu falo! Você deve ter ouvido as viaturas que passaram lá fora. Se tivesse contado, saberia que foram umas trinta e cinco, sem parar, só indo. Mandaram todo mundo! Só ter um pouquinho de paciência para pensar, caralho!”, Tanaka permaneceu em silêncio, com os olhos fixos sobre o sargento, “no mínimo, repito, no mínimo, já deu tudo errado aqui! Já estamos sujos de bosta, e vamos piorar? Vinte caras com sangue nos olhos? Não é todo dia que se têm os culiões para isso.” 

    Tanaka acenava com a cara toda fechada e a testa caída. Faltou coragem e também firmeza, como se tivesse escapado algo de seus dedos, que não pudesse mais ser salvo. A conclusão se assemelhava à clareza de saber que um rio era de água doce, como se já esperasse ser alcançado, pronta para aliciá-los da verdade que deveria os guiar propriamente. 

    Aqueles erros os consumiram por inteiro, embora os protegessem de virarem contra si mesmos, pois todos sentiam, na mesma circunstância, que eram frutos de um mesmo erro. O jovem sargento sentiu alguma compaixão, e abriu-se diante dos demais

    “Quem que sai do turno da tarde por último?”, questionou-lhes Mikami.

    “Minha cabeça está explodindo, senhor. Só espere aí!”, disse mais outra voz. A coragem aparecia mansa a cada policial num ritmo lento, mas constante. Usava óculos, e pensava em passos medidos, sem se irritar demais; mas enrugando suas bochechas para segurar a própria preocupação.  

    O turno da senhorita Asami termina às 18:30.”

    “Certo, mas então quem estava lá? Talvez seja assim porque ela saiu e o Tanaka ficou no fone, não é?!”, perguntou Mikami. Depois, foi até a porta, quase deitado, jogando o peito sobre a fresta para ver o que havia no outro lado.

    “Nós ficamos a cargo de trabalhar à noite. Ninguém mais além de nós”, Tomohiro, amigo antigo de Iwao, lhes deu sua opinião. Enquanto pensava, virou-se sobre a estante e abrindo-a para ver se podia achar qualquer coisa. “Transferir todos nós para esse horário não foi por acaso. Comentei com o Iwao sobre isso, do quão repentino isso foi.”

    “Aonde pensa que quer se meter, sargento?! Quer dizer que alguém armou isso debaixo do tapete, sem provas?!”, apesar do tom, havia educação na forma em que se explicou. Também estava cansado. Era o mais velho dentre os oficiais ali, e de um semblante fechado e escurecido.

    “Não o culpo, Senhor. Ninguém aqui quer apontar entre nós um responsável ou desrespeitar o senhor. Mas não tem muito tempo que começamos a trabalhar pela primeira vez à noite. Estava bom demais para ser verdade.”, respondeu e segurou-se para não se revoltar. No mais, entristeceu-se por uma chance de vida, tão rara, ter sido não mais que uma transferência corrupta da administração, e pelas palavras de consideração serem presságio para aquele desastre. 


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