“Dane-se tudo então, não é? Vocês nem se deram o trabalho de olhar quem fica aqui! Agora ficaremos aqui remoendo como ratos? De forma alguma. Eu não vou aceitar ficar aqui para sermos punidos por omissão depois!”, Mikami se lamuriou, cerrando os dentes em descontentamento. 

    “Olha, garoto, eu respeito de verdade todo o seu esforço para estar aqui. Preciso ser honesto, não fique bravo comigo: mas seria muita ganância nossa apenas querer sair e comprometer as pessoas de fora”, aconselhou Hiroshi. “Eu tenho medo de que estejamos sequestrados no silêncio para que façamos algo de ruim e provoque a morte das pessoas de lá. Como se fôssemos fazer algo sem saber, e assim mais fácil de pressionar quem é que esteja lá. Coloco-me na crença de que não seja.”

    “Um sequestro? E onde estariam os sequestradores para ter certeza de que não sairíamos? Não há câmeras, está tudo desligado!”, retrucou Mikami. Imediatamente, Iwao olhou para o teto e para as janelas. 

    Foi então que o Oficial Tanaka coçou a cabeça, arrependido. Pareceu-lhe mais óbvio naquele instante que antes havia descido a insanidade e a irracionalidade, ao contrário da sabedoria, pois a ignorância tinha, através de sua crueldade, servir de lembrança: não havia como escapar da invisibilidade sem ao menos fazer barulho. Porém, tamanha era a desonra em escolher fazê-lo.

    “O que eu fiz?!”, Tanaka abaixou-se, fechando os olhos. Sua própria esperança foi abanada em tragédia. Sua culpa o arrasou. “Por favor, me perdoem! Ver todos lá fora assim me dá nojo! Parece que fomos escolhidos para sermos mortos. Sair daqui terminaria na nossa morte, mas ficar aqui vai nos tirar o réu primário pelo resto de nossas vidas.”

    “Vamos precisar de você independente do que tiver aprontado, oficial”, retrucou Mikami, que se arrastou até a porta apressadamente, para ouvir o que se passava no outro lado.

    A surdez permaneceu. Não havia barulho algum, como se a terra tivesse parado, e esquecido de quem ousasse pisar na delegacia naquele mais singelo momento. As suspeitas se amontoavam por cima da rocha da incompetência, à espera de um único deslize.

    “Quando tudo joga contra nós, o melhor a se fazer é jogar o jogo com as regras deles. Se for para nos sujarmos de lama, então que seja!”, disse-lhes, confiante.

    “Está dizendo que vamos sair seco assim? Destrancar e quebrar essa porta do jeito que der? Aquela porta não abre de jeito nenhum! Vão nos matar aqui!”, Iwao negou, cerrando os punhos em dúvida e rejeição. 

    Hiroshi balançou a cabeça, seguindo sua pergunta bem encaixada. Porém, contorceu-se ao ver Mikami ser tão ousado naquela hora, não parecia certo. Depois, foi atrás dele para ajudá-lo, e insistir, mas não era o que seu peito dizia. 

    “Então, aí eu pergunto: nós vamos apenas aceitar as ordens de nossos superiores ou esperar por eles? Se ninguém quis dar sinal ou se preocupou, não vou deixá-los cuidar de nossas vidas. Essa burrice eu não tolero.”, respondeu Mikami. Seu tom de voz ficou mais claro, e incisivo, usando palavras bem medidas.

    “Oficial Mikami, por favor, tenha muito cuidado com o que for fazer! Abrir uma porta dessas é uma questão de tempo. Você vai fazer muito barulho!”, retrucou Hiroshi. 

    “Não quero perder ninguém aqui. Menos ser o culpado pela morte de cada um de nosso esquadrão, ou de fora dele”, o medo da liberdade lhes pesou, como se nunca a tivessem em todas as suas vidas. Concordaram desde o princípio e juraram servir como policiais, mas para essa escolha, muitos outros direitos foram limitados pela conveniência. 

    “Não, Inspetor. É pior ainda.” 

    Ao abanar a cabeça, Mikami se segurou para que sua reação não excedesse a própria normalidade à qual confinou-se. O inspetor olhava para os lados, para não se fazer menos certo de que as luzes da cidade não lhe faziam vistoria. 

    “Se você se lembra, quando o pessoal da administração me recomendou que eu fosse transferido para passar um ano de técnico, o Senhor cedeu parte de sua autoridade e lutou para deixar essa equipe unida. Quando o Senhor se preocupava conosco e nos treinava dia e noite e ainda dava de beber e comer sabendo o sofrimento, você não só fazia isso uma vez, mas duas; você não descumpria promessa ou mentia para nós. Como nós não seríamos lembrados?!”, exclamou.

    “Silêncio de rádio? É uma ova! A polícia tem recursos para se comunicar do jeito que der sem que os outros percebam. Mesmo assim, não aconteceu nada.”, disse, até dar a palavra a Tanaka, que se prostrou mal.

    “Eles nos odeiam! É por causa deles! Todos eles! Não pode ser que estejamos aqui como carniça. Aquela desgraça de tarja, aquela porra!”

    O Inspetor ouviu Tanaka com atenção e imediatamente se virou por conta de seu relato, e suspeitou de cada parte dele. Não acreditava que era apenas ele que sabia disso, e parte de sua memória ressoava com a história. Era como se um balão tivesse estourado sobre sua cara e revelasse que ele havia perdido um detalhe.


    “Isso nunca sairia de uma boca à luz do dia.”

    Balançou um sinal de dor, tão grande para aqueles que o presenciaram. Ele ficou em silêncio, segurando a si enquanto tapava a boca de misericórdia.

    “Eles teriam me demitido por causa disso! Essas tarjas imundas!”, tremulou, observando-se incapaz de impedir seus músculos de balançarem como uma bandeira a flamular.

    “Não, de forma alguma! Essa história é familiar, me deixa falar!”, o Inspetor atingiu a atenção de todos os presentes, embora respondesse com os ânimos acalmados. Não se admitia tanta sinceridade aos superiores, os controladores do que vem e passa pelos ouvidos dos subordinados. “O que fica num setor, só sai de lá pela boca de um superior. Mas, ponham fé no que lhes digo: eu detesto falar das pessoas pelas costas! O que me impediria de soltar uma merda da minha boca sem mesmo saber? A boca mata. Se um dia eu o julgar por isso, me demita: pois fiquei louco.”  

    Todos olharam entre si, paralisados. Ninguém se dava ao trabalho de perguntar, era como se tivessem ouvido com uma clareza trespassada aos ouvidos como a luz sobre o vidro. Ao mesmo tempo, as ambulâncias corriam com mais força, e ensurdeciam com suas sirenes toda a sala, e partiam até a Estação de Ikebukuro. Quanto mais veículos passavam por perto do prédio, mais eles entendiam que ninguém daria aviso ou súplica para notarem a presença deles; a danação da memória veio cedo, como se fosse uma condenação para a morte. Se a polícia era tão incompetente para deixar um erro catastrófico sobre sua hierarquia passar assim, ou se ela era controladora de seus objetivos, sabendo bem cada passo que tomaria, as opiniões se divergiam.

    “Ficam tapando o sol com a peneira, mas essas tarjas estavam dando problema, isso sim. Meu ceticismo foi incapaz de perceber essa situação…”, o Inspetor abaixou a própria cabeça, não crendo que nada pudesse fazer para impedir. “Além de minha ingenuidade de crer que o Senhor Manabu me garantiu com a vida dele que esse sistema era justo. Queria apenas que eu estivesse errado de crer. Mas há coisas que não fogem da memória.” 

    Então, preparou-se para lhes contar uma história que segurou por um longo tempo, embora hesitasse, temendo falar o que não era verdade. Sua decepção era vívida em seu tom de voz, e no ritmo de sua fala, que se arrastava até a plena lentidão.

    Alguma coisa estava fora do lugar. Era como se uma batata quente e sensível caísse quente nas mãos dos policiais. Cada um mais amedrontado que o outro para dizer o quê e o quanto sabia, seja mais ou menos. Assim, os silenciosos acenaram a cabeça em concordância, numa postura mais assertiva. Haviam tentado de tudo para abrir a porta, com o cansaço estreitando uma ponte ao sono, para o silêncio valer sua sobrevivência. Havia tantas poucas pessoas naquela hora, e ninguém mais para acusar, ninguém mais para assistir. Mesmo assim mantiveram a disciplina, sem saber para quem, aquele mesmo silêncio que faziam para o Comissário.

    “Há muito tempo, aconteceu uma coisa que me deixou profundamente assustado – mas nunca disse, ainda bem: a polícia tem corta-línguas bem sérios – que uma jovem de 16 anos sem ficha criminal tinha a cor preta na chamada dela quando o sistema foi implementado.”

    O Inspetor ouvia muitas histórias passarem pelo ouvido dele, algumas duvidosas por conta de sua volatilidade e irracionalidade. Depois de um silêncio constrangedor, Tanaka pensou e caminhou com os olhos lentamente, balançando-os de um lado para o outro até sintonizar sua própria lembrança.

    Logo em seguida, uma voz ardente desceu como uma ventania gelada e desconfortável sobre todos. Não veio cedo, muito menos tarde, a tempo de provar-se como uma verdade nada querida pelos que viviam absolutamente desamparados.

    “Você não foi o único que ouviu isso, senhor. Eu o conheci de perto.”


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