Nós passamos um tempo conversando enquanto tomávamos um delicioso sorvete.

    Arushi estava um pouco irritado por conta da situação. Não o culpo — acabei dando mais atenção à Itsuki do que a ele.

    Mas não estou errado: ela precisa de apoio agora. Ele, não.

    — Você quer mais sorvete, Itsuki? — perguntei.

    Ela estava ao meu lado desde o momento em que sentamos na mesa, sem se afastar de mim. Pelo menos não precisei segurar sua mão para comer sorvete.

    — Não precisa… obrigada. Não precisa ficar gastando pontos comigo, Yuki. — disse ela, ainda com uma expressão assustada pelo que tinha acontecido.

    Mas, diferente de antes, agora estava relaxada.

    — Tudo bem, Itsuki. Estou usando os pontos do professor Okawara, hehe. Não se preocupe com isso.

    Ela levantou a cabeça ligeiramente, mas seu olhar se mostrou tenso.

    — Eu conheço o Okawara… Ele é assustador. Acho melhor você não fazer isso! — disse, preocupada.

    — Não tem problema, Itsuki. Okawara e eu somos amigos. Eu até gosto dele. — respondi, tentando aliviar suas preocupações.

    Arushi, que observava a conversa com um olhar curioso, riu de forma sarcástica, com uma expressão de desdém e um leve tom de tristeza na voz:

    — Até o Okawara é seu amigo??? Inacreditável…

    Virei-me para Arushi, sorrindo de forma despreocupada.

    — Relaxa, Arushi. Você também é meu amigo! Eu só disse “colega” porque foi a primeira coisa que me veio à mente. — tentei tranquilizá-lo.

    Arushi deu de ombros, ainda com um sorriso forçado.

    — Tá bom, tá bom… Mas podem tomar seus sorvetes aí. Eu preciso resolver umas coisas. Até amanhã, Yuki. Tchau, Itsuki. — disse, levantando-se.

    — Certo! Até amanhã, Arushi. Tchau!

    Trocamos acenos e, logo em seguida, ele partiu.

    Agora, finalmente, só estávamos nós dois. Observei Itsuki de canto de olho, notando que ela parecia mais tranquila sem Arushi por perto.

    — Bom, agora é só a gente. Você estava incomodada com o Arushi junto, né? — perguntei, percebendo como ela havia mudado.

    Itsuki corou imediatamente, a vergonha tomando conta dela mais uma vez.

    — Por que você tá se importando tanto comigo? — indagou, com a cabeça ainda abaixada.

    Não consegui segurar e acabei dando um sorriso de canto, tentando deixá-la mais confortável.

    — Ei, não precisa ficar com a cabeça abaixada o tempo todo. Pode conversar comigo olhando para mim… seus olhos azuis são lindos. — disse suavemente, tentando quebrar a barreira de timidez que ela estava construindo.

    Ela parecia surpresa, levantando o rosto ligeiramente, ainda com as bochechas coradas. Suponho que tivesse algum receio de seus olhos, por serem diferentes. Mas isso não importava para mim.

    — Não… não é isso… Eu só fico com vergonha mesmo… — respondeu, quase como se estivesse se desculpando pela própria timidez.

    Ri um pouco, tentando fazê-la se sentir à vontade.

    — Ah, sim, você é tímida então. Bom, não se preocupe! Eu vou te ajudar a ficar mais confortável aqui, eu prometo!

    Fechei os olhos e dei um joinha, como se estivesse fazendo uma promessa séria.

    Ela me olhou com um pequeno sorriso tímido e, finalmente, pude ver um lado mais doce e gentil dela.

    — Tá bom… hihi. — respondeu, sua voz suave, mas carregada de uma felicidade tímida.

    O clima estava bom. Comprei mais sorvete e passamos mais tempo conversando, entendendo melhor como ela era.

    — Yuki… esse anel no seu dedo… quem te deu? — perguntou, apontando para minha mão.

    Como eu havia recuperado minhas coisas no depósito, estava de volta com o anel que minha mãe me dera.

    A única lembrança que tenho dela em forma de objeto. Algo muito importante para mim.

    — Esse anel aqui é a coisa mais importante para mim. Quem me deu também é a pessoa mais importante que já tive neste mundo. — respondi, apertando o anel em meu dedo.

    — Você conheceu seus pais? — perguntou, olhando firme para mim.

    Olhei de volta para o anel e respondi com cautela:

    — Sim… Eu conheci eles sim. Não faz nem dois meses que estava com eles em casa… até acontecer algo…

    Será que foi uma boa ideia ter dito isso? Agora ela pode agir diferente comigo por saber que sou o tal renegado.

    — O que aconteceu? Ah… desculpa, desculpa! Não queria ser intrometida. Se não quiser contar, tudo bem… — disse, envergonhada.

    — Tudo bem, não tem problema eu contar. Só pensei que você ficaria… com medo de mim, talvez.

    Ela me olhou confusa.

    — Como assim, com medo? Por que eu teria medo de você?

    — Porque eu sou um…

    Antes que eu pudesse terminar, uma mulher apareceu de repente, interrompendo nossa conversa.

    — Aí está você, pirralha!! O que aconteceu para sair correndo sem falar nada? Eu procurei você que nem doida, tive que andar até na mata, e eu odeio mato!!

    Essa mulher que surgiu do nada, sua aparência e voz, reconheço bem.

    É a mesma que encontrei no dormitório à noite. Lembro até hoje do susto que levei quando saí do quarto do Fuutaro e lá estava ela, me dando bronca.

    — Ah… desculpa! Eu tive que… — murmurou Itsuki, sua voz carregada de tensão e medo.

    Sua expressão corporal mostrava o desconforto que sentia.

    E realmente o clima alegre e tranquila ficou pesado. A atmosfera parece pesar o dobro agora com essa mulher.

    O mais estranho é ela ter surgido do nada, mas não é algo fora do comum, já que essa sorveteria fica no primeiro andar do shopping

    Mas dado a situação, eu tive que intervir, para dar uma desculpa pela Itsuki. Sua expressão corporal deixa estancado que não irá ter palavras para explicar.

    — Olá, moça. Lembra de mim? Hehe… eu estava com um problema e acabei me perdendo, sabe? Aí ela me ajudou, e como gratidão eu comprei esse sorvete para ela.

    A moça me lançou um olhar frio e assustador, e senti um enorme calafrio percorrer meu corpo.

    — Sim, impossível esquecer o rosto do menino que não respeita as leis da escola. Mas enfim, eu perguntei à Itsuki e não a você, certo?

    Seu tom deixava claro que não queria minha presença ali.

    — Anda, Itsuki! Fala, por que você fez isso? — insistiu a mulher, impaciente.

    — Desculpe, senhorita Ayumi, eu saí correndo porque…

    Itsuki desviou o olhar para mim, com expressão de dúvida e medo. Ela não parecia capaz de mentir para aquela mulher.

    Por um lado, achei melhor que contasse a verdade sobre o bullying, mas duvidava que isso fosse resolver.

    O jeito que Itsuki estava mostrava há quanto tempo sofria com aquelas três. Ficava óbvio que essa mulher não fazia nada a respeito.

    Acenei com a cabeça para Itsuki e dei uma risada calma, tentando passar tranquilidade.

    Aproveitei e observei a expressão corporal e a maneira como essa mulher fala e olha para Itsuki.

    — O que foi, pirralha? Por que não fala? — insistiu a mulher.

    Itsuki levantou os olhos para ela e, finalmente, respondeu:

    — Eu corri, senhorita Ayumi, porque esse menino parecia perdido e seguia por um caminho diferente. Não consegui me segurar e corri para ajudá-lo.

    Não era a resposta que eu esperava. Achei que ela contaria a verdade. Mas dessa forma também não foi ruim. Ela deve ter seus motivos para não contar a verdade.

    A moça pareceu entender. Sua expressão se suavizou, e seu corpo antes tenso relaxou.

    — Entendi. Mas você sabe que não era necessário fazer isso, né? E se tivesse se perdido? Mesmo com a mentalidade avançada e corpo de adolescente, você ainda é uma criança. — disse, cruzando os braços.

    — Eu sei… — murmurou Itsuki.

    A mulher continuava firme em pé, sem se sentar nem sair do lugar. Apenas falava, imponente.

    — Que bom que sabe. E outra coisa: se você foi ajudá-lo, por que não voltou de imediato? Ficou esse tempo todo com um desconhecido?

    — Eu que chamei ela para tomar um sorvete, moça! — disse, levantando a mão.

    Ela me lançou novamente um olhar hostil, como se quisesse me expulsar dali.

    — Como ele falou, senhorita Ayumi. Ele me ofereceu sorvete e eu aceitei. Eu gosto, sabe?

    A moça deu um sorriso falso e irônico.

    — E aceitou algo de um desconhecido? Você está muito errada, Itsuki! Me decepcionou por completo. — disse, abaixando a cabeça enquanto cruzava os braços.

    A expressão em seu rosto deixava claro o desapontamento.

    — Desculpa… — murmurou Itsuki, cabisbaixa.

    — Enfim, já você, garoto, estou de olho em tudo que faz. Desde aquele dia, eu suspeito de você e não me agrado nem um pouco. — disse, com frieza.

    A mulher pegou a mão de Itsuki e a puxou da cadeira.

    — Vamos, Itsuki. Vou te colocar para fazer cinquenta exercícios de psicologia, para entender o que fez de errado.

    Itsuki acenou para mim enquanto se afastava, e eu retribui o gesto.

    Entendo o motivo de essa mulher me tratar assim, mas não compreendo por que age desse jeito com a Itsuki.

    Ela provavelmente sabe o quanto a menina sofre com aquelas três, mas, mesmo assim, a trata dessa forma.

    Tadinha da Itsuki.

    Mas, pelo que observei, essa mulher estava usando uma bota branca bem chamativa e, pelo que disse, procurou pela Itsuki na mata.

    Porém, se ela realmente tivesse ido até lá, sua bota deveria estar suja — tanto por cima quanto pelas pegadas que, no mínimo, deixariam vestígios de barro. Mas não havia nada disso.

    Ainda assim, não posso tirar conclusões precipitadas. Nem toda bota deixa marcas tão visíveis de terra.

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