Índice de Capítulo

    Como um contrafluxo, o tempo era um fator determinante para o time de Lilac.

    Mas, para Viktor, os minutos passados desde que os outros foram à procura de Santino Rock pareciam estender sua espera além do que era.

    Todavia, eventos durante o período fizeram com que até se esquecesse do seu fluxo, delimitando linhas de interação social com os avaliceanos.

    A hora: 09:25 PM.

    Sem maiores problemas, tudo seguiu conforme o tic tac.

    Os ponteiros do relógio da imensa área externa da Arena Shang Mu pareciam parados.

    Como um totem, ele marcava o ritmo dos eventos sem que Viktor tivesse noção de sua passagem.

    Sua vida continuava, desta vez descobrindo as verdadeiras facetas de Avalice.

    Desta vez, logo após a entrada radiante da mulher, o vemos conversando com ela; gata carismática que intercedeu entre ele e arruaceiros.

    — Meu nome é Tats Aoi Omna. Muito prazer! — ela manteve o sorriso, ajeitando seus óculos com um dos dedos.

    O gesto tinha um efeito apaziguador absurdo: Viktor relaxou seu ombro, soltou seu ar e abriu também um sorriso.

    — Prazer, senhorita Tats. Sou… — ele foi interrompido.

    — Viktorius Ashem, não é? — apontou com o indicador.

    — Nossa, isso mesmo! Mas como você sabia meu nome?

    — O bonitão que entrou na arena falou seu nome porque você se apresentou. Eu ouvi… e por isso tomei vontade e vim até você.

    — Mas… o que você quer comigo?

    — Ora, seu bobo… — ela aumentou o sorriso, com seus dentes caninos mais visíveis. — Te conhecer melhor. Ou você acha que estrangeiros como você são frequentemente vistos por Avalice? Não mesmo!

    O piscar de olhos de Viktor, além de ser um comportamento cômico, deixou claro sua surpresa.

    Ela, olhando de cima para baixo, não se satisfez só em leitura corporal: tocou nele, como se estivesse medindo e examinando, em moldes clínicos.

    — Olha, senhorita… — ele franziu sua testa, acuado. — O que pensa que está fazendo?

    — Te examinando! — ela encontrou seu nariz ao dele, sorrindo ainda mais. — Eu posso?

    Ela deslizou sua mão pelo ombro do rapaz, inclinou-se para ver seu dorso, apalpou seus braços…

    Corado além das estrelas, o jovem afastou seu rosto e deu dois passos para trás, assustado com a atitude travessa da mulher.

    — Você tá maluca?! — sua voz aguda derrubou evidente sua timidez. — Porque isso tudo?!

    Tats caiu na gargalhada, pondo até mesmo suas mãos sobre a barriga.

    Todos em volta olharam, ficando impressionados com o que estavam vendo.

    Os burburinhos foram muitos.

    “O que?! Ela está rindo?!”

    “Alguém do Monastério Omna está com um estrangeiro?!”

    “O que está acontecendo?! Porque ela está tão à vontade com aquele Sem Valor?”

    Enfim, a constatação.

    — Haha! Calma, calma! — ela voltou a ajeitar o óculos, o olhando em seguida. — Eu sou médica! Hehe, você é um garoto divertido.

    — Me-médica?! — ele gaguejou, puxando ar.

    — Sim, Viktorius. Relaxa, não vou te fazer mal. E desculpa se fui atrevida demais. Eu deveria ter avisado antes, tudo bem? Mil perdões!

    Ela o reverenciou, abaixando sua cabeça em sinal de respeito.

    — Ahn?! Se-senhorita… — ele olhou para os lados, um pouco desconfortável. — Olha, está tudo bem. Você só estava sendo você mesma.

    Isso se soma às impressões do povo disperso pela zona.

    “O que?! Ela tá marcando referência àquele estrangeiro?! Isso só pode ser brincadeira!”

    “O que alguém do Monastério Omna está na cabeça em fazer isso pra um Sem Valor?!”

    “Isso é uma afronta! Um Sem Valor não tem essa capacidade!”

    “Não tô entendendo nada! Por que eles fizeram isso?! Grr… Isso é impossível!”

    A reação dos demais atrapalhava mais o jovem que o ajudava.

    Entretanto, sua relação com Tats ganhava muito mais contornos.

    — Você é bem jovem pra ser uma médica. Gostei muito disso!

    — Ah… Sou?! — o franzir da testa da gata e o ajuste de seus óculos ocorreu. — De-devo te agradecer pelo elogio?

    — Não precisa! Mas, o que uma médica como você quer em me examinar?

    — Você é um espécime único! Sem pelos no corpo, sem cauda, sem garras… mas com um físico inegavelmente desenvolvido!

    — Ah, você está falando do meu porte físico? — disse, levantando parte da camisa. — Aqui, pode tocar. Faço pelo menos cem abdominais todo dia.

    Seu abdômen definido à exaustão fez com que Tats não perdesse a oportunidade: ela o tocou, a fazendo corar ao mesmo tempo.

    — Tá com tudo em cima, hein! Garoto, isso é impressionante! — sua boca tremia no canto, no mesmo ritmo que seu olho esquerdo.

    — Sou um carateca. A mente é importante, mas o corpo é a base de tudo.

    — Pode crer que é, hehe — o rubor continuou, com ela a pensar. — “Por que ele tem que ser tão fofo?!”

    — Você quer ver minhas costas também? — ele ficou de costas, quase tirando toda a camisa.

    Esse gesto inocente por parte do rapaz, não só deixou Tats mais desconfortável como os que estavam ao redor deles, principalmente às outras mulheres, também lutadoras.

    Algumas cruzaram os braços, outras com burburinhos ácidos.

    “Ele vai tirar mesmo?! Não! Não acredito!”

    “Esse Sem Valor… ele tem mesmo que ser tão… tão… TÃO…”

    “Isso é uma depravação! Se ele tirar a camisa…”

    Bem, a felina teve suas reações.

    — Não! — Tats estava tão envergonhada que até o calor do seu corpo esvoaçava por suas roupas. — Não precisa, não precisa! “Para de ser fofo!”

    — Sério? Hm… tudo bem, então.

    Já devidamente trajado, Tats se recompôs, pondo seus óculos no lugar, assim como a razão.

    A conversa tomou uma nova direção.

    Viktor fitou rápido para o relógio do local: 09:30 PM.

    Mas foi fácil se perder na conversa.

    Com os dois sentados ombro a ombro nas escadarias, Viktor ainda estava um pouco confuso, mas voltando a normalidade.

    Claro, era esperado algumas perguntas:

    — O que você está fazendo em Avalice?

    — Não sei, senhorita Tats. Eu mesmo não tenho ideia de como vim parar nesse planeta.

    — Você está sozinho aqui por que? Eu te vi chegar na arena junto com um grupo. Cadê eles?

    — Eles foram atrás do quinto membro do time. Sabe, esse torneio é muito importante para minha líder.

    — Sua líder? — ela o olhou nos olhos.

    — Sim. O nome dela é Lilac.

    Ao ouvir o nome, Tats tomou uma postura mais ereta, como se despertasse.

    — Hm… acho que conheço ela.

    — Co-conhece?!

    — Sim. A dragão púrpura Lilac… é conhecida no mundo da luta.

    — A Lilac é uma lutadora conhecida?! — sua surpresa foi alta. — Isso eu não sabia!

    Ela se levantou, puxada por um senso de responsabilidade. Tats aguçou um lado de Viktor, ela percebeu isso.

    A responsabilidade não era de proteção, longe disso.

    Era de situá-lo.

    — Certas coisas precisam ser explicadas, Viktorius…

    — Hã? O que foi?

    — Lilac é uma anônima. Não posso falar muito de sua líder como pessoa, mas ela nunca buscou ser famosa. Ser conhecido no mundo das lutas é ser respeitado… ou até temido.

    O olhar de Viktor pareceu incrédulo, de alguém que acabara de obter uma notícia bombástica.

    Porém, se conteve, puxando ar, relaxando.

    — Parece comigo.

    — Hm? — virou o rosto, buscando o de Viktor. — O que quer dizer?

    — A senhorita Lilac… Ela tem o mesmo entendimento de lutador que o meu.

    — Se identifica com ela, é isso?

    — Sim, totalmente. Ainda mais agora que a senhorita me passou essas informações sobre ela. Sabe, no meu mundo, lutadores são exatamente assim: maioria são anônimos.

    Ele se levantou, olhando ao redor. Contemplando a Arena Shang Mu, argumentou.

    — Esse lugar transpira luta. Conversar com o senhor Huli me fez valorizar ainda mais esse fato. Ele definitivamente é alguém especial… e não só por ser um guardião.

    Isso chamou a atenção de Tats.

    — Huli, o raposo que domina as passagens da Arena… ele te passou a informação de ser o guardião?

    — Sim. Por que?

    A felina se aproximou de Viktor, mas não como antes, de forma atrevida: seu olhar mostrava maturidade e excelência, diferente do que foi visto antes.

    — Guarde isso com você. Não distribua tamanha informação com mais ninguém.

    — Por que? Foi ele quem me disse.

    — Se ele te disse isso, é porque confia em você.

    Isso elucidou Viktor. Sua mente recebeu o fato, abrindo um emaranhado de pensamentos de sua vivência como artista marcial.

    — “Honra, palavra, moral, ética… reconhecimento e confiança. Tudo isso, somados, formam um lutador. Não importa o caminho, esse é o destino que todos alcançam.”

    Tats completou:

    — Huli provavelmente percebeu em você algo que fincou essa confiança, Viktorius — ela buscou mais proximidade a seguir. — E devo reconhecer que existe um brilho nos seus olhos diferente dos demais lutadores.

    — Hã? Um brilho diferente?!

    — Alguma coisa em você me faz ter essa certeza e… — sua pausa veio com um suspiro. — Te conheci faz pouco tempo e já me sinto totalmente à vontade. Você sabe agradar mulheres, sabia?

    Ele coçou o queixo, desviando o olhar. Evidente que receber elogios de mulheres mais velhas o deixava vulnerável.

    Contudo, ele retribuiu. Isso Viktor sabia fazer muito bem.

    — Bem… Eh.. Agradeço suas palavras, senhorita Tats. A senhorita também é muito agradável. Adoro ver você sorrindo e seu visual é muito elegante.

    — Hã?! O que… o que você disse?! — Tats não parou de balançar sua cabeça, tentando evitar contato visual, muito corada.

    — Ei, o que aconteceu?

    — Ah, nada! Está tudo bem… — ajustando o óculos, restabeleceu a razão, mas se colocou em pensamentos. — “Ele é tão fofo, tão fofo que nem ele percebe que é tão fofo!”

    Ela, pigarreando, se postou com mais confiança, deixando de lado seu lado vulnerável.

    Uma nova conversa se iniciou.

    — A propósito, o que você faz na vida?

    — Ah, bem… eu sou um cozinheiro.

    Um silêncio ensurdecedor cercou os dois naquele momento, cortando para uma explosão de gargalhadas de Tats.

    Até a forma que fazia isso tinha uma desenvoltura diferenciada: seu riso tinha gosto, empolgava, não era ofensivo.

    — Haha! Não é possível! Não. É. Possível! — ela estava chorando por causa do riso. — Você com esse corpão todo sarado encarando um fogão e avental de cozinha não fecha, não combina! Haha!

    — Mas o que isso tem a ver?! — ele gritou, contrariado. — É minha profissão, o que você quer que eu faça?

    — Haha… pelos deuses… — Tats puxou ar, se levantando. — Desculpe, de verdade. Mas há de concordar que um lutador ser cozinheiro é algo diferenciado demais, hehe.

    — E ver uma médica examinando um “estrangeiro barulhento” em praça pública também, não é?

    Ele sabia jogar, pondo ela contra a parede.

    — Hm, você foi preciso nessa — ela sorriu, levando na esportiva.

    — Hehe, que bom que reconhece!

    Após a brincadeira amistosa, ambos trocaram olhares, prolongando por mais dez segundos.

    Não era um ritual de flerte, embora tenha ficado um pouco implícito, mas sim empatia genuína — gentileza clara e honesta, que foi nutrida entre dois completos desconhecidos.

    Mas:

    — Você vai lutar no Tormenta?

    — Não… — disse Viktor, com peso nas palavras. — Minha líder tem outros planos.

    — Qual? Olho pra você e vejo um lutador.

    — A senhorita Lilac escolheu um outro chamado Santino Rock. Ele é alguém bem forte, já o vi.

    — Hm… — Tats insistiu nesse ponto. — Ela deveria ter escolhido você.

    — Porque diz isso? Eu já falei que o Santino é um lutador forte.

    — Viktorius, você é forte.

    Direta, Tats cravou tal rótulo sem temor algum. Viktor recebeu a definição como um elogio, mas que não era o sentido que a felina queria dizer.

    — Senhorita, eu agradeço imensamente por isso, mas… — ele foi interrompido outra vez.

    — Você é um lutador! — ela segurou em uma de suas mãos, a direita.

    — Se-senhorita… — ele relutava, gaguejando.

    — Não seja inocente o tempo todo. Olhe em sua volta!

    Ele assim o fez: todos estavam olhando.

    Todos os lutadores de várias localidades de Avalice avaliavam Viktor de cabo a rabo.

    Os semblantes, inquisitivos e claramente preconceituosos, fizeram com que o jovem sentisse o peso de estar ali. O que Huli lhe disse mais cedo não foi uma mera observação.

    — Seu grito mais cedo foi para eles porque estava farto de tanta pressão. Só alguém forte de corpo e alma, e mente, teria coragem de fazer isso…

    Ela mesmo se corrigiu, sem perder tempo:

    — Não! Aquilo foi atitude de alguém que teve vontade! Lutadores como você não conseguem esconder isso de mim… — ela levantou o punho de Viktor, o cobrindo com a outra mão. — Você quer lutar no Tormenta!

    O olhar distante de Viktor veio, onde tinha ciência que aquilo que ouviu da mulher era um fato.

    Desde que esteve na prefeitura de Shang Mu, esse seu desejo já tinha aflorado.

    — Eu tive essa vontade desde o início, mas…

    — O que foi?

    — Nunca poderia contrariar as ordens da minha líder. A senhorita Lilac escolheu outro para entrar para o time e eu respeito sua vontade.

    Tats entendeu o que ele quis dizer.

    Aliás, mais do que ficou exposto.

    Ela internou esse entendimento, para preservar a moral de Viktor.

    — “Ele tem um respeito imenso pela dragão púrpura. Ele deseja lutar, fazer valer seu caminho de lutador, mas sua admiração por ela o limita a seguir em frente… Devo respeitar. Só devo respeitar isso.”

    Tinha coisas além, Tats pressentiu.

    — “Pela lealdade que ele demonstra a Sash Lilac, é admiração, companheirismo rico… Posso até dizer que ele nutre profundamente algum sentimento maior que isso. Nenhum lutador negaria sua essência por pouco…”

    A felina acinzentada tinha o tato para com lutadores.

    Viktor entendeu isso, mantendo seu semblante tranquilo, mesmo mantendo sua sina.

    Contrariar Lilac era a última coisa que faria.

    Entretanto, havia algo que delimita a lealdade de passividade: o dever. A razão. Algo ainda mais importante.

    Viktor olhou para os ponteiros do relógio da área externa da Arena Shang Mu.

    E isso foi crucial.

    Seus olhos, arregalados, criaram um visual inesperado, de quem tinha perdido algo precioso.

    Ou prestes a perder.

    A hora: 09:55 PM.

    — MEU DEUS! — ele gritou alto, chamando a atenção de todos. — Droga! Cadê eles?! O tempo… Droga! O tempo!

    Sua respiração se tornou profunda, quase sufocante. O suor escorreu pelo rosto, assim como uma tremedeira no punho segurado por Tats, que também sentiu seu desespero.

    Cinco minutos para o fim das inscrições.

    O tempo passou e Viktor o perdeu de vista todo esse tempo.

    E ele sabia o que isso significava em seus pensamentos:

    — “Se o tempo acabar… a missão da senhorita Lilac irá fracassar!”

    A missão.

    Esse era o cerne maior, o que moveu Viktor a seguir com sua lealdade.

    Tic tac.

    O Colapso estava de volta.

    Uma ruína temporal estava prestes a ocorrer.

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