Muitas vezes os filhos não ficavam menos perdidos que o próprio pai naquelas descrições. No entanto, essa situação deixou seu pai confuso, que puxou as mãos de Itsuki e se preocupou com quaisquer machucados que ele tenha tido, mesmo que não soubesse tratá-los por causa de se diferenciarem até demais de um ferimento comum: não sangram, e danificam o tecido humano como se fosse uma esponja cortante jogada em altíssima velocidade sobre a pele. Isso, Takumi puxou de sua esposa, que sempre a olhava com as sobrancelhas erguidas até o alto; e elas chegariam até as nuvens se pudessem.

    Todo o crédito desse cuidado da casa era dado a Haruka, mas muitas doações feitas pelos monges, e até trabalho conjunto fizeram desta casa um santuário alternativo, apalpada por um sentimento positivo, vitorioso, mesmo diante das grandes tragédias que se sucederam. Havia uma pequena trilha que levava a uma colina, com pelo menos mais de meia hora de caminhada até a ponta final do trajeto.

    Estava selado, trancado por um portão, e cuidadosamente iluminado, sem que a luz de uma tocha sobreponha a outra, para que houvesse a moderação, a modéstia para a presença de luz, que muitas vezes é sinônimo aos excessos da vida. Indo até o final, era possível apreciar o túmulo de Mihoshi e seus vários seguidores. Por isso que a casa se tornou um marco, como um primeiro sinal sacro para os monges que desembarcaram pela primeira vez no Japão, e dali, fizeram uma trilha para a única direção que faltava, o sul.

    Imediatamente atrás da mesa de jantar, estava um grande panorama protagonizado por uma árvore, inscrita com vários nomes de cima para baixo, enquanto descansava sentada sobre o leito de um pasto que de súbito vinha de encontro com uma grande falésia anteposta ao grande Oceano. Em todos os nomes se repetia o nome Oyakawa, e cada um tinha uma forma única de escrita que se misturava com a idade da tinta.

    Todas as gerações desciam até se aproximar do imensurável registro lendário, muito além do chão firme, nas raízes mais profundas, até encostarem nos lençóis aquíferos mais profundos do solo conhecido. Alguns manuscritos também apareciam abaixo expostos numa variedade prazerosa de temas, como peixes, mares, oceanos, árvores, e todos tinham pelo menos cento e cinquenta anos de idade.

    Assim como a perfeição artística desses desenhos, a nobreza da família residia no esforço e também no mais profundo empenho e dedicação à sabedoria religiosa. Esse hábito lhes deu a honra de serem reconhecidos pela distância que provocaram a si dos costumes mais comuns da Ilha. De maneira curiosa, lembravam no seu todo através das decorações de sua residência os apartados e belos vislumbres das antigas dinastias do leste.

    É por essa razão que esse clã, mesmo não sendo incluído no nobiliário japonês como “de sangue alto”, ainda ganhou o respeito do próprio povo de Hirosaki e região, por transitarem na alta casta por seu amor às artes, e na baixa casta pelo seu labor na pesca. Alguns se viam no direito  de se esconder naquela vida pacata junto deles, imitando as tradições antigas; havia vários serviçais, contribuintes aos quais foram oferecidos abrigo e proteção.

    Um deles se aproximou de Haruka, com plena subserviência, embora ela negasse e apenas insistisse para que se assentasse próximo, que nada agradava aos grisalhos e compridos cabelos do mestre de cozinha.

    “Não percam a memória de sua família quando crescerem”, disse, olhando para Takumi e para os outros dois filho, até gargalhar e abraçar Itsuki, que se virava dentro de sua cabeça para fazer da imaginação um lugar de reflexão. “Ter o Itsuki aqui perto me ajuda muito a ensiná-los a voltarem para cá sempre quando tudo parecer dar certo, para que não esqueçam de mostrar gratidão. Por isso, dediquem-se ao que se comprometerem a fazer, seja o que for. Ninguém duvida de que irão longe.”

    “Não há prego que não possa ser pregado. Há solução sempre para tudo, cedo ou tarde. Não importa quando, mas ela virá, e por isso mesmo que eu estou falando: não deixem que alguém os desanime, muito menos permita que digam que estão sozinhos! Seja a sua cabeça, ou ainda outras pessoas”, explicou, enquanto olhava para Itsuki, que acenava concordando, embora seu silêncio atiçasse sua mãe a não ficar satisfeita ainda.

    “Sempre escutem sua mãe, garotos. Deem valor ao que realmente importa”, respondeu Takumi, desavisado. 

    “Mas farei questão de avisar: sempre estou na frente do tempo, porque hoje meus filhos desejam alcançar a minha beleza e força. Sigam meu exemplo, e nada na vida de vocês dará errado. Por isso, arranjem um bom emprego e um corpo bom!”, então, mostrou seus braços decaídos pela idade, que rapidamente foram vencidos pela esposa, já que ela puxou o Takumi para mais perto dela e fez com que ele ficasse sentado ao seu lado.

    “Não me interrompa quando eu estiver dando uma lição, ouviu, bobão? E se for para falar dessas coisas, colocarei uma pinça para trancar sua boca”, disse. O jantar continuou até eventualmente o sono vir para todos. Itsuki, por um lado, tinha mais liberdade para poder estar consigo, mas ele ainda tinha que contar os minutos até sair e preparar o que tinha de ser carregado — seria falta de educação se ele não medisse sua vontade de ir para seu quarto antes que seus pais saíssem, mas é porque naquela vez, alguns testes eram necessários.

    Como era costume, ele pensava, até demais. Alguns enxergavam seus próprios pensamentos, mas por seu costume, ele se esforça como nunca para contê-los enquanto está sozinho, para que somente ele veja o que está para sua visão. Ito foi para a cama mais cedo, com a ajuda de Takumi para pô-lo dormindo cedo; ele havia jogado bastante no simulador até que chegasse a hora. Yoshihara, ao seu lado, não conseguiu continuar seus estudos e teve que ficar em seu quarto até pedirem que ele dormisse. 

    Takumi vivia a vida no limite de quem escolhia o silêncio em prol de sua paz, tão combatida para ser conquistada. Seu semblante sempre variava de um impositivo, para um que estava sem arrependimento algum, mesmo que olhe desgostoso para a ideia de visitar Tóquio, como se não fosse preciso prestar contas quando não era devido.

    Quando ligou a televisão, o jornalismo japonês não cedeu espaço para outros assuntos que não cobrissem as temperaturas recordes que a nova frente fria provocou no Japão. Casas cobertas de neve ao passo de se esconderem na paisagem, internações por hipotermia, estradas rachadas por choque térmico. Alguns serviçais da casa também se aproximaram para ver, e ficaram genuinamente preocupados com a situação.

    “Mais um dia dá sequência à pior nevasca registrada nos últimos 30 anos“, disse o repórter, que estava vestido com blusas árticas para acompanhar a situação da vizinhança sobre a qual estava. “Atrás de mim está a placa da cidade de Sendai, que está praticamente coberta até o topo dela, e olha que sua medida é de pelo menos dois metros e setenta centímetros.”

    “É por conta disso que muitos moradores têm dificuldade de sair de suas casas, e a falta de estrutura preparada para essa nevasca vem criando perguntas sobre a questão do aquecimento global e da capacidade de resposta do governo japonês a desastres naturais. Muitos sofrem com os reveses dessas condições adversas, lotando diversos hospitais da região.” 

    “Vários pacientes de risco tiveram de ser transferidos para unidades metropolitanas e mesmo assim, as medidas não impediram que as clínicas chegassem a níveis críticos. A Comissão de Crise do governo, em resposta às nossas perguntas, mais uma vez respondeu que a situação se encontra ‘exaustiva’ e ‘temerosa’, e que estão fazendo todo o possível para dar amparo às famílias carentes. O Parlamento, por sua vez, ainda não considera pedir auxílio humanitário à ONU.”

    A reportagem seguia com imagens da região norte inundadas pelo caos. O jovem se estendia sobre a cadeira atentamente, enquanto sustentava sua feição com temor e receio. Naquele momento, passava sobre seus olhos uma imensidão vazia de suspeita e correção, que o atormentavam ao ponto de lhe fazer respirar mais profundamente, e tremer o maxilar. De repente, ele se virou à janela, e brevemente soltou ar de sua boca para dizer, mas logo se desapontou e se calou.

    Por um lado, Takumi se responsabilizava, quase ao ponto de atirar um soco sobre a guarda de sua cadeira. Seu rosto se revirava cansado, no ponto de lhe fazer estalar os dedos raivosamente

    “Vão se premiar por resolver um desastre que eles não deram a mínima de prevenir. Ainda bem que saí disso o quanto antes”, exclamou, virando o rosto para baixo em irritação.

    Haruka ficava triste pelo seu marido ter-se envolvido com “coisas grandes” de forma irresponsável, e ela julgava que eram as memórias delas que fizeram Takumi se desvencilhar num chilique. Mas ela sabia que não era exclusivo da vida dos homens comuns. Ela não esconde sua admiração pela luta, pela técnica, mas prefere manter isso em segredo, bem longe dos ouvidos de seus filhos, a todo custo. Havia um preço e uma responsabilidade ao ser professor, assim como a escolha de lutar uma guerra incansável, que parecia ter sido feita há tão pouco tempo na percepção dela.

    “Esses tempos que nós vivemos ficam cada dia mais complicados e o que vejo são meus filhos reclamando por pouco! Por isso, eu espero que estejam agradecidos com a vida que demos a vocês, por favor!”, disse, incisivamente.

    “A propósito, nós receberemos várias visitas atrasadas nesse inverno, então tratem de por favor serem educados antes que eu trucide cada um. Olha como as estradas estão, teremos que fazer todas as solenidades para cada um”, quando ela se encarou perante a televisão, caída de preocupação e tristeza por aquela calamidade, ela foi interrompida.

    “Amor, às vezes penso que você é escandalosa por pouco. Deixe os meninos comerem em paz. Está tudo bem agora, não?!”, respondeu Takumi, coçando a cabeça, enquanto lhe fazia uma careta.

    “Eu não recomendaria ser tão teimoso, pai”, avisou Itsuki.

    “Que teimosia?! Não há teimosia no que ele faz. Não bastou Mihoshi ter dado os votos para nosso casamento, agora ele quer também me criticar por falar a verdade?!”, outra vez, exclamou Haruka.

    “Ei, se acalme aí também! É porque seu costume é de refletir demais sobre as coisas, e não faz tão bem assim. Ele puxou esse seu lado mais pensativo. É só minha opinião!” 

    “Também acho que não vale a pena ficar meditando demais sobre essas coisas difíceis que ocupam a cabeça”, assim retrucou Takumi, com um pouco de relutância.

    O jovem, no entanto, direcionava seu hábito para pensar sobre o que, que de certo modo continha parte das respostas para a razão de vida de seu avô, e de como a missão dele não lhe provocou o medo da morte. Assim que comia, ele deixava o diário sobre seu colo para lê-lo com atenção.

    “Já falei para o Yoshihara que comer enquanto lê faz mal, e agora é você, Itsuki? Por favor!””, disse Takumi. “O que tem aí?”

    “Isso é herança de família. Já te falei: eu preciso investigá-lo”, respondeu. “Achamos isso há pouco tempo e tem muita coisa escrita aqui que é difícil de entender.”

    “Agora não, Itsuki. Precisa descansar. Mas também não vou falar muito por cima, filho. Você já está velho demais para isso!”, ele balançou os braços, enquanto pensava, até ouvir mais outra palavra.

    “Se ele sujar, o problema será dele, Takumi”, disse Haruka. “Mas eu vou dar crédito a ele porque você me irritou de fazer a comida, e ele realmente está precisando, está bem?!”

    “Por que é difícil nós concordarmos quando é para educarmos nossos filhos?”, mesmo com a resposta, ele falou mais nada, segurando-se para não rir de indignação.

    Aquele diário, ao que tudo parecia, havia sido pensado somente para seu autor. Mihoshi viveu e morreu em paz. Mas era um homem de ideias distintas. Ele sempre temeu que a modernidade, vinda com o fim da guerra, estava cega para os males da terra, como se ela deixasse espreitar algo que não quisesse nem mesmo ver, por medo; ou ainda, por um inteiro e inacabável remorso.

    Mesmo diante de tanto medo, ele jurava com todos os dedos  a não ver covardia no inimigo. Na verdade, é como está escrito em um dos manuscritos deixados no quarto: “se há covardia no inimigo, por que, então, não vencemos? Não há vitória na luta contra o próprio reflexo pela água.” Talvez essa era a razão do porquê Itsuki estava tão curioso com o que ele escrevia, sobre o sentido de covardia, de lealdade, se ainda eram válidos, ou só mentiras que a opressão humana criou. Com isso, Itsuki havia marcado uma única página que ele havia ficado por dias, estando escrito:

    “É mais fácil romper uma corda do que lhe dar um nó.”

    Algumas lições, ao invés de fugir, acabaram por ficar. Era como uma fuga das armadilhas da estupidez, uma tentativa máxima de transpor a sabedoria da melhor forma, através da ideia de que as maldições são apenas produtos de seu meio. Mas Haruka percebeu a atenção do garoto, e insistiu.

    “Não vai terminar de comer?”, perguntou.

    “Tem alguma ideia do que isso possa significar?”, disse, indo na direção dela para mostrar a página do diário. 

    “Dificilmente ele será um pensador diferente de você, Itsuki. As coisas que ele escreve não são tão diferentes do que você faz”, retrucou ela.

    “Ele deve ter escrito com alguma coisa em mente”, respondeu, “o vovô sabia de alguma coisa quando ele usava a técnica dele, e por isso que ele sobreviveu tanto tempo.”

    “Esse é um segredo que meu pai trouxe consigo para a cova dele”, disse Haruka, virando-se entristecida pela janela, procurando pelo mesmo horizonte para o qual ela dava toda a glória de ter resistido ao tempo.

    As palavras do diário o faziam pensar sobre a idade dessas tradições, pois há muito tempo corrido desde que primeiro proferiram esses ensinamentos; um voto de silêncio exigia muito sacrifício para ser exercido. Esses princípios vieram cruzando o mar para se firmar e salvar, como às vezes parece inscrito em todos os lugares, a incerteza do universo — onde ninguém sabia mais enxergar propósito na vivência e na mortalidade, ou mesmo algum bem das coisas que são parte do ser humano.

    Era um tratado do porquê o homem ainda escolhia a ignorância, uma tentativa honesta de dar razão ao comportamento maligno e corrompido do homem quando parecia óbvio o sofrimento que causava. Mas nenhuma das palavras escritas naquele diário sequer davam certeza de algo.

    Todos os relatos da família pareciam como um mundo em dúvida sobre as razões para sua origem, porque de repente, toda ela foi escarnecida pela violência; e quando se fala de origem, ou nascimento, é realmente sobre identidade, de onde ela vem, se ela consegue ser sólida, ou se apenas se perde na própria forma, pois às vezes parecia que o anseio do material se expandia mais rápido, como os deveres da família Oyakawa. 

    Talvez os feiticeiros o entendam melhor de outra forma, através do que mais lhes atiça, que é a feitiçaria. Porém, embora não se costume acreditar na existência da essência como alguns opinam, talvez a falta dela seja o que alerte tanto para a persistência de algo humano e individual nas pessoas.

    Assim, seu sorriso ao vê-lo junto de sua família iluminava até os olhos dos demais serviçais, brilhantes de orgulho, como se lhe coubesse essa dignidade pela primeira vez em sua vida. Quando se virou aos demais, ela abriu as bochechas e a testa como se estivesse prestes a deixar claro o valor de seu filho, como se de repente não importasse mais.

    “Quase esqueço: meu filho não faz questão de contar porque é um bobo que fica só trabalhando com as coisas dele”, exclamou, seguido por uma feição raivosa contra Itsuki, que fechava a cara, rendido. “Mas ele se tornou Professor Auxiliar do Templo! Ele fez por merecer a sua dedicação. Ele é meu principezinho…”

    “Mãe, não costumo contar as coisas que faço por um motivo bem claro…, respondia, sendo esmagado pelos braços dela. 

    “Você sabe o porquê!”

    Mas sua reprovação inicial durou pouco até que um semblante calmo e bem construído ouvia com atenção enquanto se atentava com a porcelana e os pergaminhos do cômodo anterior à sala de jantar.

    “Parabéns, meu jovem, que alegria vê-lo se tornar um mestre. Bom, bom, saber é bom!”, disse um homem adornado, que limpava os móveis da casa com um espanador que pulsava brilhante. “Quais matérias o senhor ensinará?”

    “Eu posso dar aula sobre uma variedade de temas. O cargo chega a me permitir bastante coisa. História do Budismo, Kenjutsu e Introdução às Artes Marciais.”

    “É uma grande maravilha então, Senhor Oyakawa. Difícil ter a confiança do mestre-pintor. Quando eu estudava feitiçaria em Hanói, era uma beleza sem tamanho, tinham pelo menos umas trinta matérias em cada período por cinco dias a semana inteira.”

    “Você praticamente morou lá então, Senhor Phan! Não queira me fazer passar por isso, então!”

    “Não, imagine. O tempo que fiquei lá foi horrendo, queria eu ter vivido lá em paz. A nossa casa antiga foi saqueada toda, com armas até não bastar. Porém, não há mais o que temer, senão agradecer”, respondeu, com um aceno leve de seu olhar. “

    “Mas você queria ser professor de quê, mesmo, jovem?”

    “Cumpri com meu desejo: aulas de Kenjutsu, treinos de postura com a espada. Estou dando algumas aulas sozinho quando um professor fica ocupado, ou ajudo no que for necessário.” 

    “Seja bem breve com as palavras para que eles entendam. Às vezes o geniozinho que sai de nossa cabeça é bruto demais para entrar na cabecinha dos pequenos”, ao voltar à direção de um pequeno vaso, o jovem se viu observado, encarando a si mesmo e inevitavelmente à sua mãe, como se já a ouvisse através dos olhos.

    “Chame o Yezi para comer conosco, Senhor Phan”, pediu-lhe Takumi.

    “Ele está assentado à beira da oficina, cochilando bem alto…”, com um breve sorriso, inclinou-se aos demais e despediu-se da família.


    Havia ali uma esperança renovada posta face a face diante dele. Ela atravessava, de uma maneira encantadora, que se via em cores, numa ótima prosa, embora não tivessem exata noção do significado disso.

    Era um alívio do tamanho da teimosia dos Oyakawa, ainda mais o quão insistente é Haruka em vangloriar sua família pela bondade e esforço, sem preocupar-se demais em falar demais delas. Dizem que é por essa razão que há tantos quadros, pinturas e escrituras deixados em cada parte da casa, como se não se enjoasse de apenas mostrar o que poderia ser feito, como aquelas que 

    Mesmo assim, tinham uma vida resolvida, nada custosa, dotada de uma felicidade incomum até mesmo para os próprios japoneses — por essa razão, alguns os comparavam a bárbaros como aqueles que o antecederam, embora a opinião nesse respeito varie conforme a razão de cada clã.

    No fim, frequentemente eles se sentiam abandonados, naufragados num oceano, como se fosse um passo falso, um entrave na busca da sabedoria, como se o passado estivesse preso sobre as mão, sem como abrir os dedos, ou fazer uso dela para esclarecer e mesclar os dons da sabedoria com os dons da fantasia.

    Com tanta ênfase nos dois, foi assim que a casa se saboreou por pelo menos seis gerações com a reputação de se permitir a ser ainda uma corte, e uma parecida às do tempo passado, sendo encolhida de ambições, mas acolhida de muita vontade. Ainda que todas as honrarias dadas através de seu bom nome sejam amadas por seus servos, havia ainda a curiosidade de seus membros em entender o que vinha à cabeça dos monges que sempre mantinham suas falas mais acaloradas quanto a esse clã, e sempre ao pensarem, não deixavam de olhar pelo jovem primogênito.

    Mas quanto mais ele crescia, mais o tempo se encurtava, e mais as responsabilidades cresciam, junto do entendimento de que a roda da vida, sempre circular e de volta ao mesmo lugar, inspirava os Oyakawa a retornarem de onde havia começado. A sabedoria abria passagens, como às vezes se fazia, com um alçapão aqui ou lá que de vez em quando se abria pelas paredes, debaixo de estantes, entre as rampas, pelo chão, e ainda pelo teto. Daí, o jovem sabia que precisaria encontrar a passagem de volta a seu quarto, um sótão simples no qual ele escolheu ficar, não só pelo gosto da simplicidade, mas pelo sigilo.

    Era em um desses alçapões onde estava a passagem para o sótão, ao qual Itsuki se direcionou logo depois que terminou o jantar. Ele havia começado os preparativos, olhando profundamente para suas armas. Assim que as tocou com claridade, ele percebeu que para vencer, é preciso antes se banhar em água fria, como a brisa fria de uma chuva caindo sobre a testa. De repente, um homem trajado com um macacão de mecânico enquanto limpava as luvas e as mãos, e com paciência ele esperava o jovem, que retornava às escadas lentamente. Ao ver o capacete, mostrou também alguns projetos que fez, com um sorriso no rosto, e acenou.

    “Do que o senhor precisa para não forçar mais o Guo Cai a produzir óleo dharmático para o motor?”, disse o jovem, olhando os papéis mais de perto, até apontar na direção de suas armas embainhadas.

    “Resultados. Todos da forma que o ouvi pedir antes. Às custas dele, é melhor”, riu, pondo-lhe a mão sobre o ombro, até colocar-lhe o capacete a não permitir resistir. “Está refrescado? De olhos abertos?!”

    “Aqui e no outro mundo, Doutor”, agarrou-o pelo ombro, apontando-lhe o dedo com ânimo. “De corpo e espírito.”

    “Pista molhada, pneus macios, sem eletrônica. Um desafio à altura da disciplina tibetana”, disse-lhe, acenando para acompanhá-lo. “As boas ideias precisam vir de algum lugar, seja qual for.”

    “Não me vem à cabeça quem seria insano de ver a Ninja em ação naquele gelo, pelada assim”, o jovem balançou os braços enquanto levantava o visor do capacete, desacreditado. 

    “Só olhe para você”, ao deparar-se com o que ouviu, ele segurou o riso, e se escondeu por trás de sua proteção. “Nada se compara! Esse gelo não chega perto das enrascadas que você me meteu.”


    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota