Olá, segue a Central de Ajuda ao Leitor Lendário, também conhecida como C.A.L.L! Aqui, deixarei registradas dicas para melhor entendimento da leitura:
Travessão ( — ), é a indicação de diálogos entre os personagens ou eles mesmos;
Aspas com itálico ( “” ), indicam pensamentos do personagem central em seu POV;
Aspas finas ( ‘’ ), servem para o entendimento de falas internas dentro da mente do personagem central do POV, mas não significa que é um pensamento dele mesmo;
Itálico no texto, indica onomatopeias, palavras-chave para subverter um conceito, dentre outras possíveis utilidades;
Colchetes ( [] ), serão utilizados para as mais diversas finalidades, seja no telefone, televisão, etc;
Por fim, não esqueça, se divirta, seja feliz e que os mistérios lhe acompanhem!
Capítulo 5 — Uma Visão Eterna
Ao observar o entorno, ele se certificou de que nada de estranho aconteceria quando entrasse na água, mas, pensando bem, havia uma coisa que deveria fazer antes. Leonard se distanciou da água e em um ponto cheio de grama, abriu a tampa do cantil.
O cheiro preencheu rapidamente o ambiente com a sensação de morte. Sabe-se lá quanto tempo havia passado junto ao cadáver, mas o líquido marrom pútrido, não parecia mais ser água.
“Ainda bem que eu não abri isso lá dentro, talvez eu pudesse desmaiar com esse cheiro…”
Ele tampou o nariz com a mão direita, enquanto deixava afastada a esquerda com o cantil já vazio, enquanto chacoalhava para se certificar de que não haveria mais nenhum resquício do antigo líquido.
Pru! Pru!
Leonard ao olhar para o lado notou algo que mais se parecia com uma coruja caolho pousar em um galho. Sua pelagem era tão branca quanto o inverno canadense. O corpo dele estremeceu e quando finalmente percebeu, ambos encaravam um ao outro, como se hipnotizados.
A coruja com seu único olho cinza e ele com ambos os olhos cinzentos. Duas existências fora da normalidade, em um mundo monótono pela escuridão pouco iluminada pela luz pálida da lua.
— Tão iguais… — sussurrou, hipnotizado, mas não se moveu um centímetro.
O ser, pouco a pouco, foi se contorcendo, sua sombra parecia aumentar atrás dela, estendendo ao horizonte. A mão de Leonard baixou e guardou o cantil no bolso, sua mão direita também saiu de perto do rosto.
As asas da coruja começaram a bater ao vento e ela se aproximou dele, ainda com o corpo travado. Não foi rápido, o mundo parecia lento, nesse momento os próprios pensamentos dele se dissociaram. O tempo era uma bagunça.
“Um… Dois… Três… Cinco… Vinte…”
Segundos começaram a parecer mais longos na contagem, os pelos do corpo enrijecendo e o som dos batimentos cardíacos ritmizados. Esse foi o instante, de um pensamento ao outro, que a criatura tocou finalmente o corpo.
— O quê? — recitou incrédulo, tentando entender.
O corpo passou direto por Leonard, como se nunca tivesse existido, quando ele se virou para trás bruscamente, nada. Não existia mais nada ali. Nenhuma pena deixava para trás. Nenhuma lembrança de sua existência.
E o que sobrou nisso tudo? Uma dor. Íntima e indesejada. Uma dor no coração que mais parecia como a saudade de algo, talvez realmente fosse apenas a saudade. Afinal, tinha saudades de muitas coisas, coisas essas que marcaram sua vida desde o princípio.
“Vovó…”
“Calli…”
“James…”
Uma saudade de, simplesmente, fazer parte da vida das outras pessoas e não de fugir dos outros incessantemente.
“Mãe.”
Um soluço escapou do lábio, quebrando o silêncio da noite. Leonard caiu de joelhos na grama úmida, com o rosto contorcido em uma agonia que começou muito antes de todo esse tormento. As lágrimas, quentes e amargas, traçaram trilhas em seu rosto sujo. Cada uma das lembranças, era de um tempo em que ele não era uma sombra fugindo dele mesmo.
— Sniff…
Permaneceu ali, ajoelhado, por um tempo que não soube medir. O som da água era a única coisa real em um mundo que, momentos antes, parecia se desfazer. A lua continuava sua vigília silenciosa, indiferente ao sofrimento de uma eterna alma solitária.
Lentamente, a torrente de emoções começou a diminuir, deixando para trás um vazio doloroso, mas também uma espécie estranha de clareza. A coruja, nada mais era que um reflexo de sua própria solidão, de sua própria natureza estranha.
Ele sempre fugiu dos outros, com medo de suas esperanças, de suas convicções e desejos. A criatura não o havia atravessado para assustá-lo, mas para despertar algo que já havia sido enterrado no fundo. Uma necessidade crua de se sentir vivo novamente, mesmo que significasse enfrentar a dor.
“Um desejo de finalmente se sentir… vivo como todos os outros.”
Com um suspiro trêmulo, se levantou. Os membros pareciam pesados, mas carregados de uma nova determinação. Leonard caminhou de volta para a beira da água. A superfície escura do lago refletia o céu noturno, e por um instante, pensou ter visto o brilho de um único olho cinza nas profundezas.
Não havia mais hesitação, não deveria nunca mais ter. Ele precisava limpar não apenas o recipiente, mas a si mesmo. Se despiu e, sem um segundo de dúvida, mergulhou na água fria. O choque gelado percorreu a pele.
Era como um batismo cruel que o trazia de volta à realidade do corpo, do toque, da sensação. Esfregou a sujeira de dias de fuga, sentindo a água purificar mais do que apenas sua pele.
“Eu encontrarei a saída desse lugar.”
A água parecia calma, mas também desesperada, quando ele mergulhou. Foi Leonard quem se perdeu dentro da água, submerso em convicções e dúvidas. Pensamentos ininterruptos e simples.
“Eu não sei o que me trouxe até aqui, se foi aquele desenho estranho ou outra coisa, mas acima de tudo, eu voltarei para eles… Não serei mais um tolo qualquer.”
O ar nos pulmões começou a protestar, uma queimação que o puxava de volta para a superfície, mas ele resistiu por mais um instante. Abriu os olhos na escuridão aquática. Naquele silêncio pressurizado, o mundo de fora, com seus medos e perseguições, parecia distante, irreal.
Aqui, submerso, só existia ele e a promessa que acabou de selar na própria alma. Uma promessa feita as pessoas que ecoavam na mente. Com um impulso forte dos pés contra o fundo da lagoa, ele se lançou para cima.
A cabeça rompeu a superfície pálida da água em uma explosão de ar e água. Leonard ofegou, o ar frio da noite invadiu seus pulmões como agulhas de gelo. A água escorria pelo cabelo, pelo rosto, se misturando com as últimas lágrimas que ele talvez derramasse por muito tempo.
“Frio demais…”
Tremendo, ele saiu do lago, cada passo uma confirmação de sua vontade contra o mundo. O vento da noite abraçou o corpo nu e molhado, mas o frio não incomodava tanto quanto antes. Era apenas uma sensação, uma prova de que ainda estava vivo, de que podia sentir algo.
Vestiu as roupas úmidas e ásperas, com um desconforto que mais parecia um lembrete constante da realidade. Então, pegou o cantil. Caminhou de volta à beira da água e, com um cuidado quase cerimonial, submergiu o recipiente, deixando que a água limpa e fria o preenchesse por completo. Fechou a tampa com um clique firme.
— Feito!
Não era mais um receptáculo de morte e decadência, mas uma fonte de vida para a jornada que viria. Leonard olhou ao redor. A floresta continuava a mesma, escura e indiferente. Nada no mundo havia mudado. Apenas ele. A dor da saudade não desapareceu, mas agora ardia como combustível, não como um veneno.
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