Índice de Capítulo


    — Como assim eu não te sirvo mais? Você pensava em mim como uma…

    — Boneca. Você é apenas uma boneca em uma grande brincadeira de criança — interrompeu, um tom sério. — Queria garantir que você fosse a salvadora deste mundo, mas estava errado.

    Que?

    Isso não fazia sentido algum! 

    Tudo que saía da boca dele não era nada mais do que frases sem nexo! 

    Quero dizer, talvez até tenham um certo sentido, mas…

    — Você também é um boneco, não é? — disse, abrindo um sorriso de canto. — Não devo estar falando com o culpado disso tudo. Deve ser mais um fantoche na brincadeira deles.

    Deles, quem? Mesmo que dissesse, não saberia identificar quem seriam “eles”. Afinal, supusera que as culpadas seriam as Divindades, um termo da qual Gaia havia evitado conversar muito sobre.

    O guarda-chuva dele queimou em instantes. 

    Parecia uma forma material de mostrar sua raiva. Como se toda aquela cidade fosse parte da sua mente.

    Era possível sentir isso. Não era evidente, mas minha intuição gritava o perigo iminente.

    — Não sou um boneco. Você está em um patamar infantil, já eu estou no baralho — Em instantes, apareceu próximo a mim. — Sou a carta coringa desse jogo.

    Abriu o sorriso. Só que, dessa vez, parecia muito mais diferente. Era cheio de ódio, carregado de amargor.

    O total contrário da figura imparcial que se mostrava.

    Carta coringa?

    Não!

    Ele estava próximo o suficiente para poder lhe socar. Aproveitei a oportunidade e ergui meu punho em sua direção!

    O vento impulsionou todo o movimento, levando-me até seu rosto em uma alta velocidade!

    — Ahn?

    A velocidade não foi o suficiente, e ele, mais uma vez, se teleportou. Seu tempo de reação era mil vezes melhor do que a rapidez que poderia alcançar.

    Cacete!

    — Percebo que confiei demais em você, minha criança — falou, enquanto virava em uma das ruas. — Mas você acabou só me decepcionando de lá para cá. Além de não ter conseguido aceitar seu destino em Erica, você ainda quer abandonar um dos cenários criados para sua personagem?

    Ele apareceu saindo da casa atrás de mim. Seu teleporte…

    Não.

    Aquilo não era um teleporte. E isso estava óbvio desde o início.

    Parece que toda essa cidade atende a ele, como se fosse parte dele. Pude perceber isso após algumas vezes nesse local.

    — Foi você quem causou aquilo em Erica, não foi?! Eu lembro disso! — gritei. — Você… eu pensei que não fosse ser o causador disso tudo. Queria esquecer por você estar vinculado a mim, mas parece que não posso mais ignorar.

    Eram como um peso saindo da minha boca.

    — Não causei nada em Erica. Você quem trouxe a desgraça para aquela cidade. Não me culpe por algo que não fiz!

    Um chute veio em meu queixo, levando-me em segundos para a parede atrás de mim.

    Os blocos quebraram, o pó de cimento veio ao ar. Meu corpo se encaixou de forma quase perfeita naquele concreto.

    A dor consumia todo meu sistema nervoso.

    — Garanto que terá uma sucessora melhor. Por enquanto, você merece perder todo o seu papel como Herdeira da Paz. 

    Herdeira? 

    Sucessora?

    Eu era uma herdeira o tempo todo? 

    — Então, o que essa “herdeira” ganha é apenas malefícios? Pois foi tudo o que ganhei de você quando cheguei a essa terra!

    Levantei-me, o braço quebrado pelo impacto. Sensações misturadas que se convergem em apenas uma: estava morrendo.

    A morte era inevitável naquele instante.

    Era óbvio.

    — Você iria ganhar mais. Muito mais! Porém, percebo que fiz um erro ao escolher você. Espero ter de avisar a todos para deserdarem Scarlett de suas únicas tentativas — resmungou. Segurava o guarda-chuva com força.

    Tremia, mas não deixava de segurar o bendito acessório. Quase como se aquilo fosse mais uma extensão de seu corpo.

    — Não me importo com nada disso. Se não fosse por esse corpo… Se não fosse por você, nada disso teria acontecido. 

    No final, só queria ver o sorriso de minha família mais uma vez. Queria correr até os braços dela e comer na mesa com minha filha.

    Mas… nada dava certo.

    Nada dava certo!

    Eu odeio tudo isso!

    — Devo ativar o protocolo de desativação do mundo nove mil trezentos e vinte e dois de imediato. Esse show já passou dos limites — disse, colocando dois dedos perto do ouvido. — Era só ter seguido a droga da jornada, Scarlett. Agora tudo irá desaparecer.

    Protocolo?

    Como assim?

    Não.

    Não deveria desejar saber. Ele era um dos causadores disso tudo.

    — Vai destruir o mundo, então? — gritei, dando uma risada desesperada logo após. — Tem algum poder para isso, por acaso? Só um velhote que mora na minha mente não deve ter poder para isso.

    O seu sorriso voltou mais uma vez.

    — Não sou eu quem destruirá o mundo, Scarlett. Esse não é o meu objetivo, mas é o seu.

    O êxtase do momento era o que me motivava.

    — Eu? Eu vou destruir o mundo? Corta essa. Não sou uma pessoa que faria isso.

    — Talvez não… Mas conheço outra com grande rancor dessa terra.

    O seu guarda-chuva queimado se virou ao chão, dando leves toques em sequência.

    Uma rajada de vento esmagadora percorreu toda a cidade, e aquela força me jogou ao chão em segundos.

    Uma aproximação lenta, mas carregada de poder. Seus passos eram a única coisa que podia escutar naquele momento.

    Tudo parecia inevitável. Meu fim era inevitável.

    Mas…

    Eu tinha de lutar contra o destino.

    — Você não vai lutar contra o destino, Scarlett. O destino é uma força incansável.

    Havia se aproximado mais uma vez. 

    Era minha chance…!

    Mas meu corpo não tinha mais forças.

    Não havia como combater nenhuma daquelas ameaças. Eu era fraca, muito fraca. Sou só mais uma pessoa comum nesse mundo.

    Se é que…

    “Seven, você está bem?”

    As palavras de Gaia vieram à minha mente. Uma simples pergunta que me fez desabar no emocional. 

    Sua preocupação só demonstrava o quanto se importava comigo, o quanto me amava! Eu… Eu não podia deixar esse sentimento maligno me consumir.

    Lembrar de seu sorriso era a única coisa que me fazia levantar. Recordar os momentos juntas e até mesmo…

    Pouco a pouco, levantei-me do chão. Haviam várias fraturas em meu corpo, mas ainda continuei.

    Precisava continuar!

    Precisava provar para ele.

    E, carregando minhas últimas forças, levei meu soco ao seu rosto mais uma vez.

    “Toc!”

    Não fez nem cócegas.

    Era patética, muito patética.

    — Esse é seu ataque final, Scarlett? Devo admirar que você lutou até o fim mesmo. Isso é admirável! Nenhum outro terá toda a sua vontade de viver — disse o senhor. — Mas… acho que é esse o seu problema. Você quer viver mesmo estando no inferno. Algo te prende ao mundo, mesmo vivendo no purgatório. 

    — Não existe nenhum problema nisso, certo? — respondi, abrindo o sorriso pela última vez. — Até o fim estarei lutando. É isso que importa.

    Sangrava.

    Sangrava sem parar.

    Nem mesmo uma chuva feita desse líquido era comparada a todo o sangue que havia perdido.

    Mas meu corpo não sentia mais dor.


    [O Complexo está se desligando…]


    [Seus poderes divinos estão deixando o seu corpo!]


    [A Condessa do Conhecimento deixa seu receptáculo.]


    [Hefesto percebe que não existe mais nada de interessante em você.]


    [Psyche não vê motivos para lidar com você nessa vida.]

    Era um abandono em massa, então? Uma queima de arquivos total.

    — Vai se foder, seu desgraçado — gritei, dando o dedo do meio. 

    O sangue logo foi jorrando em sua camisa.

    Naquele instante, seu guarda-chuva havia me perfurado, passando de um lado para o outro.

    Sentia medo, medo da morte. 

    Não queria deixar de viver sem ao menos completar tudo que queria. Era quase como uma jornada incompleta…

    Minha consciência estava se esvaindo, e todas as memórias pareciam…

    Ah…

    Estava pensando em quem?

    Não consigo mais lembrar.

    Só conseguia sentir meu corpo caíndo em um grande abismo.


    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota