Uma esfera de fogo nasceu sobre as copas, como um sol aceso no lugar errado. Ficou um segundo pendurada no alto e despencou. O clarão estourou no meio da floresta com um baque que empurrou ar pelas passarelas e fez tremer até ali onde eles estavam.

    — Lou-reen — Marco disse, sem dúvida nenhuma.

    Kalamera estreitou os olhos, dividida entre respeito e raiva.

    — Poder bonito. Lugar péssimo pra usar.

    — O que será que ela está enfrentando?

    — Depois a gente descobre.

    Já estavam voltando para dentro de Ayas-kin. Dois elfos de uniforme imperial corriam pela passarela, espadas na mão, quando viram o adolescente vindo em disparada. Levantaram a palma para mandar voltar, abriram a boca pra falar “casa”, e o garoto sumiu do quadro por um segundo, como se a noite tivesse piscado.

    Reapareceu entre os dois: um soco em cada barriga, seco, dobrando ambos ao meio. O peitoral pulsou sob o couro; ele girou o tronco e acertou de lado, ombro e antebraço em cada um. O corrimão quebrou e os dois voaram para fora da passarela.

    Marco e Kalamera chegaram no mesmo instante e se dividiram sem conversa. O antebraço inferior esquerdo dela deslizou do encaixe, girou, acoplou no superior e virou um braço comprido; a garra pegou o colarinho do primeiro guarda antes do vão, e os outros dois braços dela se travaram no corrimão novo.

    Marco acelerou e agarrou o segundo no ar, torcendo o corpo para absorver a queda. Rolaram na plataforma de baixo e pararam inteiros, ofegantes.

    Deixaram os dois deitados, respirando, e voltaram ao ritmo. Adiante, o brilho verde das runas no peito do garoto piscava entre as árvores como um farol torto. Kalamera tomou a dianteira; Marco colou no rastro.

    O Colégio ocupava anéis de plataformas ao redor de três troncos colossais; no nível do solo, entre raízes grossas, os formandos, de espada de aço na mão, esperavam em duplas.

    O tenente Rilven ia e vinha na frente do grupo, batendo com a haste da lança no cabo de quem afrouxava a empunhadura. O alarme tinha soado meia hora antes, mas a prova continuava.

    — Não é alarme de evacuação, então vocês não têm que se distrair.

    Ele parou diante de um, tocou o punho frouxo com a haste; em outro, ergueu o queixo com dois dedos; endireitou um ombro com um leve empurrão e seguiu.

    — Olhos em mim. A missão é ir até o lago. Na margem tem selos pendurados; cada um traz um e volta antes do sol nascer. Treinaram quatro invernos pra isso.

    Rilven apontou a lança pelo corredor de raízes, riscou no ar o rumo até o escuro, deu dois passos de lado abrindo passagem.

    — Guarda alta! Pé firme, nada de arrastar. Na Academia não sopram pra vocês, arrancam o pedaço. — Virou para a fileira. — Ninguém aqui quer acabar como o Nerim, certo? Sem fôlego e sem chance de vestir o brasão.

    O chão arrebentou no centro da clareira quando o garoto caiu como pedra, terra e folhas subiram. Espadas de aço bateram nas bainhas por reflexo, e todos deram meio passo de recuo.

    — Linha atrás de mim. Guarda alta — Rilven puxou a lâmina.

    Da poeira, a voz veio elétrica:

    — Professor, eu vim fazer o exercício noturno.

    Rilven reconheceu o rosto por trás do brilho verde no peito.

    — Nerim. Baixa a guarda e tira essa peça. Isso não é do Colégio.

    Um aluno riu, sem segurar.

    — Olha quem voltou… pediu peito novo porque faltou peito pra passar?

    Nerim foi direto nele, o passo normal com os ombros baixos. Rilven largou a espada um palmo e tentou travar o antebraço do garoto; a força devolvida desmontou a pegada num puxão seco. Nerim girou o tronco e acertou o colega no centro do peito. O rapaz voou, riscou a clareira e bateu nas raízes do tronco mais próximo antes de cair sem ar.

    A turma abriu distância de uma vez. Rilven firmou as pernas, ponta da lâmina alinhada.

    — Nerim. O que você quer?

    Marco e Kalamera surgiram na borda da plataforma acima. Ela reconheceu o oficial lá embaixo e soltou o ar que prendia.

    — É o tenente Rilven. — Um meio alívio atravessou o rosto. — Ele segura. Vai conter a situação.

    ***

    Lou-reen enfiou a lâmina na garganta de uma das cobras e abriu o fogo ali dentro. Maryse gritou; as outras cabeças vieram num estalo, presas à mostra. Lou-reen recuou dois passos, baixando o ombro para tirar a cara da linha das mordidas. A cobra queimada se debateu, estourou a pele chamuscada e, num rasgo úmido, trocou de couro; a cabeça nova saiu limpa, já pronta para morder de novo.

    Ela voltou batendo. Cortou de lado, depois de baixo pra cima, acertou em cheio a segunda e a terceira. As escamas devolveram o golpe como pedra. Lou-reen firmou o queixo, sentiu o peso no punho. Não fazia ideia de como quebrar aquilo, então foi pelo que sabia: insistiu.

    Maryse riu curto, sem recuar.

    — É isso? Fogo e teimosia?

    Lou-reen respondeu abrindo mais calor no fio. O ar tremeu perto da lâmina; ela entrou de lado, buscou a junção das escamas e empurrou. Nada. O metal bateu e voltou. Ela girou o punho, desceu um corte reto no mesmo ponto e soltou chama por cima. As escamas ficaram foscas por um instante e seguiram intactas, sem cheiro de queimado, sem marca.

    — Continua — provocou Maryse, os olhos fixos. — Quero ver quando se cansar.

    Um rugido veio de baixo das copas, grave o bastante pra mexer o ar. Logo depois, o baque: a plataforma rangeu nos parafusos, o corrimão vibrou e folhas caíram em chuva curta.

    Maryse sorriu de canto, sem tirar os olhos de Lou-reen.

    — Vocês não podem vencer a floresta.

    — Não vim vencer a floresta — disse Lou-reen, já avançando. — Vim vencer você.

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