Capítulo 90: Visitas
24 de fevereiro de 2024, sábado.
A semana passou muito mais rápido do que Victor e Aki puderam perceber. Desde o cansativo dia em que a notícia se espalhou, na sexta-feira passada, pouca coisa mudou. A maioria dos colegas mantiveram a mesma relação e conversas de sempre, principalmente os mais íntimos, como Sayuri, Yumi, Koda, Helsing e Kazuya — exceto pelas brincadeiras mais diretas sobre o relacionamento deles.
Outros, como Ken, do audiovisual, ou como o Akari, do setor de comunicação, que tinham menos intimidade, pareciam ter um olhar meio desconfiado, às vezes. Mas a comunicação entre eles não era o suficiente para dizer se algo havia mudado.
Já as outras empresas, que tinham relações próximas, mas terceirizadas, com a Elegance Affairs, tiveram um pouco mais de opiniões divididas. Apesar disso, nada chegou ao ponto de sair do controle, apenas fofoquinhas e conversas aleatórias.
Ao decorrer dos dias, tudo se manteve muito igual. Sem grandes problemas com prestações de serviços. Houve um evento em que o casal participou como supervisores, mas não teve nada de mais.
O maior problema que tiveram, no trabalho, foi quando souberam de um cancelamento de um importante evento que iriam organizar em um mês. A causa não foi justificada e isso acendeu um alerta na equipe, que começou a procurar possíveis motivos.
Com o crescimento exponencial da empresa, pensar que um evento tão importante fosse cancelado sem maiores justificativas era motivo o suficiente para deixar alguns apreensivos. Não era algo comum.
Já no relacionamento, desde que começaram o namoro, haviam dormido juntos pelos próximos dias seguintes, mas, nessa semana em específico, tiveram dois dias em que isso não aconteceu. Na segunda-feira, pois Victor precisou revisar alguns documentos da Pacca Consortium e acabou adormecendo em casa. E na quinta-feira, quando Aki iria para a sua casa, mas começou uma tempestade e ela não pôde sair de casa.
Mesmo dia, inclusive, que Aki recebeu uma ligação de seu irmão Natsu, informando que estava indo para Tóquio, junto com Fuyu, no sábado e perguntou se podiam dormir na casa dela e que retornavam para Nagano no domingo. Ela aceitou. E também avisou Victor sobre a visita.
Ele, diferente de outras vezes, demonstrou certa felicidade em saber que os irmãos dela a visitariam.
“Será que ele está pensando em algo?” — Ela tentou imaginar o que seria. Talvez vingança? Uma brincadeira? O que seria? Ela queria respostas, mas não tinha — e não quis perguntar. Talvez nem o próprio Victor saberia.
No mais, entre as noites em que dormiam juntos, não houve nenhum avanço de contato físico. O que impressionava Aki, era o fato de Victor ser extremamente respeitoso com ela. Desde que ela disse não estar pronta para avançar, ele não havia dado qualquer toque “a mais” em seu corpo.
Todas as carícias e pegadas eram em regiões “normais” para um beijo apaixonado, sem tocar em áreas mais íntimas, ou com toques mais ousados. Sempre ouviu dizer e lia que homens são “safados”, “tarados” e vários outros adjetivos perversos.
Em sua cabeça, qualquer homem poderia agir como um animal selvagem, com um olhar predatório, como uma onça-pintada prestes a dar um bote fatal numa azarada anta. Seu coração sempre disparava, algo como medo e receio, quando imaginava alguma situação assim.
Mas ao conhecer Victor, sua mentalidade mudou. Tudo que já havia lido sobre romances pareciam, ao mesmo tempo, tão iguais e tão diferentes… por ser sua primeira experiência, não sabia como deveria agir e reagir em alguns momentos.
De certa forma, isso era um incômodo para ela, que ficava com medo de passar por esquisita, estranha, ou algo assim, fora dos padrões românticos, principalmente pelo fato de que o brasileiro já foi casado, já foi pai e era muito mais experto nesse assunto. Contudo, Victor fazia ela se sentir tão amada, tão respeitada e tão apaixonada, que, sinceramente, chegava a pensar que todas essas briguinhas de casais, que todos conflitos que já viu e leu, eram dramatizações exageradas.
Perto de seu namorado, a garota se sentia tão segura que não tinha medo de tomar certas ações, que, em outras circunstâncias, jamais tomaria, como o primeiro beijo e permitir aqueles beijos intensos e cheios de paixão.
Ela até mandou para suas amigas, Sayuri e Yumi, sobre como ela se sentia e se estava tudo certo. Parecia um conto de fadas. As amigas sempre a parabenizava por ter encontrado alguém tão gentil e respeitoso, chegando a comentar, em certos momentos, que já tinham presenciado que homens podiam ser assustadores.
Apesar de todas essas primeiras experiências e sensações, e todo o medo, Aki tinha uma certeza: Victor era a pessoa que ela amava e queria ficar todos os dias de sua vida. Uma série de pensamentos sobre morar juntos e casamentos rodeavam sua cabeça.
“Será que deveríamos morar juntos oficialmente?”, “Dormir sem ele é tão solitário…”, “Será que vamos casar?”… Só de pensar em certos assuntos, seu rosto já queimava e ela sabia que ficava mais corada.
…
DING DONG!
A campainha soou pelo cômodo da casa, quando Aki correu para abrir a porta e se deparar com seus dois irmãos. Natsu e Fuyu haviam, finalmente, chegado. Ela os abraçou, assim que entraram. E uma série de perguntas como “estão bem?”, “como foi a viagem?” foram direcionadas aos dois.
Mas, quando finalmente se acomodaram no sofá, jogando-se de forma desleixada, ouviram uma voz familiar:
— Bom dia, Natsu! Bom dia, Fuyu!
— Bom dia… — Eles se viram para confirmar. — Victor. Quanto tempo.
Natsu, querendo provocar, logo se levantou e caminhou até o brasileiro, falando com um tom ameaçador:
— Ora, ora, o que temos aqui… então você estava aqui, na casa de uma madame, a sós com ela, como se isso fosse normal?!
Victor deu de ombros e respondeu com, tamanha naturalidade, que Natsu e Fuyu levou alguns segundos para entender a situação:
— Mas é claro! Afinal, somos namorados…
Os dois já formavam comentários atacando o rapaz, até que a ficha caiu:
— Namorando?! — Um grito dramático e exagerado foi ouvido, quando Natsu indagou, incrédulo.
— Sim! Estamos juntos agora! Não enche! — Aki logo interviu, cortando os irmãos… em vão.
— Então, você realmente estava com segundas intenções desde Nagano, não é?! — Natsu retrucou, com um olhar cínico e provocador.
— Mas é claro! A sua irmã é tão linda que não pude resistir. — Victor respondeu de tom brincalhão e mostrou a língua para os dois irmãos, assim que Aki estava de costas para ele.
Natsu pensou: “Perdi no meu próprio jogo…” — Fazendo um drama exagerado, ficando cabisbaixo e resmungando alguma coisa que ninguém entendeu.
Aki, ao ouvir o elogio aberto e público, sabia que seu rosto estaria mais vermelho que o normal e logo foi até a cozinha, com a desculpa de preparar algo para eles tomarem.
Natsu se joga no sofá, como um adolescente fazendo birra. Victor e Fuyu apenas acompanharam com o olhar.
— Não acredito que perdi minha irmãzinha! — Sua voz soou chorosa, exageradamente dramático.
— Não fique assim.. Pelo menos o Victor parece ser uma boa pessoa… — Fuyu tentou consolar, mas suas palavras deixou tudo quase pior.
— “Pelo menos”? — Victor indagou, e riu em seguida.
— Fuyu, você é um traidor! Eu sou seu irmão, cara! Seu irmão! — Esbravejou, falsamente irritado.
O sorriso discreto entre cada atuação deixava claro toda a encenação e brincadeira. O mais surpreendente foi o fato de Victor estar tão entrosado. Natsu chegou a pensar em algo como: “Esse é o mesmo Victor de Nagano?”
Eles continuaram conversando, com a situação se controlando gradualmente. Victor perguntou o motivo de terem vindo para Tóquio e Natsu explicou que estava a trabalho, mas não era nada demais. Apenas, precisaria assinar uns documentos presencialmente e Fuyu apenas o acompanhou, já que não iria trabalhar.
Aki retornou, com um bule com chá e xícaras. Após acomodarem a bebida na mesinha de centro, se serviram, enquanto continuaram conversando.
— O papai e a mamãe já sabem dessa novidade? — Natsu indaga, bebericando o chá, ainda fumegante.
Aki tossiu, como se quisesse despistar: — Bem, ainda não… eu queria falar pessoalmente… Prometam que vocês não vão abrir o bico.
— Não podemos prometer nada… às vezes deixo escapar as coisas. — Ele piscou para a irmã, com zombaria. Victor e Fuyu riram.
…
— O papo está bom, mas vou indo nessa. Vou deixar vocês mais à vontade. — Victor comentou, se preparando para ir para a sua própria casa.
— Eu achei que você fosse dormir aqui com a gente… — Natsu comentou. — Já que fizemos esse em Nagano aquela vez.
Eles acabaram conversando e Victor decidiu dormir ali com eles. A formação de Nagano foi repetida: Natsu, Fuyu e Victor dormiram num quarto e Aki no outro.
Fuyu dormia despojado, agarrado ao travesseiro, como se brigasse com ele. E Natsu resmungava coisas desconexas entre alguns roncos. Quando o relógio beirava meia noite, Victor, que também estava no cômodo, se levantou para beber água, após não conseguir dormir. Estava com muitos pensamentos sobre tudo que estava acontecendo.
Ele caminhou até a cozinha, e quando estava voltando, ouviu a porta do quarto da Aki abrindo. Quando virou, viu a garota por quem se apaixonou. Aki estava com seu pijama de gatinhos, com mangas longas e calça de moletom, de tom rosa, coçando um dos olhos. Seu cabelo bagunçado denunciava que acabara de acordar.
Ela levou um pequeno susto: — Victor?!
— Aconteceu algo? — Ele perguntou, se aproximando devagar da garota.
— Estou bem, só me deu sede e vim beber um pouco d’água. — Explicou. — E você?
— Igualmente… — Ele olhou pela janela da sala. — Isso me lembra aquela noite em Nagano, mas… — Ele se aproximou da janela e Aki o seguiu. — Aqui é tão intenso que não dá para ver o céu.
— Não dá para saber onde ele começa. — Ela sorriu. — Seria pedir muito outra estrela cadente? Já que pude confirmar que elas realmente realizam nossos desejos. — Aki se agarrou ao braço de Victor, encostando sua cabeça nele.
Victor sorriu: — Eu não preciso de uma noite estrelada, ou estrela cadente, porque já tenho meu amuleto e, além disso, o brilho dos seus olhos é muito mais bonito do que qualquer noite estrelada.
Embora fosse uma forma de elogio, também era uma provocação. Aki levou a mão, por instinto, até suas bochechas que arderam levemente.
— B – bobo! Não fala essas coisas tão de repente… — Protestou, afundando o rosto contra o peito de Victor, que a envolveu num abraço.
Ficaram alguns segundos ali e depois se sentaram no sofá. Estavam ali, lado a lado no sofá da sala, trocando palavras baixas. O céu de Tóquio continuava como se estivesse escondido em um manto pesado de luzes artificiais.
O silêncio entre eles não era desconfortável. Era um tipo de silêncio tranquilo, confortável. Aki mexia na manga do próprio pijama, olhando de vez em quando para Victor. Até que, finalmente, disse:
— Hm… Victor… — chamou, quase num sussurro.
— Oi? — Ele respondeu, seus olhos encontrando os dela.
Aki hesitou, sentiu as bochechas esquentarem antes mesmo de falar. Seus dedos brincavam nervosos com a barra da blusa, enquanto desviava o olhar para frente.
— P-posso…? — mordeu de leve o lábio inferior e completou com a voz mais baixa ainda: — Posso deitar no seu colo…?
Victor precisou segurar a vontade de rir de tão fofa que ela parecia, toda envergonhada, mas não zombou dela. Apenas estendeu a mão, num convite gentil. Seu coração também acelerou com aquele pedido.
— Claro que pode. Vem aqui.
Ele arredou um pouco mais para o lado, abrindo espaço para ela se acomodar. Aki respirou fundo, como quem precisasse de coragem até para um gesto tão pequeno, e se ajeitou devagar, repousando a cabeça sobre as pernas dele.
— Assim tá bom? — ele perguntou, acomodando uma das mãos no cabelo dela com delicadeza, fazendo um carinho leve, quase preguiçoso, como quem não tinha pressa.
— Sim… — ela murmurou, fechando os olhos. A sensação do toque dele em seus fios foi afrouxando a tensão em seus ombros, fazendo seu corpo relaxar mais e mais a cada segundo.
A conversa havia cessado, e restou apenas aquele carinho preguiçoso. Aos poucos, Victor percebeu que a respiração dela tinha ficado mais lenta e profunda.
Aki havia adormecido.
Seus traços suaves estavam ainda mais serenos assim, com os lábios levemente entreabertos e as mãos repousadas sobre a barriga. Victor continuou com o carinho nos cabelos dela, como um gesto automático de quem não queria acordá-la.
O mundo lá fora seguia barulhento, iluminado e apressado. Mas ali, naquele sofá, tudo parecia quieto e no lugar. Victor a observou por mais um tempo, enquanto pensava:
“Tenho realmente sorte de ter te encontrado, Aki…” — Vários pensamentos semelhantes invadiam sua cabeça.
Ele divagou por muito mais tempo do que pensou, e quando percebeu, já estavam mergulhados na madrugada. Então, se levantou, tomando todo o cuidado possível para não acordá-la.
Depois de muito esforço para não atrapalhar o sono dela, ele conseguiu carregá-la até o quarto. Empurrou a porta semiaberta com o pé, enquanto passava com cuidado para não esbarrar o corpo dela numa das paredes.
O quarto que, agora, ele já conhecia bem, estava como sempre. As paredes de tom creme com detalhes florais próximos ao teto. A cortina branca, tapando a janela. A cômoda com algumas coisas em cima, como perfumes e brincos.
A cama, de casal, estava levemente bagunçada, e ele ajeitou o corpo dela com cuidado. Após cobri-la, se levantou. Antes de sair, observou a garota uma última vez e ajeitou uma mecha de cabelo que caía sobre seu rosto.
Quando, finalmente, virou-se, sentiu sua blusa ser puxada e um sussurro: — Victor, fica aqui… só mais um pouco… — A voz manhosa e sonolenta soou como um alarme para Victor, que não resistiu ao pedido.
— Tá bom, eu fico… — Ele sentou-se ao lado dela, ajeitando o corpo, encostado na cabeceira. Novamente, voltou a brincar com os fios de cabelo dela.
O coração de Victor estava agitado, muitos pensamentos passavam por sua cabeça. O quão linda ela era, seus olhos, seu sorriso, tudo parecia se encaixar perfeitamente nela. Mas, entre um pensamento e outro, como uma névoa corrosiva, lembranças dolorosas surgiam.
O brasileiro apenas relutou contra esses, focando seus pensamentos: “Não posso esquecer de quem eu fui, nem de quem eu sou… Não posso mudar o passado, mas posso construir meu futuro…”
Enquanto tentava se concentrar apenas nessa ideologia, para evitar sentimentos negativos, sentia que suas pálpebras estavam mais pesadas, e, pouco a pouco, ele foi ajeitando o corpo, até que, finalmente, estava abraçado com Aki e adormeceu, sentindo o calor que a garota trazia para ele, não apenas fisicamente.
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