Índice de Capítulo

    O veredito já estava decidido em minha mente. No entanto, antes que eu pudesse anunciar, o mago especial gritou primeiro.

    — Como assim? Senhorita Eloyd, que pergunta estranha é essa! Esses canalhas ousaram tentar ferir os companheiros do Visconde Yandel por rancor pessoal! E ainda por cima, numa situação de desastre em que até unir forças seria pouco!

    — Eu não perguntei a você…

    — Julgamento sumário! Não há outra resposta além do julgamento sumário para todos!

    Ao brado do Mago Especial, os rostos dos membros do Clã Sawtooth, que antes observavam amedrontados, empalideceram.

    — Julgamento sumário para todos? Que insensatez é essa! Visconde! Não posso defender o principal acusado. Mas desde tempos antigos, quando o navio toma rumo errado, castre-se a proa. Peço misericórdia.

    Eh, tsk tsk… por isso que os crentes são assim…

    — …O que disse agora? Se pretende insultar o Lorde Heindel…

    — Só falei sozinho! Só falei sozinho!

    Os dois ficaram trocando provocações. No início parecia que o Mago Especial tratava bem a sacerdotisa, mas agora agiam como inimigos.

    — …Isso não é algo com que você deva se meter, para começar. Isso é para o senhor visconde julgar, e o senhor visconde certamente conduzirá o barco na direção certa.

    — Huhu, bem… Eu me pergunto sobre isso?

    “Hmm… eu realmente não gosto dessa situação. Acabar eu tomando partido de alguém, não é isso que eu quero.”

    — Tsc.

    Estiquei a língua e me aproximei do líder do Clã Sawtooth.

    — Últimas palavras?

    — Kkekkek…

    — Então não tem nada…

    — Se você voltar vivo para a cidade, poderia entregar isso aos meus filhos?

    — …Certo, eu entregarei.

    Ao ouvir a permissão, o líder, com olhos injetados de sangue, olhou para mim e, sem pestanejar, pronunciou com voz enraivecida.

    — Meus amados descendentes. Aquele que matou teu pai foi o Visconde Yandel. Não esqueçam nunca desse ódio.

    — …

    — Mesmo que não possam fazê-lo agora, tenham paciência; o momento virá. Mesmo que não matem ele, bastará infligir a mesma dor a seus companheiros, à família, aos filhos que um dia terão…

    — …

    — Qualquer um serve. Se puder devolver a mesma dor, matem e concluam a vingança deste pai.

    — …

    — É só isso que tenho a dizer. Você transmitirá?

    Ao terminar o testamento, ele sorriu com os cantos da boca cobertos de sangue, e os companheiros (temporários) ao redor ficaram furiosos.

    — Que lunático…!!

    — Visconde! Não dê ouvidos a essas bobagens!

    Mas a maldade contida naquela última fala era forte demais para simplesmente ignorar. Eu não pude evitar e perguntei:

    — Fala sério?

    — Parece que estou mentindo?

    Não, não parecia mentira. E justamente por isso eu não entendia. Pedir que eu transmitisse isso aos próprios filhos?

    — Esse animal já cometeu tantos erros…!

    Um dos meus companheiros (temporários) bradou, mas sua frase não chegou ao fim.

    — Tanto faz quem esteja certo ou errado!! De que serve isso tudo?!

    — No instante em que se mancharem de sangue! Qualquer um que seja sobe ao patíbulo, seus idiotas!

    Por um momento, a maldição que jorrou dele dominou a todos solenemente.

    — Mate-me hoje, Bjorn Yandel! Volte à cidade e mate meus filhos, minha esposa, meus irmãos! Se não fizer, um dia…!

    Como uma chama de vela prestes a se apagar, seu grito não concluiu.

    Crrrack!

    Ataquei com o martelo, e assim as últimas palavras que ele tentava proferir ficaram para sempre desconhecidas.

    — …

    — …

    O silêncio que se seguiu foi tão intenso quanto a loucura que o antecedera.

    Ssshhhh.

    Eu escovei o sangue grudado no martelo de leve e fui andando até o vice-capitão. Talvez ele já tivesse pressentido seu destino.

    — Não tenho mais nada a dizer.

    Antes que eu perguntasse qualquer coisa, ele falou primeiro.

    — Não, na verdade eu queria pedir um favor. Peço que meu filho, minha família, não saibam sobre o meu fim.

    — …Por quê?

    — Porque não quero que vivam no inferno.

    Aquela resposta curta deixou meu braço estranhamente cansado. O martelo na minha mão estava pesado. Não, não era o martelo.

    “Não é o martelo.”

    Tec, tec…

    O sangue escorrendo pela ponta do martelo hoje parecia pesar demais.

    — …Entendo.

    De repente me veio à mente um retrato antigo. O retrato que eu vira na bolsa de Hans A. Nele apareciam uma menininha de mais ou menos três anos e uma jovem esposa.

    “Ela já deve ter crescido bastante.”

    Sim, devia ter crescido muito. Talvez a ponto de se perguntar por que não tinha um pai. Talvez, crescendo, começasse a investigar o desaparecimento do pai e, por obra do destino, descobrisse que quem matou seu pai fora o “herói da cidade”. O que faria essa criança então? Pensaria que, por o pai ser saqueador, mereceu morrer?

    — Que porra, como eu saberia isso.

    — …O quê?

    — Levanta, seu filho da mãe.

    Eu ergui o vice-capitão que estava com os olhos fechados como se aguardasse a morte. Não foi uma decisão impulsiva.

    — Não tinha intenção de te matar desde o início. Levanta.

    — A-ah…?

    Segurando-lhe pelos ombros e forçando-o a ficar de pé, ele parecia atônito, sem acreditar. Olhei de relance para os outros membros do clã já dominados e disse:

    — Mesmo que eu executasse todos vocês aqui hoje, ninguém neste mundo teria o direito de me julgar. Essa é a regra tácita deste labirinto.

    Quem tenta matar alguém não tem moral para falar quando o papel se inverte. Contudo…

    — Ainda assim, darei a vocês uma chance! — declarei. — A partir de agora, vocês irão se mover conosco e obedecer às minhas ordens. Assumirão as tarefas ingratas, as tarefas chatas, e serão os primeiros a serem enviados às missões mais perigosas.

    Era, de fato, uma declaração de tratamento quase escravagista.

    — Mas se prometerem suportar esse tratamento injusto, eu garanto que, mesmo retornando à cidade, ninguém levantará esse episódio contra vocês! Eu prometo isso com a honra de guerreiro e meu nome!

    Não houve sequer um breve intervalo entre minha declaração e a resposta.

    — N-Nós faremos…!

    — Por favor, nos dê uma chance!

    A reação óbvia e previsível. Muito mais do que a única forma de salvar a vida; em situação de colapso dimensional, ficar grudado ao nosso grupo, mesmo como escravos, aumentava de longe as chances de sobrevivência…

    — Fizeste uma escolha sábia. Aposto que até Lorde Heindel ficará satisfeito com a misericórdia do Visconde.

    — Muito sensato. Escravos grátis são úteis, se bem administrados!

    Ironicamente, tanto a sacerdotisa quanto o mago especial, que antes se opunham, ficaram satisfeitos com minha decisão.

    — Bjorn…!!

    Com o problema do Clã Sawtooth resolvido, Ainar veio correndo até mim como se esperasse por isso.

    — Temos que encontrar o de cabelo grisalho que me ajudou!

    Ah, é verdade… temos de achar essa pessoa também. Ele salvou nossa Ainar.

    — Alguém sabe algo sobre esse de cabelo grisalho?

    Antes de ir procurar o corpo, perguntei aos membros do clã, mas não obtive muito. Pelo que disseram, o tal de cabelo grisalho também havia se juntado a eles por acaso durante o colapso, assim como Ainar, e ninguém o conhecia.

    — Hmm… Hans? Acho que era mais ou menos esse nome…

    — …O quê?!

    Eu que salvei um tal de Hans? Se fosse assim, a tragédia seria maior que Romeu e Julieta.

    — Tem certeza? Pode garantir a informação?

    — Não, não até esse ponto…! M-Me desculpe. Eu não sei!

    Huh, mencionar esse nome sem poder responder por ele… já me sinto tomado por uma estranha sensação de desconforto e coceira por todo o corpo. Ainda assim, preciso procurar. Mesmo que o verdadeiro nome do sujeito fosse ‘Hans’, não há dúvida de que me concedeu uma dívida de gratidão.

    — Elbein Cutter, vou dar uma saída, mantenha tudo em ordem.

    — Sim, não se preocupe. Assumirei a responsabilidade e ficarei no comando.

    O Mago Especial agia como se fosse o número dois, mas não vi motivo para implicar. Parecia ter certo talento.

    — Vamos, Ainar. É por ali.

    Segui apenas com Ainar, afastando-nos do grupo para procurar pelo labirinto. Não foi difícil. Já tinha visto a estrutura geral no ‘atalho’, e o Labirinto de Larcaz era um lugar que eu já havia enfrentado. Além disso, não ficava tão distante.

    — A-alí! Isso mesmo, era ali…!

    Ao sair da bifurcação, vimos um homem caído, encostado na parede, sem nenhum movimento. Segurava a espada com força na mão direita, enquanto o escudo jazia alguns passos adiante. A couraça de ferro estava atravessada por uma lâmina, e o sangue escuro que a cobria ainda não havia secado.

    — Se esse homem não tivesse me alertado e ganhado tempo, eu já estaria morta! E então, Bjorn, reconhece? Ele disse que tinha recebido ajuda sua antes…!

    — Não sei…

    Sinceramente, não reconheci. O rosto parecia vagamente familiar, mas…

    — Vamos revistar primeiro.

    Felizmente, não demorou para confirmar sua identidade.

    — Um distintivo.

    Todo Aventureiro carrega um. Consultando-o, foi possível obter informações básicas.

    Nível de Aventureiro: 5. Nem alto, nem baixo, suficiente para se manter sozinho, mas sem o peso de alguém decisivo numa expedição. Inclusive, muitos clãs de porte médio exigem pelo menos esse nível para entrar.

    Clã de origem: Bandeira Azul. Eu já havia ouvido falar ao estudar antes desta expedição, mas não era um clã famoso o bastante para saber detalhes.

    Idade: 28.

    E o nome era…

    — Carlson Enderk.

    Não era Hans. Mas eu não me lembrava.

    — Carlson Enderk, Carlson Enderk, Carlson Enderk…

    Repeti o nome, encarando seu rosto. Talvez pelo esforço…

    — E então, lembra?!

    — Ah…!

    Lembrei.

    Carlson Enderk.

    Eu realmente o havia encontrado no passado, dentro do labirinto.

    — Lembrou! Bem, se arriscou a ponto de dar a vida, devia ter sido algo grande!

    Mas, ao contrário do que Ainar pensava, nada assim havia acontecido. Eu o conheci na fenda do primeiro andar, a Caverna Glacial, onde encontrei o Tio Urso e também cometi meu primeiro PK. Carlson Enderk fazia parte daquele grupo.

    Não lembro qual era seu nível na época, mas sua força era comparável à de alguém do meio do segundo andar. Era claramente inexperiente, um novato. Ainda assim, lembro que tinha boa atitude: fazia tudo sem reclamar e se esforçava para contribuir como um membro. Na divisão final das recompensas, não foi ganancioso, e gostei tanto disso que dei a ele uma boa porção extra de pedras de mana. E então…

    — E, e depois?!

    — …Foi só isso.

    — Hã?

    Esse foi o último vínculo que tive com Carlson Enderk. Depois disso, nunca mais nos encontramos. Só agora descobri até seu sobrenome. Ou seja…

    — Estou confuso. Eu nunca lhe dei um favor que justificasse morrer por mim.

    Apenas acrescentei algumas pedras de mana extras na divisão. Se aquilo contasse como favor, era tudo.

    — Hmm… entendo…

    Eu simplesmente não compreendia. Mas talvez, aos olhos de Ainar, que enxergava o mundo de forma direta, fosse diferente.

    — Acho que Carlson deve ter ficado muito agradecido! Por você ter ajudado!

    — Não, mesmo assim, dar a vida por…

    — Esse é o nosso ponto de vista! Carlson era um guerreiro de honra, sabia retribuir!

    — …

    — Mas, como guerreiro, não sabia calcular!!

    — …

    — Se para nós a dívida tem outro valor, o suficiente é pagar em mesma medida!

    As palavras da Ainar me calaram por um momento. Eu queria contestar, parecia não fazer sentido, mas no fim, o incoerente era eu. Acabei aceitando.

    — Sim, pode ser…

    — Decidi! Quando voltarmos à cidade, vou procurar a família de Carlson! Eu mesma cuidarei deles!

    Assim, Ainar juntou todo o equipamento de Carlson e carregou o corpo em seus ombros.

    — Vamos voltar! Com o guerreiro Carlson Enderk!

    Voltamos juntos ao grupo. Eu, vendo Ainar com o corpo às costas, me senti estranho. Como se não entendesse nada.

    “É difícil…”

    Pedras de mana, um extra que, hoje em dia, era só trocado.

    — Acho que Carlson deve ter ficado muito agradecido! Por você ter ajudado!

    Só isso bastou para alguém dar a vida em retribuição.

    — Vocês atrapalharam a caça que planejamos por tanto tempo contra Riakis!

    Só isso bastou para alguém nutrir ódio a ponto de querer matar.

    “É realmente difícil…”

    O mundo em que eu vivo é complexo demais.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (16 votos)

    Nota