Índice de Capítulo

    Anayê sentiu um leve assombro ao perceber que a aberração iria atacar novamente. Pela primeira vez desde o início de seu treinamento, ela estava preocupada com o risco real de perder a vida. E justo na sua missão inicial.

    A massa de carne gosmenta continuou escalando seu braço e alcançou seu ombro enquanto a outra galgava sua perna na altura da cintura.

    A aberração lançou seus fragmentos, mas todos passaram perto sem acertar a ceifadora. Anayê fitou os olhos da criatura e notou o seu descaso: o monstro estava brincando com sua presa, fazendo-a ficar desolada e desesperada.

    Anayê bufou. As aberrações pareciam partilhar do mesmo cérebro sádico.

    Não posso perder a esperança, pensou. Lembrou-se do mestre acertando sua cabeça com o cajado.

    — Acalme a sua mente, garota violeta.

    Seus pensamentos se voltaram para os últimos dois frascos de fluido de oração na sua blusa. Sua mão livre correu e retirou um deles. Anayê arrancou a tampa com a boca e então despejou um pouco do líquido azulado na massa de carne.

    O resultado foi instantâneo.

    Parecia que alguém havia lançado um punhado de farinha ao céu. A gosma se dissolveu em uma nuvem de pó cintilante, dançando no ar antes de desaparecer.

    A aberração pausou seus disparos, incrédula com o acontecido.

    Anayê abriu e fechou mão várias vezes, se sentindo feliz por ter se livrado daquela massa de carne, e então se voltou para a criatura, pronta para a retaliação.

    — Agora é a minha vez!

    Mas o monstro disparou antes e a ceifadora se esquivou. A aberração atacou de novo e de novo, disparando cada vez mais fragmentos a cada desvio de seu alvo.

    Anayê invocou sua adaga no momento em que um pedaço da criatura veio em sua direção e acertou um corte que desfez o fragmento.

    Entretanto, no instante seguinte, a aberração fez um movimento e todos os fragmentos lançados retornaram na direção da ceifadora.

    Anayê usou a rajada de vento com uma potência maior desferindo cortes em todas as direções. Não queria correr o risco de ser atingida por outro pedaço de gosma. Ela precisava guardar o fluido de oração.

    A aberração não parou. Seus lançamentos continuaram com mais intensidade e ferocidade. E depois de quatro disparos, a criatura se movimentava para fazer seus pedaços voarem contra a inimiga.

    Eu preciso encontrar uma brecha, Anayê pensou. Logo o fluido em seu corpo terminaria e precisaria recarregar.

    Assim que o monstro terminou sua sessão de disparos, a ceifadora tomou uma atitude inesperada e correu na direção da aberração.

    A criatura ficou surpresa apenas por um instante e, em seguida, atirou seus projéteis de carne. Anayê rebateu os fluidos com a adaga e então usou a rajada de vento cortante a três passos de distância da fera.

    Milhares de pedacinhos de carne choveram em todas as direções enquanto o que parecia ser o tronco da massa disforme ficou imóvel.

    Os olhos de Anayê percorreram todos os pedaços à procura do coração. Onde foi parar? 

    Então seus olhos violetas foram iluminados por milhares de luzes amarelas contidas em cada um daqueles pedacinhos.

    Anayê estreitou os olhos. Todos eles são o coração?!

    Mas sua atenção foi tomada por outro acontecimento, pois os pedacinhos que caíam se agarraram ao seu corpo e começaram a se expandir.

    Não é possível, ela resmungou em pensamento. Sacou o frasco rapidamente, porém, ficou paralisada ao perceber que eram inúmeros pedacinhos.

    Ao mesmo tempo, o tronco da criatura também começou a se expandir e se recriar.

    Sem tempo para pensar, Anayê jogou o conteúdo restante do frasco em seu corpo todo e imediatamente os fragmentos desapareceram.

    Ela recuou alguns passos e esquivou enquanto a aberração arremessava novos projéteis.

    O coração, eu preciso encontrar o coração. Se espalhasse mais daqueles fragmentos seria bem ruim e agora restava apenas um frasco de fluido.

    Neste momento, as bolhas brancas na massa disforme de carne estouraram e a criatura começou a inchar de forma anormal.

    Anayê franziu o cenho, se perguntando o que o bicho estaria aprontando. A ceifadora praguejou pelo fato de não ter tempo para raciocinar.

    A aberração continuou crescendo até ficar com o dobro do tamanho, uma massa de carne com bolhas brancas de dois metros e meio de altura.

    E então explodiu.

    Anayê agiu por instinto e usou sua habilidade com a maior potência que conseguia. A rajada de vento se chocou com a explosão de carne e causou uma onda de choque que arrancou telhados e portas das casas próximas, inclusive desfazendo o círculo feito pela ceifadora.

    Quando a poeira baixou, Anayê estava do outro lado colocando o corpo de Fenrir numa distância segura enquanto observava que restara apenas o tronco da aberração. Também notou que o fluido em seu corpo tinha esgotado.

    Ponderou como poderia uma criatura ser seu coração e qual atitude tomar em relação. Não podia cortar com a rajada, pois apenas espalharia a carne.

    Ela sacou o último frasco da blusa, fitou o líquido azul e teve uma ideia. Retirou a tampa e tomou apenas um gole do conteúdo.

    O monstro estava retomando sua forma original como a ceifadora já esperava. Veremos como vai reagir agora, pensou e avançou na direção da criatura.

    A fera lançou seus projéteis e Anayê rebateu com a adaga como fizera anteriormente. À poucos passos da aberração, a ceifadora colocou seu plano em prática. Porém, quase ao mesmo tempo, uma massa de carne em formato quadrado do tamanho de uma janela saltou de trás da aberração e se projetou contra Anayê.

    A ceifadora arregalou os olhos, mas era tarde demais para recuar, então jogou o frasco com fluido de oração no monstro enquanto a massa gosmenta acertava o alvo bem no rosto.

    Anayê sentiu o ar faltando de imediato, mas segurou as emoções de desespero que tentavam alcançar o âmago de sua mente. Não conseguia enxergar se seu plano tinha cumprido seu objetivo, e não possuía muito tempo. Concentrou todo o fluido em seu corpo para se manter viva.

    A gosma feita de carne apertou seu pescoço.

    Pôde sentir a poeira no chão.

    Relaxou o pulmão que estava ficando desesperado por ar.

    Pôde sentir o riacho ao longe.

    Era incrível e maravilhoso como todas aquelas coisas transmitiam uma sensação que remetia à ilha flutuante.

    Porém, ao mesmo tempo, também começou a experimentar um arrepio, o medo, o desespero. Mirou nesses sentimentos tão bem conhecidos por alguém outrora habitante da fortaleza de Astaroth. Será que não havia vencido?

    E mal havia pensado nisso, a gosma em seu rosto se desfez e ela caiu, tossindo e ofegando.

    Seus olhos se ergueram e viram a massa disforme se transformando em pó.

    Anayê quase ouviu o mestre dizendo o quanto havia sido imprudente naquela luta.

    Ela sorriu ao pensar nisso.

    E o sorriso ficou maior ao notar que tinha derrotado sua primeira aberração.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota