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    Meu dia tinha acabado de ficar pior. Como era possível isso? Tanta desgraça juntada numa coisa só! 

    Tantos lugares para se sentar, e ela escolhe logo o que está do meu lado? Sendo sincera, eu iria preferir ficar sozinha do que ter apenas essa pessoa querendo falar comigo!

    Ela só quer me irritar nesse ponto. Fica óbvio quando vejo o seu rosto, aquela sua expressão cínica que me faz…

    Cerrei os punhos, segurando toda a raiva que estava sentindo. Não era mais melancolia que reinava em meu peito, mas sim um ódio fervendo.

    Por que ela parece tão burra?

    — Ei, Daiane, não quer vir sentar aqui? — gritou um dos garotos, apontando para a carteira ao seu lado. — Vai ser melhor pra você anotar o quadro!

    Isso!

    Era isso. Só alguém popular chamar ela pra frente! Uma solução simples e que não iria afetar ninguém. Um pequeno flerte que iria tirar esse encosto do meu canto!

    Agora era só ela…

    — Não se preocupe! Vou me sentar aqui. Gosto desse local — respondeu Daiane, dando um sorriso amigável. — Posso garantir que não vou ter problemas de vista!

    Uh…

    É o que?

    O garoto ficou até envergonhado com a rejeição, se contraindo na cadeira e as bochechas avermelhando. Digo, como ela poderia ter rejeitado aquele cara? É uma das pessoas mais bonitas da faculdade, de acordo com o ranking de popularidade.

    — Tch! Você nunca tem tato para as coisas — disse uma das patricinhas, seus cabelos loiros chamando a atenção de toda a sala. Uma maquiagem leve se colocava em seus lábios. De fato, ela era linda. — Venha para cá, queridinha. Eu quero conversar com você sobre a sua maquiagem depois!

    Dessa vez, Daiane nem se deu ao trabalho de abrir a boca, recusando seu pedido com uma balançada de cabeça. 

    — Que?! — Dei um leve grito, mas não o suficiente para atrair toda a atenção. Logo, puxei Daiane pela gravata de sua roupa. — Como você pode rejeitar uma beldade dessas? Ela é tipo… uma das mais desejadas, seja homem ou mulher!

    Ela ficou surpresa com meu repentino puxão, mas se manteve calma diante da situação, tirando a mão da gravata e voltando ao seu lugar.

    — Não ligo. Tenho outras coisas melhores para fazer além de bajular alguém — disse, fazendo biquinho. Ela me olhava como se fosse minha… culpa? Oxi, menina?! — Cê já deve ter percebido que não desistirei tão cedo… Com certeza te farei entrar na Seita… Hehehe…

    — Por favor, pare com essas risadas. Estão começando a ficar muito bizarras, e não é pelo motivo que está pensando.

    — Ainda bem que está ficando bizarra. Encontro-me num treinamento diário intenso para me deixar cada vez mais próxima de uma chefona do crime que vi em um filme. — Ela juntou as mãos, como se estivesse orando. — Juro que um dia me tornarei uma femme fatale!

    Peraí…

    — Por que cê tá chorando? — perguntei. — Nem é… Tch! Que se dane. Não fale comigo.

    Virei-me para o professor, que ainda estava em choque pela decisão de Daiane. Quase como um trauma profundo que o impossibilitava de fazer qualquer coisa, incluindo dar aula naquela sala.

    — O horário já está acabando — afirmou Daiane, olhando para o relógio. — Como você se sente sobre isso?

    — Mas que… Por que o do sotaque de repórter? — perguntei, sabendo que não haveria resposta para isso. — É claro que está acabando. Você deixou o professor tão perplexo que ele nem aula quer dar. Só nos resta esperar o horário e ir para a próxima aula.

    — Ooh… Ele ficou encantado com minha beleza, foi isso? — Um tom sedutor apareceu, algo muito diferente do que havia mostrado.

    — Isso não combina com você, volte ao modo idiota, por favor — respondi num instante. — Só espere que daqui a pouco bate meu horário e você nunca mais vai me ver. 

    O silêncio perdurou por alguns segundos, como se ela não tivesse entendido o que tinha falado.

    — Eh… Como assim? — perguntou, olhando para mim.

    Cruzei os braços, apoiando-me na cadeira.

    — Bem, essa é minha última aula do dia. O cronograma de hoje está bem bagunçado, mas é melhor pra mim… — respondi, minha cabeça indo pras alturas só de lembrar de comer algo.

    — Que…? Mas essa é a primeira aula. A tarde acabou de começar.

    — Só se for pra você. Hoje eu só vim pela aula de física quântica. O resto é moleza! E isso não é uma desculpa esfarrapada para escapar de um trabalho que não fiz — disse.

    — Você vai matar aula, então? Isso é coisa de cobra, hein. Cê deve ser bastante venenosa! — Ela parecia tirar sarro de mim. — Deve ser pior do que cobra cascavel.

    — Isso não é uma música? Cara, você é uma das pessoas mais idiotas que já vi. Quero que me expliquem como isso é possível… Porque tanta burrice em uma só pessoa não dá. 

    Mais uma vez, o silêncio foi aquele que falou mais alto. Toda a sala havia se transformado em um campo de batalha tranquilo, passando as intenções ruins através de olhares matadores.

    Estava acostumada com esse tipo de coisa, é claro. Não é de hoje que recebo esse tipo de tratamento, mas estava preocupada com outra coisa.

    Daiane, uma garota nova, de repente decidiu interagir com outra pessoa de rumores e histórias macabras. Ela já deve ter escutado a maioria, então deve entender com o que está lidando.

    Mas… está acostumada com esses olhares contra ela? Tenho certeza de que não vai ser só aqui nesse espaço fechado, vai transparecer para fora disso, rolando a instituição inteira.

    Ah… 

    — Você tem certeza disso? — falei, olhando em seus olhos. — Os rumores…

    Antes que terminasse, Daiane tampou minha boca.

    — Que se dane os rumores. Eu ainda não te recrutei para minha organização secreta.

    Não era uma “seita” segundos atrás?

    — Eu nunca irei aceitar esse tipo de baboseira.

    Sem cerimônias, o sinal tocou, anunciando o término da aula. O professor ainda continuava parado no palco sem se mover, seu rosto mostrando sinais claros de preocupação.

    Talvez devia ter avisado que não iria fazer nada para ele, mas de nada adiantaria. Alguém acreditaria na palavra de uma assassina? É… eu sei que ninguém acreditaria.

    Peguei minha bolsa, colocando livro por livro dentro dela. Por fim, a pus nas costas, descendo as escadas para a porta de saída.

    Quando Daiane me viu, ela logo arrumou todas as suas coisas numa velocidade de se invejar, mas não o suficiente para alcançar-me.

    Estava saindo pela porta, quando escutei gritos.

    — SCARLETT! — Daiane acenava em minha direção, se aproximando em segundos. — Onde você pensava que ia? 

    — Erm… Pra casa? — retruquei. — E por que diabos você gritou meu nome?

    — … Fiufiufiu… — Tentou imitar o som de um assobio, mas falhou de forma miserável. — Sabe como é, né? Pensei que… 

    — Pensou…?

    — Quer comer algo agora? — disse, sem pestanejar.

    — Não.

    — Eu pago. — Tirou o bloco de dinheiro da bolsa.

    — … Não vou cair em truques tão fáceis assim. — Fechei meus olhos, virando-me para outra direção. — Recusarei seu pedido por hoje, Daiane.

    Por mais que tentasse transparecer meu autocontrole, ele ainda não era forte o suficiente. Eu sabia disso. Se ela, por acaso, oferece—

    — Pago até a cerveja.


    O estabelecimento estava bem cheio naquela hora. Por mais que fosse o meio da tarde, muitos alunos paravam por ali para almoçar ou fazer seu lanche da tarde.

    Era um cardápio extenso, quase como um restaurante dos sonhos, só que na vida real.

    — Então, já decidiu o que vai querer? — perguntou Daiane, sentada na minha frente. — Pode esbanjar à vontade, porque eu vou pagar.

    Olhava para o cardápio chique do local. Por mais que não quisesse admitir, mas nunca estive neste estabelecimento. Aquela seria minha primeira vez.

    É famoso, ué!? Muito óbvio o motivo de eu conhecer a fama do local, ainda mais quando era algo que já sonhava.

    Dormia mansinha quando pensava sobre os pães recheados deste local. As reviews apenas falavam do quão fofinhos e gostosos eram…

    — Scarlett — disse Daiane, interrompendo meu pensamento. — Você está babando.

    Limpei minha boca no mesmo instante, querendo esconder o constrangimento que acabara de passar. O rosto ficou vermelho em toda essa situação.

    — Bem… O que você havia perguntado?

    — Sobre o que você quer comer. Vai querer algo mais simples antes da bebida ou…

    — Com certeza algo mais simples. Sempre tive vontade de comer esses pãezinhos recheados… Será que pode ser? — perguntei, olhando em seus olhos como um cachorro abandonado.

    Daiane não recusou e nem aceitou a princípio, apenas olhou para o cardápio de modo mais sério.

    — É… Acho que esses petiscos são bons para começar essa tarde.

    Ela chamou o garçom, que logo atendeu nossa mesa. Vestia roupas formais e tinha uma postura reta, adequada ao local que servia.

    Logo, mostrou o nosso primeiro pedido, solicitando os mais diversos sabores daquele pãozinho recheado. Estava muito animada!

    Um grande sonho se realizando, como não ficar alegre? Aaaah!

    Por mais que ela já tivesse comprado uma parte de mim com comida, ainda não conseguia aceitar a sua aparição.

    — Ah… Daiane.

    — Pode falar, Scarlett. Por acaso quer entrar em nossa organização super hiper mega secreta?

    Organização?

    É a terceira mudança, já.

    — Não, não é isso — disse. — Tem algo me incomodando muito nisso tudo.

    — Hmmmm… O que?

    — Toda essa situação é meio estranha. Você age como se já me conhecesse e, de alguma forma, eu sinto isso também. É uma familiaridade.

    Ela se calou por alguns segundos, pondo a mão no queixo.

    — Ah…


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