Kalamera se levantou. Com um suspiro exagerado, ela pegou um conjunto de instrumentos e caminhou até Marco, estendendo-lhe um compasso, sextantes e outras ferramentas de medição.

    — Pronto — disse, cruzando os braços com fingida irritação. — Mas que fique claro: essa é a última vez que eu me desvio do projeto inicial para atender seus caprichos.

    Marco pegou os objetos com cuidado, um brilho de entusiasmo nos olhos.

    — Isso vai deixar os mapas estelares ainda mais precisos! Agora só preciso de um espaço aberto para medir o tamanho do planeta. Como Ayas-Kin é uma floresta densa, não tenho como calcular a posição do sol ao meio-dia.

    Kalamera revirou os olhos, mas não conseguiu esconder um pequeno sorriso.

    — E se fôssemos para a praia?

    Marco piscou algumas vezes antes de abrir um sorriso.

    — Isso é uma ótima ideia! Com uma linha reta de horizonte e espaço suficiente para posicionar os instrumentos corretamente, poderemos fazer cálculos muito mais precisos.

    Lou-reen arqueou uma sobrancelha, observando os dois animados.

    — Espero que isso não vire apenas um passeio, Marco.

    Ele riu.

    — Trabalho primeiro, descanso depois. Eu prometo!

    ***

    O sol brilhava forte sobre a areia dourada da praia enquanto a carruagem se aproximava da costa. Marco saltou antes mesmo de ela parar por completo, empolgado com a oportunidade de realizar suas medições estelares.

    Kalamera desceu em seguida, ajustando inconscientemente as próteses ao redor dos braços. Venia saiu depois, mais hesitante, e por último, Lou-reen, que apenas suspirou ao pisar na areia quente, já se arrependendo de ter aceitado a sugestão.

    — E está ensolarado — comentou Marco, observando o céu límpido.

    — Isso facilita seu trabalho? — perguntou Venia.

    — Facilita e muito. Agora só precisamos encontrar um bom lugar.

    O grupo caminhou um pouco até Marco encontrar um ponto estratégico na areia, não muito longe da água. Ele observou a posição do sol e sorriu, satisfeito.

    — Aqui está perfeito!

    Lou-reen cruzou os braços.

    — Ótimo. Então Venia e eu vamos nos trocar.

    Ela deu um tapinha no ombro de Kalamera antes de puxar Venia pela mão indo em direção aos vestiários próximos às rochas. Jenff, que até então observava tudo com um olhar paciente, os acompanhava como uma sombra constante, sempre atento a Lou-reen.

    Marco ainda analisava o solo quando uma voz arrogante interrompeu sua concentração.

    — Vocês estão no nosso lugar.

    Ele levantou o olhar e encontrou os gêmeos Von Smet, Dephredo e Phaedra, observando o grupo com expressões presunçosas.

    — Exatamente — acrescentou Phaedra, jogando os cabelos para trás. — Esse espaço sempre foi nosso. Então saiam.

    Marco cruzou os braços, não recuando como normalmente faria.

    — Isso não parece propriedade de vocês — disse ele. — A areia é de todo mundo.

    Os gêmeos se entreolharam, surpresos pela resposta. Dephredo sorriu de canto.

    — Interessante. Você aprendeu a falar agora?

    Marco revirou os olhos.

    Phaedra arqueou uma sobrancelha e olhou para Dephredo.

    — O que acha, irmão? Vamos resolver isso de um jeito divertido?

    Antes que ele pudesse responder, Jenff interveio com um sorriso sugestivo.

    — Que tal resolvermos isso com um jogo?

    — Um jogo? — repetiu Dephredo, desconfiado.

    — Sim — continuou Jenff, cruzando os braços. — Ignisball. Basicamente, dois times tentam arremessar uma esfera em chamas para o outro lado sem deixá-la cair. Quem errar três vezes, perde.

    Marco sorriu, animado com a ideia.

    — Parece justo para decidir quem fica com o espaço.

    Dephredo riu, ajustando os óculos.

    — Interessante. Espero que estejam preparados para perder.

    Phaedra estalou os dedos, criando uma pequena esfera flamejante na palma da mão.

    — Vamos ver se conseguem lidar com fogo de verdade.

    A bola flamejante quicava levemente na areia, pulsando com a energia da essência primordial. Marco e Kalamera de um lado. Dephredo e Phaedra do outro. A tensão crescia entre eles enquanto o sol brilhava no céu, refletindo no mar azul ao fundo.

    — Espero que não se arrependa disso, Marco. — Phaedra sorriu com arrogância, girando o ombro. — Nós não perdemos nesse jogo.

    — Sempre tem uma primeira vez. — Marco respondeu, ajustando a postura.

    Ele olhou de relance para Kalamera. Ela não parecia totalmente convencida sobre estar ali, mas ao menos havia aceitado o desafio. Suas próteses brilhavam discretamente, adaptando-se para o movimento necessário no jogo.

    Jenff estava à margem, ao lado de Lou-reen e Vênia, agindo como árbitro.

    — Muito bem! As regras são simples! — Jenff ergueu um dos braços. — Nada de usar essência diretamente na bola! Só no próprio corpo! Três toques por time, sem deixar cair na areia. E sem segurar a bola, apenas rebater!

    Lou-reen suspirou.

    — Isso é uma tremenda perda de tempo…

    — Comecem! — Jenff anunciou.

    Phaedra lançou a bola para o alto e a rebateu com força. Ela cruzou o campo em chamas, indo direto na direção de Marco.

    Marco se impulsionou, deslizando na areia, e rebateu com os antebraços. A esfera flamejante foi direta para Kalamera, que usou um de seus braços metálicos para direcioná-la para cima. Marco saltou e deu um golpe com as duas mãos, enviando a bola de volta ao campo adversário.

    Dephredo riu e saltou para rebater. O jogo se intensificou, com a bola sendo passada em velocidade cada vez maior. O calor era intenso e a bola deixava rastros de fogo no ar.

    Os gêmeos eram habilidosos, mas Kalamera logo se adaptou, calculando os movimentos. Ela utilizava seus quatro braços para rebater com precisão e força. Marco começou a perceber os padrões dos adversários, e com seu treino de reação aprimorado por Faey, começou a prever alguns lances.

    — Hah! Não é tão ruim, astronauta! — Kalamera disse entre os pontos.

    A partida seguiu acirrada, ambos os lados se provocando, se adaptando, e o clima de competição crescia.

    A bola flamejante cortava o ar como um meteoro em miniatura, os rastros de fogo refletindo nos olhos determinados de cada jogador.

    Dephredo e Phaedra estavam começando a perder o fôlego. Eles não esperavam que Marco, um estrangeiro sem a mesma criação guerreira, fosse tão resistente. E Kalamera… bom, Kalamera era simplesmente infernal. Seus quatro braços trabalhavam em perfeita sincronia, transformando cada jogada em um ataque implacável.

    O placar estava empatado. Um ponto decidiria a partida.

    Phaedra lançou a bola com toda a força, mirando um espaço aberto na areia. Marco, sentindo o impacto do calor contra a pele, reagiu no instinto. Ele mergulhou, deslizando no solo e, no último segundo, a rebateu para o alto.

    Kalamera não perdeu tempo. Com um giro preciso, usou um dos braços para direcionar a bola para cima e, com os outros, aumentou sua força ao máximo. O disparo foi brutal, mas Dephredo conseguiu bloquear. A bola voltou para o campo deles.

    Era agora.

    Marco viu a trajetória. Seu coração batia rápido, mas sua mente estava em um estado de clareza absoluta. Como no combate, ele leu o movimento antes que ele acontecesse.

    A bola vinha. Ele saltou.

    No ar, Marco girou o corpo e desceu o braço com toda a força que tinha.

    A bola flamejante explodiu para baixo como um cometa. O impacto foi tão intenso que fez a areia se espalhar em todas as direções.

    Dephredo tentou reagir. Phaedra tentou acompanhar, mas a bola bateu no chão antes que pudessem sequer se mover.

    Silêncio.

    — Ponto! — Jenff anunciou, erguendo os braços. — Marco e Kalamera vencem!

    Por um segundo, Marco ficou parado. Então, um sorriso enorme tomou seu rosto.

    — Isso! — Ele ergueu os punhos no ar.

    Kalamera, ao seu lado, deu um pequeno sorriso satisfeito.

    Do outro lado, Phaedra cruzou os braços, bufando.

    — …Isso foi sorte.

    — É, claro. — Marco riu, limpando o suor da testa. — Podemos jogar de novo, se quiserem tentar a sorte de novo.

    Dephredo resmungou algo ininteligível.

    Lou-reen, que assistia de braços cruzados, suspirou.

    — Vamos ver se ele tem essa mesma energia no treinamento real.

    Vênia, ao seu lado, sorriu levemente.

    Jenff bateu no ombro de Marco.

    — Admito, eu não esperava isso. Mas foi um belo final.

    Marco apenas respirou fundo, sentindo a adrenalina diminuir. Pela primeira vez desde que chegara a Taeris, ele não era só um astronauta perdido em meio a guerreiros.

    Ele era um competidor. E, dessa vez, ele venceu.

    ***

    Marco ajustou cuidadosamente o sextante, os olhos fixos na esfera brilhante do sol ao meio-dia. Ao seu lado, a esfera de selenita emitia um brilho pulsante enquanto transmitia a comunicação com Maera, que realizava o mesmo experimento a 1600 km dali.

    — Conseguiu uma leitura clara? — perguntou Maera, sua voz ecoando suavemente pelo artefato mágico.

    — Sim — respondeu Marco, conferindo os números novamente. — Aqui o ângulo medido foi de 74,7 graus.

    — O meu ficou em 70,0 graus — informou Maera.

    Marco sorriu, empolgado. Ele pegou um pedaço de pergaminho e anotou rapidamente, refazendo as contas mentalmente. Usando a distância entre os dois pontos e a diferença angular, o resultado era claro.

    — Maera… Asteris tem aproximadamente 61.000 quilômetros de circunferência! — declarou ele, mal contendo a empolgação.

    Kalamera, que observava de braços cruzados, arqueou uma sobrancelha.

    — E isso é muito ou pouco?

    — Comparado ao que conheço, é bem maior do que eu esperava — explicou Marco, os olhos brilhando. — Isso significa que o planeta é imenso! Se tivermos mais pontos de medição, podemos até estimar sua composição interna e sua densidade.

    Lou-reen, que estava um pouco afastada, apenas suspirou.

    — Desde que isso não envolva mais bolas em chamas, eu não me oponho.

    Jenff riu.

    Marco segurou a esfera de selenita com mais firmeza.

    — Maera, isso foi apenas o começo. Vamos continuar expandindo o conhecimento sobre Asteris.

    — Com certeza! — Maera concordou. — Incrível. Você acabou de calcular o tamanho de um mundo inteiro com apenas uma sombra e um pouco de matemática.

    Com isso, Marco guardou os instrumentos, contemplando a vastidão do céu. Pela primeira vez, sentiu que seu sonho de explorar os mistérios do universo não estava tão distante assim.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota