Capítulo 99: Brisa Suave
Uma brisa ainda passava de leve enquanto permanecíamos sentados na beira do rio. Yuki estava ao meu lado, olhando a água passar com um sorriso tranquilo.
Um sorriso real, um sorriso que aquecia meu peito.
O vento bagunçava seus cabelos de leve, mas ela nem se importava. Pela primeira vez em muito tempo, seu olhar tinha brilho. Um brilho calmo, suave.
Observei em silêncio por alguns segundos, guardando aquela imagem comigo, até que olhei as horas no celular.
— Ah, já tá ficando tarde… — murmurei, guardando de volta no bolso.
Ela assentiu, sem pressa, sem tirar o olhar do rio. O sol começava a descer lentamente no céu, e uma boa brisa passava por entre nós. Eu me levantei e estendi a mão pra ela.
— Vem, eu te ajudo.
Ela aceitou, e logo peguei a sua mão, que estava morna. A puxei com cuidado, e Yuki se levantou devagar, ajeitando o equilíbrio com as muletas.
— Quer que eu te leve nas costas de novo? — ofereci, com um meio sorriso, sem pensar muito.
Mas ela balançou a cabeça, firme, com um olhar diferente.
— Obrigada… mas não precisa. — E sorriu. Um sorriso confiante, com algo novo por trás. Ela logo ergueu um dos seus braços e sorriu. — Me sinto até com mais força agora!
Fiquei surpreso, mas no melhor sentido possível. A voz dela estava mais animada, segura. O corpo ainda se apoiava, sim… mas era como se, por dentro, ela estivesse mais inteira.
Como se algo realmente tivesse mudado por dentro dela.
— Que bom — respondi, sorrindo também. — …Mas se cansar, me avisa.
— Pode deixar — disse ela, dando um pequeno passo à frente com a muleta.
Começamos a caminhar lado a lado pela calçada estreita. O som do rio ainda ecoava atrás de nós, acompanhando-nos por mais um tempo. Acabei me lembrando daquela cena, novamente.
Da dor nas suas lágrimas.
Mas, naquele instante, ela andava com o queixo erguido. Algo tinha mudado mesmo.
“Que bom.”
Continuamos caminhando em silêncio, até que ela quebrou com um comentário:
— Eu não fazia ideia que você gostava de rios — comentou Yuki, com curiosidade na voz.
Olhei de canto, pego de surpresa. Cocei a nuca um pouco envergonhado.
— É… é meio bobo, talvez. Mas eu gosto deles — murmurei, desviando o olhar.
— Hmmm…
— Eu ia bastante quando era mais novo. Quando queria pensar, ou só… fugir um pouco. — falei, erguendo o olhar para o céu. — Sempre foram lugares tranquilos pra mim.
— Entendi. — Ela sorriu, olhando pro céu também. — É um bom lugar mesmo. Hoje… me ajudou muito.
Continuei andando em silêncio por alguns instantes, apenas observando como ela estava melhor. Andava devagar, claro, mas os olhos brilhavam de um jeito diferente. Não mais carregados de peso, pelo menos, não tanto quanto antes.
E isso era o suficiente pra fazer meu peito aquecer.
Foi então que senti algo puxando a minha camisa.
Olhei de lado, surpreso. Yuki estava me encarando, ou melhor, estava com os olhos brilhando em direção a algo mais pra frente.
Segui seu olhar.
Era um quiosque de sorvete, com uma pequena fila na frente e uma placa de madeira anunciando sabores como morango, chocolate, baunilha com calda quente e crepes também.
O brilho no olhar dela era quase infantil.
— Shin… — ela murmurou, se inclinando levemente na minha direção. — Vamos ali!?
— A-ah… — eu congelei por meio segundo. A proximidade, o jeito como ela segurava minha camisa… tudo fazia meu rosto esquentar. — Claro, vamos…
O rosto dela iluminou na hora. Ela apertou meu braço com leveza, quase me puxando pelo caminho até a fila, enquanto se apoiava nas muletas, com aquele mesmo entusiasmo despreocupado que fazia meu coração acelerar.
Na fila, Yuki olhava todas as opções com uma alegria contagiante.
— Tem sorvete de melão! Você já viu isso!? E olha esse com marshmallow… E esse crepe gigante! Nossa, parece tão bom! — ela dizia, sem parar de olhar todas as opções na placa.
Eu só conseguia rir. Não só da animação, mas do quanto ela parecia viva, muito mais leve.
— Parece até que você reviveu.
— É mesmo? — ela respondeu, rindo timidamente.
Quando chegou a nossa vez, eu escolhi um sorvete de caramelo salgado, algo mais simples.
Já Yuki ficou analisando por uns bons segundos até finalmente decidir por um crepe com sorvete, chantilly, morango e uma boa cobertura de chocolate.
Ela ia dar conta?
— Esse, por favor! — disse ela, quase vibrando.
— Uau… — comentei, olhando para aquilo tudo enquanto estava sendo preparado. — Vai conseguir comer tudo?
— Eu treino pra isso — Ela piscou pra mim, parecendo orgulhosa.
Saímos dali com nossos pedidos em mãos e procuramos um lugar. Logo encontramos um banco de madeira debaixo duma sombra de uma árvore, e sentamos lado a lado.
Enquanto comia, Yuki começou a falar, sem parar um único segundo.
Contou sobre os tipos de crepe que já viu em lojas, sobre um que vinha em formatos diferentes, sobre os sabores que apareciam só em épocas específicas e até sobre uma vez em que tentou fazer um em casa e quase queimou o dedo na frigideira.
Eu escutava tudo, rindo às vezes. Mas não tanto pelas histórias. Era pelo jeito como ela falava. Pela forma como os olhos dela brilhavam a cada detalhe simples, como se tudo fosse novidade.
Até que ela parou de repente, com uma expressão um pouco tímida. Ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para o crepe quase como se tivesse esquecido que o segurava, e suas bochechas logo começaram a ganhar um tom avermelhado.
— Ah, desculpa… tô falando demais, né?
— Não mesmo — respondi, sorrindo enquanto lambia meu sorvete. — Pode continuar. Tô ouvindo tudo.
Ela baixou os olhos por um instante, respirou fundo e murmurou
— Entendo… É só que eu me sinto… mais leve agora. — Ela olhou para o crepe e logo desviou, fixando o olhar no chão. — Como se… como se o rio tivesse conseguido tirar o peso dos ombros de verdade.
Ouvir aquilo foi um alívio grande para mim.
Um alívio quente me preencheu por dentro, como se ter levado ela até o rio tivesse sido uma decisão perfeita. Não consegui evitar o pequeno sorriso que se formava no meu rosto.
— Entendi… fico feliz, de verdade. — disse, olhando pra ela.
Ela levantou o rosto, e me olhou daquele jeito que só ela conseguia olhar, aquele olhar doce, cheio de gratidão e carinho. E sorriu.
Um sorriso tão… tão quente que quase fez meu coração saltar pela boca.
Foi nesse exato momento que esbarrei o queixo no meu sorvete. Senti minha pele esfriar levemente.
Foi então que…
— Ah — ela se inclinou um pouco na minha direção. — Você se sujou aqui, olha…
Ela levantou o braço e, com o dedo, limpou o ponto do meu queixo onde o pedaço de sorvete tinha escorrido.
O toque dela… foi suave, leve. E… direto. Minha mente congelou, meu rosto também. Meu corpo inteiro, na verdade. O mundo parecia ter desacelerado naquele momento.
“Ah!”
Yuki, por outro lado, percebeu o que fez só depois de um segundo. E então, o rosto dela ficou vermelho na mesma hora.
— A-ah, d-desculpa! Eu só… foi, me distraí! — ela entrou em pânico, quase deixando o crepe cair da mão.
— T-tudo bem…! — respondi, talvez alto demais. Era como se o sol da tarde tivesse decidido focar apenas em mim naquele momento…
Ficamos os dois em silêncio por um tempo, apenas comendo. Tentando fingir que aquilo não tinha acontecido. Mas eu ainda sentia onde ela tocou. E o coração… não desacelerava.
O céu logo estava quase todo azul escuro, com ainda alguns tons de rosa no céu.
— Acho melhor começarmos a ir — comecei, olhando pro céu.
Ela assentiu, então nos levantamos e logo começamos a caminhar lado a lado.
Nenhum de nós dois disse muito. A caminhada foi preenchida por um silêncio, mas não era um silêncio desconfortável, longe disso.
Era cheio… de tudo o que foi dito, e do que não precisava ser dito.
Demorou algum tempo, mas quando nos aproximamos da rua dela, Yuki começou a diminuir o passo.
— Ah, já estou chegando… — Ela começou, parando.
Ela virou o corpo levemente pra mim, ainda apoiada nas muletas. O céu atrás dela já estava escuro, mas ainda levemente claro.
— Obrigada, Shin. Por hoje… por tudo que você fez.
Fiquei parado por um momento com as mãos no bolso.
— Eu só… fiz o que achei que devia fazer. — Cocei a nuca. — Não foi nada demais.
Ela soltou uma risadinha curta, e fez um gesto com a mão como se dissesse “deixa de ser bobo” ou algo assim.
— Sim, sim…
E então ela ficou em silêncio. Por um momento achei que iria se despedir, mas parou, como se estivesse… reunindo coragem.
As bochechas dela ficaram levemente vermelhas, e o olhar se fixou no chão.
— Mas… — começou, num tom mais baixo. — Quando for você quem estiver carregando um monte de coisas… e não souber o que fazer com tudo isso…
Ela hesitou um segundo, mas então levantou o rosto.
— Pode me chamar, tá?
Meu coração disparou por algum motivo. Os olhos dela ainda evitavam os meus, mas o sorriso… aquele sorriso estava ali.
Um sorriso caloroso e… sincero.
— Eu também posso carregar os seus pesos. Se você deixar.
Fiquei ali, parado, tão surpreso que quase esqueci de como responder.
Fui pego completamente desprevenido.
— E-eu… sim, tá. Claro.
Ela assentiu levemente, sem dizer mais nada. Começou a caminhar até o portão da casa, seus passos lentos e suaves, e, antes de entrar, virou o rosto por cima do ombro e olhou para mim.
— Boa noite, Shin.
— Boa noite, Yuki…
Fiquei parado ali por alguns segundos. Só vendo ela desaparecer por dentro da porta. Então olhei pro céu, que já estava escuro junto de algumas estrelas brilhantes no céu.
Ela realmente parecia mais leve, mais viva. O sorriso que ela deu naquela noite… era quente e gentil. E de alguma forma, ainda disposta a carregar o peso dos outros junto com o dela.
Claro, nem tudo tinha ido embora.
O que ela sentia… ainda estava ali, em partes.
Mas só o que ela deixou ir, já era bastante coisa.
E por enquanto… era o suficiente.
Suspirei, coloquei as mãos nos bolsos e comecei a andar sem pressa. As ruas estavam mais calmas, com algumas vitrines ainda acesas. Carros passando ao longe enquanto pessoas voltavam para as suas casa.
Uma brisa suave da noite tocou meu rosto. E mesmo sem ninguém por perto… sorri.
Um sorriso meio bobo.
Yuki era realmente uma pessoa incrível.
E cada vez mais… eu tinha certeza disso.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.