— Que erro estúpido eu cometi… Heeh! — suspirando, Arthur disse em meio ao inferno glacial que o cercava.

    Não importava por onde seus olhos se esgueirassem, sua visão apenas captava neve e árvores cobertas por ainda mais neve.

    O vento frio consumia a carne de qualquer um que entrasse naquela região abandonada pelo calor, ardendo a pele e sufocando os pulmões.

    Era como uma tortura acometida aos corajosos. Mais especificamente, uma tortura para Arthur.

    Mesmo que seus anos de caça e treino o dessem resistência acima da média, além de uma disposição maior para suportar dor, ainda era desconfortável ser congelado vivo.

    “Sinto como se pudesse virar uma estátua de gelo apenas por ficar parado por alguns segundos.”

    Como se para zombar de sua situação patética, Arthur também não conseguiu localizar nem o mais ínfimo dos rastros do Lince das Neves.

    Se culpando por ter saído sem terminar de ouvir as explicações de Lya, ele se lembrou das horas perdidas andando em círculo.

    Não importava por onde andava ou o quanto observasse o ambiente, não encontrou nenhum sinal do monstro.

    Sua situação se tornou ainda mais precária quando uma tempestade de neve atingiu a floresta, a transformando em uma tela em branco.

    Qualquer rastro do Lince havia sido possivelmente apagado pela neve que caia como gotas de chuva.

    — Não tem jeito, só me resta agora explorar a floresta até encontrar algo — sua voz ecoou pelo bosque pálido, morrendo no horizonte.

    A noite permanecia tão poderosa como nas horas anteriores, afogando o mundo em pura escuridão. Nem um único ponto de luz era visível, fora a lua.

    Os galhos se projetavam como mãos que buscavam desesperadamente agarrar o calor de Arthur em meio ao vazio do lugar. E para seu infortúnio, as tentativas se tornaram êxitos.

    Conforme seus passos mórbidos rastejavam pela neve fofa, a umidade se esgueirou por entre as frestas de sua botina, se impregnando também em suas roupas.

    Mesmo treinado, o corpo humano não poderia suportar tanto frio. Isso se mostrou uma realidade crua quando Arthur começou a ofegar em busca de oxigênio.

    Se apoiando em uma árvore, olhou distraidamente ao redor em busca de algo enquanto lutava para respirar. Não apenas o frio, como também uma sensação de vazio se apoderou de seu peito.

    Mas não importava como olhasse, estava sozinho. Nem mesmo uma formiga sobreviveria àquelas condições deploráveis.

    Era simplesmente desafiador demais.

    — Por que não busquei ouvir as informações de Lya? Não havia necessidade de tanta pressa…

    Restou ao homem apenas se culpar por suas escolhas precoces, o vazio em seu peito ganhando espaço paradoxalmente.

    O frio atrapalhava sua busca, de fato, mas o temor de falhar perante as expectativas da figura mais importante em sua vida foi um baque enorme para Arthur.

    Ele não podia se dar ao luxo de falhar. Havia tanta coisa em jogo… seus desejos moribundos de construir um mundo melhor, de aliviar o medo de Aurora quanto ao culto… e de se vingar.

    A mão que o apoiava no tronco firmou seu aperto sobre a casca de madeira, um rangido ecoando pelo ambiente quieto.

    Não havia tempo para se perder, e sabendo disso, Arthur continuou seu caminhar em busca do Lince das Neves. Atrás dele, uma cratera na forma de sua mão residia na robusta árvore.

    Mas mesmo com sua motivação reacendida, encontrar qualquer sinal do monstro se mostrou muito difícil.

    A floresta que contornava Veldoren era simplesmente grande demais para se explorar em uma única noite, ainda mais com as tempestades recorrentes.

    Mas sabendo que não poderia ceder ali, continuou sua busca.

    E como se para recompensar sua tenacidade, o mundo finalmente o revelou uma pista.

    — Poderia ser…? — perguntou incrédulo para ninguém em específico.

    Marcas de garras se projetavam no chão da floresta com inúmeras árvores despedaçadas ao redor.

    Se aproximando dos resquícios de um antigo bosque, Arthur se ajoelhou perto de uma das marcas. Para sua surpresa, os buracos criados pelas garras eram enormes.

    — É maior que duas Auroras de altura… talvez quatro metros?

    Erguendo seus olhos azuis do rastro de destruição massiva causada pelo Lince das Neves, Arthur observou seus arredores à procura de mais informações.

    Pelas marcas, era perceptível que o monstro estava enfurecido. As árvores retorcidas até poderiam contar sua versão, mas infelizmente estavam mortas.

    Linces das Neves eram animais cautelosos, pelo que Arthur se lembrava. Mesmo que nunca os tivesse confrontado diretamente, sabia que trabalhavam melhor com emboscadas.

    — Alguma coisa está errada… — disse enquanto observava novamente as marcas no chão.

    Elas mostravam o estado enfurecido do animal, mas não faziam sentido algum. Não havia motivo aparente para um lince agir tão abertamente.

    “Talvez estivesse caçando algo?”, se questionou.

    Concluindo que não encontraria mais nenhuma pista útil ali, olhou uma última vez para o cenário caótico antes de retomar sua busca.

    Com a adição de um estado possivelmente enlouquecido do monstro, Arthur decidiu explorar por perto daquela área em busca de outro rastro. Mas enquanto andava, um vulto roubou sua visão.

    O que parecia ser o corpo de um animal — pelo menos o que havia sobrado dele — sujava o branco imaculado da neve com sangue viscoso e carmesim.

    Não havia uma forma, apenas uma massa pura de carne e ossos retorcidos e rasgados como pano velho. Os últimos momentos daquilo não pareceram muito agradáveis.

    Conforme observava o animal, Arthur notou um fato impressionante: mesmo que o corpo do animal estivesse irreconhecível, seu estado ainda era bom demais.

    “Quero dizer, se um monstro com vários metros de altura te ataca, não deveria sobrar nada. Mas aqui há um corpo com a maior parte de seus membros, mesmo que destruídos.”

    Levado pela curiosidade, o jovem colocou a mão sobre o corpo do animal. Imediatamente, sua expressão escureceu.

    Em um ato hediondo, sua mão se aproximou da suposta barriga fatiada do cadáver. Através da carne dilacerada, o intestino do animal vazava numa visão enjoativa.

    Então, em um movimento sem hesitação alguma, ele a mergulhou dentro do animal, agarrando seus órgãos internos. Com isso, um fato se tornou ainda mais evidente.

    — O corpo ainda está quente…

    O animal havia sido abatido a pouco tempo. Levando em conta o frio ridículo que impregnava a floresta, não haviam se passado nem cinco minutos desde o abate.

    “Cinco minutos…”

    Lentamente, retirou sua mão da barriga do animal, a limpando em sua roupa calmamente, como se não possuísse nenhuma preocupação.

    Após ajeitar sua roupa com algumas batidinhas para limpar a neve de seus ombros, sua mão direita desceu até o cabo de sua espada embainhada.

    E com um movimento sútil, a prata pura da lâmina se revelou ao mundo, iluminando a escuridão através da luz do luar que refletia na lâmina.

    “Como não percebi isso antes? Que tolo eu sou…”

    Um sorriso fraco surgiu nos lábios finos de Arthur conforme chegava a uma conclusão óbvia, mas que havia passado despercebido por ele.

    “Primeiro um animal que, apesar de abater suas presas com emboscadas, agiu de forma incomum e causou uma cena. Depois, o aparecimento de um corpo muito longe de onde havia acontecido a ‘caça’. E por fim, um corpo abatido a poucos minutos.”

    Firmando seu aperto sobre o cabo de sua espada, virou-se em direção ao breu da floresta. Seus olhos percorreram o cenário noturno em busca de algo.

    “Só há uma única resposta plausível para essa situação…”

    E entre a escuridão, uma região ainda mais escura chamou sua atenção.

    Entre as árvores, ela se mostrava ainda mais densa do que os arredores, tão bem escondida que o jovem caçador teve que forçar seus olhos para encontrar.

    Olhando brevemente para sua espada, Arthur balançou a cabeça antes de a embainhar novamente em seu quadril. Concluiu que não havia motivos para a utilizar naquele momento.

    Pegando uma pedra redonda no chão, ele a analisou por um instante. Era uma boa pedra para se arremessar, e isso seria o suficiente.

    Enquanto seus olhos contemplavam a escuridão perpétua no horizonte da floresta, sua mão apertou fortemente a pedra. Em um movimento rápido demais para ser captado por olhos humanos, ele arremessou o objeto.

    O ar se rompeu conforme a pedra o rasgava, provocando um chiado ensurdecedor na floresta. Pouco tempo depois, o som morreu, dando lugar a outra coisa.

    RWAAR!

    Um rugido gutural tremeu a floresta, expelindo dor e fúria.

    “A única resposta… é que eu era quem seria emboscado.”

    Dentre as árvores, uma criatura horripilante se revelou ao mundo. Sua aparência tão distorcida poderia causar temor no mais valente dos homens.

    A cor de seus pelos eram tão brancas quanto a neve, como se qualquer vestígio de vida tivesse se esvaído no ser horrível que se tornou.

    Parte de seu rosto era mero crânio e carne podre expostos, possível resultado da mutação por mana. Larvas se moviam pela região, fartando-se do banquete nojento.

    Mas o mais marcante em sua aparência não eram os incontáveis resultados de uma mutação falha, como pedaços de carne da criatura expostos, mas sim suas armas.

    Para Arthur, que nunca havia encontrado uma fera tão medonha e grande, apenas fascínio tomou sua face enquanto observava as presas e garras afiadas do Lince das Neves.

    — Impressionante… imagino o que poderia fazer com sua pele — observou o jovem, admirado com tamanha grotesquidade.

    Reagindo a zombaria aparente de Arthur, o Lince das Neves saiu de seu esconderijo, tolamente abandonando seu principal modo de caça.

    Olhando com olhos serenos para a fera que destruía inúmeras árvores a cada passo que dava em sua direção, o jovem espadachim confiantemente sacou sua espada.

    — Se você está tão ansioso por nossa dança sangrenta, por que não aceitar seu convite?

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