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    Não tinha acabado.

    Quase no instante em que as palavras de Hu Li foram ditas, Yu Sheng percebeu exatamente ao que ela se referia com “não tinha acabado”.

    Ele ouviu rugidos caóticos e sobrepostos vindos da floresta densa e um vento assustador e oco que ecoou subitamente pelo vale. A aura sinistra e bizarra que permeava todo o Domínio Anômalo não diminuiu com a morte do monstro de carne; pelo contrário, tornou-se várias vezes mais intensa. Uma malícia pesada, quase estagnada, e uma sensação de estar sendo observado surgiram de todas as direções, como se algo tivesse sido despertado e estivesse entrando em fúria.

    “Que diabos é isso?!”, perguntou Yu Sheng apressadamente para a garota-raposa, que parecia saber de algo.

    “Não sei, mas ele… já apareceu antes”, disse Hu Li com o rosto cheio de pânico, escondendo-se atrás de Yu Sheng. “No dia em que o Sábio… morreu, foi assim. Algo acordou, e o Sábio levou os outros para… fora. Ele não voltou. Depois, só encontraram o corpo…”

    O corpo da garota-raposa tremia levemente enquanto ela abaixava a cabeça. “Papai e mamãe… me esconderam num buraco, não me deixaram olhar para fora. Eu não sei… o que era. Quando eu saí, todos já estavam mortos…”

    Yu Sheng rapidamente entendeu a situação a partir do relato confuso e fragmentado de Hu Li.

    A coisa verdadeiramente aterrorizante neste vale não era aquele monstro de carne!

    Ou melhor, não era apenas aquele monstro de carne. Algo muito mais poderoso dormia nas profundezas daquela escuridão e, desde que ele e Aileen entraram no vale, essa coisa provavelmente já estava despertando lentamente.

    Yu Sheng cerrou os dentes e, após uma rápida avaliação, correu em direção a Aileen, que não estava longe.

    “Não podemos continuar lutando”, disse ele rapidamente. “Há algo ainda mais sinistro neste vale. Plano B: vamos recuar primeiro, eu abro a porta. Como você está? Consegue se mover?”

    Aileen tentou se apoiar no chão com as mãos para se levantar, mas assim que fez força, ouviu-se um leve estalo. Seus braços se partiram na altura dos cotovelos. As partes quebradas caíram no chão e se estilhaçaram.

    “Não consigo. E minhas pernas também estão danificadas. Se eu forçar para ficar de pé, provavelmente vão quebrar também”, a pequena boneca ergueu os braços, frustrada. “Eu disse que essa coisa que você fez não era resistente… Você misturou areia na argila, não foi?”

    Para ser sincero, no instante em que viu os braços de Aileen se quebrarem, Yu Sheng ficou genuinamente assustado. Afinal, ele nunca havia lidado com uma boneca viva antes e não sabia a gravidade da situação. No entanto, ao ouvir a queixa de Aileen, ele se sentiu instantaneamente aliviado. “Dá para consertar, certo?”

    Aileen assentiu. “Dá, mas definitivamente preciso voltar.”

    Yu Sheng suspirou aliviado. Vendo que Aileen não conseguia mais se levantar sozinha, ele tirou a moldura das costas da pequena boneca, ajustou a fivela da corda e a colocou em suas próprias costas. Em seguida, estendeu a mão e pegou Aileen no colo, sentando-a em seu braço esquerdo.

    Aileen protestou um pouco, parecendo achar a situação um tanto vergonhosa, mas uma boneca de braços quebrados não tinha nenhuma força de intimidação. No final, ela só pôde se aquietar e sentar-se obedientemente no braço de Yu Sheng.

    Com a mão direita livre, Yu Sheng tateou o ar. Após um breve momento de concentração, uma porta flutuante com brilhos ilusórios apareceu na ponta de seu braço.

    Ele notou que os três estranhos que surgiram do nada (o jovem, por algum motivo, parecia um pouco familiar) lançaram olhares estranhos no momento em que o viram abrir a porta, todos fixando a atenção nele.

    Mas ele não teve tempo para pensar nisso. Confirmando que a passagem estava estabelecida, ele puxou a porta ilusória.

    Do outro lado da porta estava a sala de estar da Rua Wutong, 66.

    “A passagem segura está aqui, todos recuem rápido”, disse Yu Sheng apressadamente. “Antes que aquele monstro se regenere!”

    Ele olhou para a garota-raposa, que estava parada a uma curta distância, parecendo nervosa e hesitante. “Hu Li, você primeiro. Não tenha medo, o outro lado da porta é seguro.”

    Em seguida, virou-se para Li Lin e os outros dois. “Vocês três, embora eu não saiba quem são, obrigado pela ajuda. Venham comigo.”

    Incentivada por Yu Sheng, Hu Li finalmente tomou coragem e se aproximou, caminhando em direção à porta ilusória.

    Contudo, no exato instante em que ela estava prestes a tocar a passagem, um assobio estranho veio de repente de não muito longe. Logo em seguida, Yu Sheng sentiu uma rajada de vento atacá-lo por trás!

    Inúmeras informações, vindas de uma fonte desconhecida, inundaram sua mente: vários olhares focados nas ruínas do templo, perspectivas que se estendiam do céu distante e das profundezas do vale, uma sensação tátil caótica e fria e… a alegria da alimentação iminente.

    Yu Sheng virou-se bruscamente e viu que um monstro de carne havia surgido na escuridão na beira das ruínas. A parte central da criatura se abriu de forma horrenda, e uma longa língua, afiada como uma flecha, disparou de dentro, perfurando seu peito em um piscar de olhos.

    Ele só teve tempo de empurrar Aileen para o lado. Sem qualquer chance de desviar, seu coração foi perfurado pelo golpe.

    ‘O monstro já se regenerou? Tão rápido? Ou será que… é outro?’

    Várias perguntas passaram pela mente de Yu Sheng em um instante. Enquanto sua consciência mergulhava rapidamente na escuridão, ele ouviu os gritos apavorados de Hu Li, o berro de Aileen e o uivo da matilha de lobos.

    A porta ilusória no ar piscou duas vezes e se dissipou rapidamente. O corpo de Yu Sheng caiu para trás. Em sua visão distorcida e escurecida, ele viu camadas sobrepostas de sombras flutuando na beira das ruínas. No fundo de cada sombra trêmula, um monstro de carne e osso se formava lentamente. Inúmeras bocas gigantes e gananciosas se abriam por todo o vale, a floresta distante estava cheia de tentáculos caçadores, os picos das montanhas distantes exibiam presas afiadas e o céu… estava lentamente se abrindo com uma fenda na borda.

    “Benfeitor!!”, Hu Li foi a primeira a se atirar ao lado de Yu Sheng. Embora já o tivesse visto morrer e voltar à vida, sua mente confusa obviamente não conseguiu processar a situação. Vendo Yu Sheng cair, sua primeira reação foi de puro pânico. “Você… você… como você está…”

    “Como ele poderia estar? É óbvio que ele morreu!”, a voz alta de Aileen interrompeu rapidamente o chamado da garota-raposa. A pequena boneca, caída no chão, movia-se com dificuldade. “Não deve ser a primeira vez que você vê isso. Acalme-se!”

    Hu Li ficou paralisada por um momento. Sua mente lenta e caótica finalmente processou a informação, e ela olhou fixamente para o corpo de Yu Sheng.

    A garota-raposa franziu o rosto, com uma expressão de quem queria chorar, mas sabia que não precisava, embora sentisse que não chorar naquela atmosfera seria um desrespeito ao Benfeitor — mas chorar seria um desrespeito ainda maior. Era um dilema.

    Ao lado, Li Lin obviamente não sabia da situação de Yu Sheng. Ele ficou tenso no instante em que viu o monstro de carne e, enquanto vigiava o próximo movimento da criatura, tentava consolar a boneca caída e a raposa ao lado. “Sinto muito, mas os mortos não podem voltar à vida. A prioridade agora é resolver…”

    Antes que pudesse terminar, ouviu a boneca lamentável responder: “Não se preocupe, ele vai reviver daqui a pouco. Mas nós temos que aguentar por uns vinte ou trinta minutos até ele voltar para abrir a porta. Ei, raposa, me ajude a levantar e não se esqueça daquela pintura no chão.”

    Ao ouvir isso, Hu Li, atrapalhada, rapidamente puxou a moldura da pintura a óleo de debaixo do corpo de Yu Sheng e pegou a imóvel Aileen em seus braços.

    Li Lin e seus companheiros assistiram à cena com expressões de espanto, achando a reação da boneca completamente incompreensível, chegando a suspeitar que fosse algum tipo de manifestação extrema de luto.

    Mas logo eles não tiveram mais energia para se preocupar com isso.

    Rugidos caóticos e sobrepostos ecoaram da escuridão ao redor das ruínas do templo. Uma aura de loucura arrepiante surgia continuamente. Mesmo o experiente Xu Jiali, ao ver a situação ao redor, ficou com uma expressão rígida.

    Monstros horrendos, feitos de carne empilhada, estavam se formando um após o outro na escuridão.

    Os rugidos enchiam todo o vale.

    “Puta merda!”, exclamou Li Lin. “Como apareceram tantos?! O relatório não dizia que a Entidade – Fome só gera um de cada vez?!”

    Ao lado, Xu Jiali levantou lentamente a cabeça e, depois de engolir em seco, quebrou o silêncio: “E se este vale já foi parasitado por um ‘anjo’…”

    “O que você quer di…”, começou Li Lin instintivamente, mas logo em seguida, notou para onde o olhar de Xu Jiali estava direcionado.

    Ele viu. O vale se contorcia e ondulava lentamente sob o véu da noite.

    Estruturas afiadas, semelhantes a dentes, apareceram na silhueta das montanhas distantes.

    Mas mais aterrorizante do que isso era o céu — o céu se abriu.

    O céu do Domínio Anômalo, que parecia coberto por uma espessa cortina, sempre em um estado de noite caótica, estava mudando. Uma de suas bordas começou a se abrir lentamente diante dos olhos de todos. Um brilho fraco apareceu na fenda e, em seguida, a verdade por trás da cortina foi revelada.

    Não era uma cortina, nem nuvens escuras e pesadas.

    Era uma pálpebra.

    Era um olho que sempre esteve fechado, cobrindo todo o céu do Domínio Anômalo, criando a noite eterna do lugar.

    Agora, ele se abria. O globo ocular observava friamente tudo abaixo. Sua pupila oca e afundada estava repleta de linhas caóticas e luzes bruxuleantes, como se estivesse examinando cuidadosamente a presa no vale. O brilho que emanava até dissipou parte da escuridão perpétua daquele domínio. A “luz” havia chegado, trazendo consigo um terror infinito.

    O vento frio e uivante despertou Li Lin de seu medo. Ele ouviu um murmúrio ao seu lado.

    Era Xu Jiali. Este Mergulhador Profundo veterano, com mais de uma década de serviço, sussurrava um nome:

    “Anjo Sombrio…”

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