Índice de Capítulo

    A entrada de Théo mudou completamente o panorama da situação.

    E não só isso: até o clima mudou, já que do portão era possível ver os seguranças contratados com dificuldades de manter a porta fechada.

    De lá, eram ouvidos gritos histéricos:

    “Não pode ser! É o Theo! Aquele tudo!”

    “Ah, olha pra mim! Me dá bola, Theo! Lindo!”

    “Ahh! Eu te amo, Theo! Seu tudo! Eu te quero!”

    E essa era a tônica.

    Variadas vozes pediam, ensandecidas, por atenção do carismático felino.

    Ao se aproximar do grupo em conflito, pôs uma das mãos próximo do rosto, deixando à mostra seus anéis protuberantes caríssimos, e esboçando uma expressão magnética.

    Milla ficou abismada com o visual chique do visitante rosado.

    — Puxa, mas que moço bonito! — seus olhos brilhavam. — Acho que nunca vi um moço assim tão elegante!

    As lutadoras que estavam ao redor, tirando as do time de Lilac, também tiveram a mesma impressão, aos cochichos.

    “Quem é o bonitão, quem é? Nossa, que petardo de homem!”

    “Será que faz parte do cast do Tormenta? Esse charmoso tem namorada?”

    “Ai, que tudo! Vou mostrar alguns golpes pra ele olhar pra mim!”

    Ele caminhou, cessando os passos a alguns metros de Flórr.

    Sua voz aveludada e jovial marcou sua pose.

    — Vim de muito longe unicamente para participar desse torneio. E o que vejo assim que minha presença chega? Óbvio: um panda sendo sarcástico a troco de nada. Sem classe, sem pose.

    Foi uma ofensa, uma provocação.

    Com estilo e elegância, mas ainda assim um ataque à moral do panda.

    Flórr mudou o foco: antes a dragão, mas agora se tornou total em Theo.

    Até seu rosto mudou, com traço predador.

    — Quem é você? Diga agora!

    Do bolso, o felino tirou um cartão, entregando ao panda, gentil e amável.

    Flórr, pelo contrário, o rasgou, sem perder tempo, em uma pura demonstração de desdém, habitual de sua índole.

    Mas não foi preciso que os ânimos se exaltassem mais.

    As apresentações vieram por outra pessoa.

    — Ele é Theo Monsenhor Sesto, modelo e estilista profissional! — falou Lilac, ainda com a surpresa no rosto.

    Carol, mesclando a mesma surpresa mas também receio, perguntou:

    — Tá, diz aí: como que tu conhece o cabeça de chiclete aí?

    — Carol, tenha mais respeito! — exclamou, mas respondeu a pergunta. — Eu leio revistas de moda, Carol. Ele tem coluna e uma parte exclusiva na maioria delas.

    — Tá, lembrei, pô. Tu vive lendo esses folhetim de paty quando vai no Salão da Kiki pra arrumar o picomã…

    — Arrumar o cabelo, Carol! — Lilac se incomodou. — Para de falar essas gírias que ninguém entende!

    Voltando a discussão principal, Flórr fixou seu olhar inquisitivo ao de Theo, que o manteve no mesmo ímpeto.

    Estava ali sendo travado um novo duelo de egos, cujas ideologias se chocariam com bastante aspereza.

    — Poderia me devolver o cartão de visita levemente perfumado com Caphamue?

    — Ah, isso o magoou? — o panda apertou o pedaço de papel no punho.

    — Não, mas estou com uma dúvida… — as pálpebras baixaram, olhar tranquilo.

    — Dúvida?! — sua surpresa foi clara. — E qual seria?

    — Há uma lixeira a menos de um metro de você. Não creio que terá massa cinzenta suficiente para jogá-lo no lixo.

    Foi uma nova cutucada, simples na execução.

    Mas o estrago foi muito maior do que se imagina: Flórr não só apertou com mais força o cartão rasgado como o levantou o punho e o colocou a frente, ficando em base de luta.

    — Isso só pode… ser uma brincadeira! — sua irritação foi abrupta. — Verme, não sei de qual buraco você saiu, mas terei muito prazer em te fazer voltar para lá de novo!

    Aquilo foi um chamado.

    Flórr queria guerra.

    E Theo não fugiu: ele afastou sua mão do rosto e, sem desviar o olhar do panda, estalou os dedos, com elegância.

    Em segundos, uma mangusto com pelagem magenta, trajada com um vestido amarelo, surgiu como mágica.

    Seu cabelo azul quase lhe cobria os olhos translúcidos, deixando claro sua cegueira.

    Sua presença surpreendeu a todos.

    — Aí, caraca… — se assustou Carol. — Da onde essa aí saiu?! Mano, que tá acontecendo aqui?!

    Com ela, trouxe uma maleta, longa por sinal.

    Sem perder tempo, a abriu, levando até a altura da mão do leonino.

    De dentro, Theo levantou uma espada de madeira reluzente; lustrada, maciça e bela.

    Ao pôr os olhos, Viktor deixou a tônica:

    — U-uma bokuto?! — ele gritou, chamando a atenção. — Eu nunca vi uma espada de madeira como essa na minha vida!

    Não só Viktor falou a respeito; o corredor todo foi atraído pelo chamariz hipnotizante que Theo conjurou.

    Como se tratava de uma arma, até Flórr não se conteve:

    — Armas em um torneio de artes marciais? — esboçou um sorriso debochado. — Haha, por um momento pensei que você est…

    O próprio panda engoliu as próprias palavras: em um piscar de olhos, o leonino brandiu a espada e, com dois movimentos de baixo para cima, executou um golpe que poucos perceberam.

    Instantaneamente, os pedaços de papel que estavam na mão de Flórr flutuavam em direção a lixeira citada mais cedo.

    — Estilo Kenjutsu do Templo Arashi no Kaze. Técnica de desarmamento: Brado dos Ventos do Vale Doce.

    Preciso e eficiente, indolor e incolor.

    Theo domou a lógica e impôs ao panda um colapso inesperado.

    Seus olhos abertos, e também boquiaberto, fez com que o panda refletisse por milissegundos o que tinha acabado de acontecer.

    — “Ele… Esse desgraçado moveu o papel por dentro do meu punho fechado?! — Ele diluía aos poucos a leitura. — Isso que ele fez… foi…”

    Sem que recuperasse o instinto, Theo lhe apontou a espada. O deslocamento de ar, assim que o fez, mostrou a todos que a espada não só tinha fio, mas também peso.

    Com o sorriso de canto forçando um dos olhos, o felino aristocrata falou:

    — A arma é só uma extensão de quem a maneja. Sem mim, é só um objeto inanimado. Mas, comigo no controle, é quase como parte do meu corpo.

    O panda ficou em silêncio, os cabelos cobriam seu rosto.

    Seu colapso era observado, contemplado e saboreado por todos.

    Era quase um sentimento de humilhação, mas camuflado por Theo para manter as aparências.

    — Não tema, nobre lutador. A guerra só será travada na arena… — ainda lhe apontava a ponta da espada. — Só estava preocupado com a limpeza do lugar.

    Isso causou risos honestos, não direcionados a Flórr; quem tomava a cena como um bom showman era Theo.

    Um stand up improvisado, sem vítimas.

    Mas esse não era o sentimento de Flórr.

    O panda cheirava a essência da vingança, mesmo por um motivo tão reles e ínfimo.

    Sua paciência não era uma dinamite; e sim uma granada, cujo pino estava solto.

    Enfim, algo o puxou.

    — Haha! Toma essa, duas cores! — zombou Carol, gargalhando. — Segura a zuera agora, flúor sem dente! Haha!

    Palavras podem machucar, mas não passam de palavras.

    Porém, dentro de um contexto, podem causar um mal maior do que qualquer outro ferimento grave.

    O panda foi atingido no ponto mais sensível: seu ego, que era bastante inflado.

    Lilac fez essa leitura, pena que tardiamente:

    — “Droga… eu conheço esse rosto dele!” — ela se lembrou dos eventos da zona Norte. — “Ele não… Ele não pode estar pensando em…”

    Ela sabia o que iria acontecer.

    A explosão do instinto ideológico de Flórr ocorreu.

    Isso desencadeou um efeito dominó: o rosto dele se elevou, os olhos brilharam com um espírito maldito de luta e um passo ocorreu.

    Sem que Theo puxasse sua bokuto, o panda passou por baixo, com seu punho na cintura, já potencializado.

    Sequer uma aura foi vista. Flórr ultrapassou a velocidade da natureza do Nirvana.

    Seu Chi se elevou, sem mais nem menos.

    A visão do leonino veio, observando os movimentos ofensivos dele.

    — “Ele dobrou a aura, seu Chi está…” — sua constatação entregou quase tudo. — “Está… oculto?!”

    Noah e Lilac, em um dueto de leitura aligeirada e processual, pensaram juntos:

    — “Dobra do Nirvana?!”

    Eles viram algo extraordinário, visível na expressão de seus rostos, trincados aos dentes à mostra.

    O choque ocorreu, um barulho seco ecoou pelo corredor, sob uma onda sonora que moveu o ar.

    Contudo, o golpe solista de Flórr foi anulado por ele mesmo.

    Ele o fez por ter a servente de Théo se colocado à frente de seu chefe.

    A inércia do golpe fez com que a franja que lhe escondia os olhos levantasse: suas Íris eram sem brilho, todas brancas.

    Ela, sem feição no rosto, o fitava mesmo assim, como se soubesse para quem olhava.

    O panda fez o mesmo, mas não ficou calado.

    — Por que se meteu nessa luta?

    Ela, com um tom suave e sussurrante, disse:

    — Monsenhor lhe abençoou com a espada. Não existe maior honraria que essa. Esse foi um convite para uma batalha na arena… Uma peleja honrada o espera.

    — O que?! — Flórr olhou ao redor, também a Theo. — “Essa intrometida não fugiu o rosto um segundo sequer do meu soco. O que está acontecendo aqui? E ele… Esse verme planeja lutar contra mim no torneio?”

    Theo não abriu sua boca, ainda com a espada suspensa.

    Flórr olhou em volta, havia muita gente observando o ocorrido.

    Ele, sem muito o que dizer e com fuga no olhar, se virou para Lilac.

    Deixou uma mensagem:

    — Trate de chegar na final… — falou, saindo do lugar.

    Ele caminhava para longe, mas trocou olhares com Theo.

    Seu pensamento era um só:

    — “Antes, vou jogar o lixo fora… com ele!”

    Ele abriu caminho no meio do amontoando que acompanhava tudo por lá, sumindo após cruzar uma esquina.

    Lentamente, Theo puxou sua espada, seguindo o ritual da bainha: ele a levou até sua cintura, segurando a bokuto com a outra mão, simulando a guarda.

    Ao seu lado, a servente abriu a extensa mala, com ele voltando sua arma ao lugar original.

    Assim que a mangusto a fechou, como um tique afiado, os burburinhos vieram.

    Um falatório marcou a debandada dos que viram o evento inesperado.

    Theo se virou para o time, especialmente para Lilac:

    — Senhorita, peço desculpas pelo o que aconteceu aqui. Eu estava ouvindo rumores de um panda como ele… e cheguei no exato instante.

    A dragão naquele instante foi de púrpura para rubra: toda vermelha de vergonha.

    — Ah, é que… bem… eu… — encabulada, esfregava a ponta do nariz com o dedo. — O-obrigada…?

    — Está ansiosa pelo torneio, eu presumo. Hehe… — seu sorriso era contagiante.

    — Você nas revistas parecia alguém diferente, sabe?

    — É mesmo? E qual sua impressão agora?

    — Você é incrível como lutador! Me surpreendeu.

    A conversa continuou, com Lilac matando a curiosidade de conhecer uma personalidade em carne e osso.

    Carol não deixou para menos: percebeu o sentimento da amiga e foi logo no contraposto (que ela indevidamente imaginou).

    — Aí, piá… — o puxou pelo braço. — Olha aí!

    — Hã? Olhar o quê? — Viktor estava confuso.

    — Cadê o ciuminho? A Lilac tá tão na dele…

    — Hã? O que tem isso? O que quer dizer?

    — Cara, deixa de ser lento e resgata a diva linda aí!

    — Do que é que você está falando, Carol?!

    Mudando de foco (e deixando a tagarela de lado), Santino Rock foi até Theo.

    O canino não perdeu tempo com formalidades.

    — Isso quase saiu do controle, leonino. Por que resolveu explanar tanto assim? Muitos lutadores aqui agora sabem o que esperar de você.

    — Hehe… — sua risada, melódica, ecoou. — Não há do que me preocupar. Sempre estou exposto, então prefiro não me esconder. Os flashes das incansáveis câmeras não me ofuscam.

    O canino sorriu, sabendo que estava diante de alguém bem seguro, sob controle e bem ponderado.

    Em contrapartida, Noah só observava.

    Não para Theo, mas sim sua servente.

    — “Ela é cega, mas…” — pensava. — “Sua calma e harmonia são abismais. Ela se expressa tão natural que parece sumir por segundos, aparecendo depois. Theo é hábil, mas ela… parece estar em outro patamar.”

    A leitura do albino trouxe mais vieses. Ele raciocinou, foi longe, tentando encontrar a liga, o ponto onde seu raciocínio lógico apurado tecia a compreensão.

    E ele estava certo no que disse: por tê-la observado, a mangusto surgiu bem na sua frente como mágica (outra vez).

    Ela parecia entender o que estava em jogo:

    — Prazer… — prestou reverência, segurou seu vestido em uma das laterais. — Sou Elyra Cealestine, serva de Monsenhor… e sua mestra.

    — O que?! M-mestra?!

    Uma notícia bombástica, que quase fez com que Noah perdesse a noção.

    Mesmo com a vista coberta pelos cabelos azuis, ela parecia olhá-lo bem no íntimo.

    A vista do albino tremeu, assim como um suor brotou e escorreu.

    Deu um passo para trás, impactado pela afronta.

    Ela tinha um nome desta vez.

    E Elyra, ainda insistindo no olhar, mostrou-se “ver além”.

    — Há algo dentro de você que não consigo enxergar, mas que se esconde quando encontra a luz…

    — “Por que ela está me… dizendo isso?!” — A respiração ativou, o coração bateu mais forte.

    Foi breve, mas a mangusto recuou.

    — Encontre-se…

    — “O que está acontecendo?! Por que estou tão tenso?!” — Noah ainda tremia.

    Elyra voltava para onde Theo estava, mas não sem antes olhar por sobre o ombro, pressentindo algo.

    — “Atrito e inconstância… e mal agouro. Há aqui desequilíbrio, como uma alma tempestuosa buscando paz. As trevas se escondem até que…”

    Sua reflexão pausou, onde buscou a dúvida do que a resposta.

    Sem alongar mais na conversa, a servente mangusto surgiu à frente de seu chefe.

    Ela o chamou, voz sempre baixa:

    — Monsenhor, temos de ir. Suas acomodações serão providenciadas imediatamente.

    — Ah, tudo bem, Elyra… — falou, quase como se estivesse sussurrando. — Acho que preciso de uma boa xícara de chá. Que tal?

    — Será um prazer prepará-lo para ti, Monsenhor — sussurrava, levando a maleta.

    Elyra caminhou, liderando.

    Theo ainda ficou, para uma última palavra:

    — É de muito bom gosto o seu visual, cara dragão — piscou para Lilac. — Tom púrpuro combina harmoniosamente com o branco puro e o azul céu. Esse seu look é iconic!

    — Sério mesmo?! — Lilac ficou encantada, seus olhos brilhavam. — Muito obrigada! Eu me inspirei muito no que você costura.

    — Tá slaying! — o polegar subiu. — Bye bye, time. Espero que nos vejamos no campo de batalha. Puro poder!

    Ele partiu, acompanhando sua serva, e mestra, para além dos olhares que permaneceram o acompanhando.

    Foi nesse instante que, após o breve silêncio,a tagarela abriu a boca.

    — Mano, o que aconteceu aqui agora?! — seus olhos estavam arregalados. — Os dois quase saíram na mão, porrada aberta! Tanto o bonitão lá e o floquinho enfezado!

    Carol pode ter recebido tudo isso com entusiasmo e animação, característica dela, mas Lilac entendeu de outra forma.

    Noah também, Santino idem.

    E até Viktor captou as entrelinhas.

    — “Tudo o que o Noah disse está acontecendo. Os lutadores ou são temidos… ou adorados por causa do Karma!”

    Ele sintetizou perfeitamente o conturbado momento que estava inserido.

    O jogo de poderes, de expôr habilidades especiais e filosofias, já estava a mil.

    Os lutadores do Tormenta, todos eles, tinham muito a mostrar.

    Era só o começo.

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