“Veldoren é um lugar onde os sonhos não podem desabrochar”, foi algo que Arthur pensou casualmente uma vez, pouco tempo depois de ter chego na cidade.

    Todos os dias, o céu brilhava em uma única cor pálida morta pela ausência de qualquer calor, derramando miséria e tristeza sobre a população.

    As nuvens densas da região bloqueavam os raios de sol, aparentemente numa tentativa de permear a desesperança naqueles que ali moravam.

    Para Arthur, tal ato era tão sem sentido quanto derrubar um copo d’água no oceano — uma tentativa de garantir algo já certo.

    A forma como as pessoas andavam pelas ruas, se rastejando em passos lentos numa tentativa de adiar algo inevitável, era deprimente.

    Naquela cidade ao extremo norte do continente, onde mesmo plantas não poderiam crescer direito, ter um sonho era um ato soberano aos demais.

    Por isso, quando as estrelas do céu noturno começaram a perder para o intenso brilho dos sorrisos dos cidadãos de Veldoren, Arthur se viu surpreso.

    Homens e mulheres, chefes e funcionários, e talvez até mesmo os animais, se abraçavam e riam confortavelmente por entre as ruas antes tão silenciosas.

    A mesma cidade que se afogava na escuridão durante as noites, agora irradiava sua própria luz, como se desafiasse a lua.

    — É impressionante como a cidade mudou em poucas horas… — sibilou Arthur enquanto caminhava pela praça movimentada.

    A mesma praça sem vida dos últimos dois anos, agora estava recheada por barracas de comida, bugigangas e pessoas animadas.

    Ocasionalmente, Arthur esbarrava em alguém, mas ao invés dos olhares de desaprovação esperados, as pessoas se desculparam com um sorriso no rosto.

    — Estou mesmo em Veldoren, a cidade em que nem mesmo o sol brilha? — se perguntou.

    Mesmo que soubesse a resposta, as ruas cheias de barracas e movimento o confundiam severamente, o aprisionando em questionamentos sem fim.

    O frio habitual da região, onde até mesmo o mais forte dos homens sofreria para confrontar, fora repentinamente substituído por um calor difícil de engolir.

    Os sorrisos e vozes altas esquentavam o ambiente, resultando em pessoas retirando seus casacos pelo calor. Até mesmo casais eram vistos andando agarrados.

    — Como é um evento impressionante, não custa nada eu dar uma olhada por aí, certo?

    Conforme Arthur andava pelas ruas, sua visão era roubada pelas barracas que surgiam. Cada uma vendia algo novo do qual nunca ouvira falar antes. Mas dentre todas, uma chamou mais sua atenção.

    Pessoas formavam uma fila extensa como uma serpente, aguardando com afinco pela sua vez de serem atendidos pelo vendedor. Olhando para ele, Arthur logo entendeu o motivo.

    — Uau — a exclamação escapou de sua boca sem que percebesse — ele é realmente bonito, não?

    A causa de sua surpresa sorria para os clientes enquanto distribuía alguma guloseima incomum para a região. Mesmo Arthur achou a aparência do jovem rapaz fascinante.

    Sua pele levemente rosada brilhava sob a luz fervente das lâmpadas ao redor, atraindo o público como mariposas. As mulheres que por ali passavam torciam seus pescoços, querendo capturar a imagem dele em suas mentes.

    Embora fosse tão fitado pelo público, no entanto, pouco se importou. E se o fez, não deixou que isso transparecesse em seu rosto sorridente, que vendia mais uma porção da comida estranha.

    — O que é isso? — Arthur se questionou, olhando para a comida.

    Em busca de respostas, ele encontrou uma placa chamativa acima da barraca. Com uma fonte azulada e um mascote slime de aparência fofa, um texto estava escrito.

    “Apenas essa noite, tenha a oportunidade de comprar a nova sensação do Leste — o famoso Sorvete!”.

    — O que é um “sorvete”? — se perguntou, inclinando a cabeça em confusão enquanto observava o alimento nas mãos dos transeuntes.

    Aquela coisa possuía uma aparência ríspida como uma parede, mas que derretia suavemente na boca. Fora isso, e suas cores variadas, também era servida em um cone crocante.

    Pelas reações brilhantes daqueles que compravam o tal sorvete, Arthur começou a ponderar: “Hm, será que Lya gostaria disso?”

    Enquanto pensava sobre, voltou a caminhar pelo festival, anotando todas as barracas com comidas exóticas. Contudo, notou uma pequena figura feminina sentada solitariamente em um banco.

    Seus cabelos laranjas brilhavam com familiaridade para Arthur, chamando sua atenção. Embora parecesse com Lya, seu tamanho tornava impossível que fosse ela — era simplesmente pequena demais.

    “Poderia ser…?”

    Quando se aproximou dela, sua cabeça se levantou, revelando enormes olhos verdes e uma boca suja de sorvete. Ela pareceu querer dizer algo, mas sua boca cheia a impediu. 

    — Lysa, o que você está fazendo aqui? — perguntou Arthur, olhando confuso para a criança.

    A pequena limpou seu rosto rapidamente quando questionada, engolindo o sorvete que ainda estava em sua boca. Finalmente, ela olhou para ele com seus olhos esbugalhados.

    — Irmãozão! — chamou alto por ele enquanto sorria. Seu sorriso puro brilhou como um novo sol, quase cegando Arthur com a fofura.

    Pulando do banco, ela correu na direção dele, se jogando em um abraço apertado ao redor de sua perna esquerda. Foi tão rápido que Arthur nem pode reagir.

    — Irmãozão, irmãozão! — ela continuou o chamando com olhos brilhantes. 

    — Calma, Lysa, eu não vou escapar, hahaha. Mas você ainda não me respondeu o que está fazendo aqui, sozinha.

    — Eu escapei da irmã mais velha, hehe! — Apesar das palavras perturbadoras de sua fuga, ela ainda sorriu sem preocupações.

    A forma como Lysa agia e falava com tanta inocência levantavam o astral dele, mas ainda assim, não podia deixar ela fazer o que quisesse.

    Arthur agarrou as bochechas rechonchudas da pequena garotinha, as puxando com delicadeza.

    — Você não pode fazer isso, Lysa. Imagine só como sua irmã deve estar se sentindo, provavelmente procurando você por aí.

    Sua voz escapou com firmeza de sua boca, apesar de não estar de fato bravo com ela — ele nem achava que conseguiria fazer isso.

    Mas no mesmo instante, os olhos de Lysa murcharam como flores no fim da estação. Um rio de lágrimas ameaçou escapar enquanto ela o encarava com olhos marejados.

    — Sinto muito, irmãozão… — disse com a voz cheia de tristeza e medo.

    Arthur paralisou por um momento com sua mudança repentina, mas não deixou que isso ficasse em evidência. Rapidamente, ele tentou se redimir.

    — Calma, calma! Eu não estou tão bravo assim, 

    Mas não importou o quanto falasse, Lysa continuou com o olhar choroso. Arthur temeu que ela nunca mais pudesse voltar ao que era antes.

    “O que eu faço para fazer ela voltar ao normal?”

    Enquanto ele matutava em sua cabeça alguma ideia, os olhos de Lysa brilharam por um instante. Sem que ele percebesse, um sorriso bobo apareceu no rosto dela.

    — Então… então você pode me levar pelo festival? — ela perguntou, escondendo o sorriso travesso com a mão.

    “O que é isso? Será que era só armação dela? Essa pestinha…”, Arthur concluiu ao olhar para a reação estranha da garota.

    Mas mesmo que percebesse o plano dela, ele decidiu seguir a conversa. Afinal, uma Lysa chorosa não era algo que ele desejasse.

    — Então você quer passear pelo evento? Mas e sua irmã?

    — Não tem problema já que estou com você! Você é muuuito forte.

    Arthur se sentiu contente com o elogio sincero da pequena, apesar de que não revelaria isso tão cedo.

    — Tudo bem, eu aceito. Eu também não gosto de ficar sozinho, principalmente quando todos estão tão animados como hoje.

    — Ebaaa! — Se desvencilhando das pernas de Arthur, Lysa segurou a mão dele.

    — Aonde você quer ir primeiro?

    — Hm… Eu quero ir naquela barraca alí.

    Como as pessoas que passavam por ali, eles seguiram o fluxo como peixes numa corrente marítima.

    Mesmo que o ambiente do festival fosse agradável, Arthur ainda pensava em voltar para sua oficina e gastar o resto da noite em seus projetos, assim como nos anos anteriores.

    Mas sempre que encontrava o sorriso caloroso de Lysa ao seu lado, e ouvia as piadas e risos das pessoas ao seu redor, esses pensamentos simplesmente escapavam de sua mente.

    “Uma vida assim não é de todo mal…”

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