Capítulo 68: Memórias da Terra Natal de Hu Li

Uma garota bonita de cabelos pretos, com olhos límpidos e vestindo roupas masculinas que não lhe serviam bem, andando pela rua e olhando ao redor com curiosidade, segurando uma boneca gótica com uma atmosfera bizarra, como se tivesse morrido de forma inquieta — essa combinação, em um lugar movimentado, era realmente chamativa. Para ser sincero, Yu Sheng sentiu que havia subestimado a “dificuldade” de sair com Hu Li e Aileen ao mesmo tempo.

Ele já havia perdido a conta de quantos olhares curiosos foram lançados em sua direção. Parte deles, é claro, era para Hu Li, que olhava para todos os lados, mas a outra metade era para ele.

Mas Yu Sheng teve que aguentar firme e acompanhar a garota-raposa, porque ela realmente não entendia nada.

Ela nem sabia como era o dinheiro deste mundo. Na verdade, já era bom que ela soubesse que era preciso pagar para comprar coisas, e isso se devia ao fato de ela ter vivido em alguma sociedade civilizada muitos e muitos anos atrás.

Por outro lado, as diferenças entre a ordem social na memória de Hu Li e a da Cidade-Limite sempre causavam problemas inesperados.

Por exemplo, ao passar por um estacionamento, ela ficou particularmente curiosa sobre como tantos “carros imortais” podiam ficar parados tão silenciosamente, e como eram tão pacientes. Para ser sincero, quando ela fez essa pergunta, Yu Sheng nem entendeu o que ela queria dizer a princípio.

“Na minha terra natal, carruagens e barcos têm Espíritos de Artefato. Os espíritos dos meios de transporte gostam de correr e pular, a maioria não fica quieta do lado de fora do portão da montanha”, Hu Li explicou em voz baixa para Yu Sheng. “Por isso, lá, quando os imortais e demônios saem e precisam parar em algum lugar, eles entregam seus veículos a um encarregado, que fica responsável por ‘passear’ com eles por perto. Há também grandes pátios com pequenos universos próprios, onde os veículos podem ser colocados para correr e se divertir. Isso é chamado de ‘estacionamento de autoatendimento’…”

Dizendo isso, ela apontou para um carro na beira da estrada que parecia ser dirigido por um novato e que demorava uma eternidade para estacionar. “Este é muito rígido. Em nossa terra, seria motivo de zombaria para os cavalos de pau das crianças.”

Yu Sheng rapidamente abaixou a mão da garota-raposa. “Aqui é diferente da sua terra natal, não aponte para as coisas.”

Hu Li assentiu, confusa. “Oh.”

Yu Sheng enxugou silenciosamente o suor frio da testa, de repente muito curioso sobre como era a terra natal da garota-raposa. Quando a conheceu, pensou que sua terra natal era uma civilização clássica de cultivo de imortais e demônios, mas depois apareceu o Sábio Guia de Turismo, e então “centenas de Imortais da Ordem Pública cercando uma grande raposa-demônio por violar a lei de proteção florestal e sentenciando-a a quinhentos anos”, e agora até os brinquedos das crianças (cavalos de pau) tinham inteligência artificial (Espíritos de Artefato). Ele se sentiu um pouco confuso, sentindo que…

O estilo da terra natal da garota-raposa era difícil de imaginar.

‘Isso é realmente algo que poderia surgir em um universo normal?’

No entanto, infelizmente, a própria Hu Li não conseguia descrever com clareza como era sua terra natal — não apenas porque era jovem quando saiu de casa, mas também por causa do longo tormento no Domínio Anômalo, que a fez esquecer muitas coisas.

“Não me lembro de muitas coisas, só lembro que os mais velhos diziam que nossa terra não era assim originalmente”, Hu Li relembrou a imagem amarelada e embaçada de sua terra natal, tentando descrevê-la para Yu Sheng da melhor forma possível. “Foram os ‘celestiais’ de grande poder que chegaram de repente e iluminaram todos os seres que lutavam incessantemente. Depois de muito tempo, passamos a viver dias de ‘viajar pelas estrelas em um piscar de olhos por bilhões de quilômetros’ com os celestiais. Lembro-me também que os mais velhos diziam que as estrelas mudavam de posição a cada poucos anos, e que eram os celestiais ajustando alguma rota… Meu pai também trabalhava nas rotas, sua tarefa era empurrar para fora as coisas que entravam nas rotas e multá-las…”

Nesse ponto, a garota-raposa ficou um pouco animada. “Meu pai pilotava uma ‘Nave-Lançadeira Imortal’ muito, muito grande, maior que um prédio! Ele dizia que se chamava ‘Nave Estelar’. O Espírito de Artefato da Nave Estelar era ainda mais incrível. Só precisava de uma pessoa deitada em uma piscina na nave para dar ordens ao espírito, e a coisa voava. Podia pegar coisas mais rápidas que a luz, usando um tesouro mágico chamado… algo como ‘arma de fôlego lunar’…”

Yu Sheng ouviu, atônito. Ele olhou para Aileen, que estava nos braços de Hu Li, imóvel, fingindo ser uma boneca comum, e murmurou em sua mente: ‘Você entende isso?’

‘Não entendo’, a voz de Aileen veio do fundo da mente de Yu Sheng. ‘Você realmente acredita nisso? Ela pode estar inventando… sugiro que você pergunte a ela sobre essas coisas em alguns meses, quando a mente dela estiver mais estável. Talvez a versão da história mude.’

Yu Sheng franziu a testa. Ele também duvidava da veracidade das coisas fantásticas que Hu Li descrevia, mas sentia que, se a mente dela ainda estivesse confusa, ela não conseguiria inventar uma história tão imaginativa e com uma “ambientação tão elaborada”.

Mas, de qualquer forma, tudo o que Hu Li descreveu para Yu Sheng deixou uma impressão profunda em sua mente.

“Chega, não pense mais nisso”, a voz de Aileen veio do fundo de sua mente, interrompendo seus pensamentos. “É melhor você arranjar roupas normais para a Hu Li logo. Chegou a sua hora de ser desafiado.”

Ao ouvir isso, o rosto de Yu Sheng ficou amargo.

Muitas coisas, quando você começa a planejar, sempre parecem fáceis. Mas, quando chega a hora de executar e considerar os detalhes, a parte problemática aparece.

Ele não sabia escolher roupas de menina! Ele nunca tinha entrado em uma loja de roupas femininas!

No entanto, ele teve que seguir em frente. Foi ele quem decidiu acolher Hu Li, e não adiantava se arrepender agora.

Mas, no momento em que Yu Sheng levava Hu Li para o shopping, com uma atitude de quem ia para o sacrifício, uma figura familiar passou rapidamente pelo canto de seus olhos.

Era uma garota de cabelo curto, aparentemente pequena, de dezessete ou dezoito anos. Seus lábios estavam cerrados, e sua aparência tinha uma seriedade e maturidade que não condiziam com sua idade.

A princípio, Yu Sheng não a reconheceu, apenas sentiu que era familiar. Depois de dois ou três segundos, ele percebeu de onde vinha essa sensação.

Era a garota que se autodenominava “Chapeuzinho Vermelho”. Hoje ela não estava usando suas roupas vermelho-escuras, mas sim um casaco de cor viva, o que a tornou irreconhecível à primeira vista.

Yu Sheng soube imediatamente que havia encontrado sua salvação.

E quase ao mesmo tempo, “Chapeuzinho Vermelho”, do outro lado da rua, percebeu o olhar sobre si e ergueu a cabeça. Por um breve instante, seu olhar foi como o de um lobo alerta.

Mas o olhar de lobo desapareceu em um piscar de olhos, tão rápido que ninguém percebeu. Ela reconheceu Yu Sheng e mostrou uma leve surpresa.

Chapeuzinho Vermelho logo atravessou o trânsito e se aproximou, olhando para Yu Sheng com um toque de surpresa, examinando-o de cima a baixo por alguns segundos antes de dizer: “…Você também está fazendo compras?”

“…É estranho eu sair para fazer compras?”

“Ah, desculpe, é que achei uma grande coincidência”, Chapeuzinho Vermelho percebeu que suas palavras foram um pouco inadequadas e rapidamente se desculpou. No entanto, a confusão em seus olhos não diminuiu.

Porque ela já sabia que Yu Sheng morava em um Domínio Anômalo chamado Rua Wutong, 66.

No momento em que deixou aquele domínio, ela já havia adivinhado que a humanidade deste “humano” autodenominado “Yu Sheng” era questionável. Seu comportamento e fala extremamente realistas eram provavelmente algum tipo de “mimetismo”.

Ela realmente não esperava ver esta “pessoa” que vivia em um Domínio Anômalo sair para fazer compras na rua.

‘…Será que esse cara come comida de gente?’

Um pensamento tão absurdo (em sua opinião) surgiu na mente de Chapeuzinho Vermelho.

Então, ela notou Hu Li ao lado e a boneca nos braços de Hu Li.

Chapeuzinho Vermelho franziu a testa, demorou um pouco para reconhecer o rosto de Hu Li e então apontou para Aileen, que estava imóvel, com os olhos sem brilho.

“Esta aqui, morreu?”

Yu Sheng viu os olhos de Aileen quase recuperarem o brilho. A pequena boneca se mexeu nos braços de Hu Li, e em seguida, sua mente foi inundada por uma enxurrada de xingamentos: ‘Ela que morreu! Ela que exploda no céu oitocentas vezes! Ela é uma %￥￥%# — Yu Sheng! Xingue-a! Xingue-a por mim!’

“Ela está te xingando”, Yu Sheng apontou para Aileen, que ainda não ousava se mover, e disse calmamente para Chapeuzinho Vermelho. “É muito feio, sou uma pessoa culta, não consigo nem repetir.”

Os xingamentos de Aileen se tornaram ainda piores.

Chapeuzinho Vermelho não podia ouvir.

Mas ela podia imaginar.

“Vocês… são bem criativos”, ela não pôde deixar de examinar Aileen de cima a baixo. “Conseguir trazê-la para fora abertamente desta forma… A propósito, pelo que vejo, vocês vão comprar roupas para ela (referindo-se a Hu Li)?”

“Você acertou”, Yu Sheng abriu as mãos, bloqueando completamente a torrente contínua de xingamentos de Aileen. “Eu estava preocupado, não esperava te ver. Que tal uma ajuda?”

“Eu acho que sei que tipo de ajuda você quer”, Chapeuzinho Vermelho levou menos de dois segundos para entender. Seu olhar varreu as roupas inadequadas de Hu Li, e um sorriso apareceu em seu rosto. “Isso… é algo que eu nunca experimentei antes.”

Os olhos de Yu Sheng brilharam. “Você concorda?”

Chapeuzinho Vermelho parecia despreocupada. “Claro, é um favor simples. Mas depois, você também terá que me ajudar.”