— Meu Deus, não sobrou nada… — As mãos de Arthur tremeram enquanto olhava para sua carteira.

    Ao longo da última semana, o povo de Veldoren havia gasto rios de dinheiro comprando as roupas de Arthur. Graças a isso, dinheiro não era um problema.

    Até agora.

    Seus olhos azuis e sempre serenos como o oceano, agora estavam vidrados na carteira que carregava, em busca de algo.

    “Como é possível eu ter gasto todo aquele dinheiro?”

    Enquanto Arthur martelava a dúvida em sua mente, uma pequena garota de olhos verdes e cabelos de fogo sorria alegremente, com sua boca lambuzada de doce.

    Em suas mãos pequenas, vários tipos exóticos de comidas transbordavam tentando escapar de suas garras. Mas com seu sorriso travesso no rosto, as jogou na boca.

    Suas bochechas rechonchudas subiam e desciam de forma performática conforme ela mordia com felicidade estonteante.

    Quando engoliu a comida, logo partiu para a próxima leva, em um processo repetitivo de alegria e gula.

    “Não, não há mais nada… Fuah”, Arthur suspirou em uma triste resolução.

    Quando se virou para a pequena Lysa, não pôde deixar de se surpreender com a forma como devorava incansavelmente os doces, apesar de já ter visto a cena muitas outras vezes.

    Ele não pôde deixar de sentir sua têmpora latejar com o quanto havia gastado naquele passeio.

    “Sério, eu nunca mais vou levar ela em um festival. Não comigo, pelo menos.”

    — Ei, Lysa — ele a chamou, a tirando de seu torpor.

    Seus olhos se voltaram da comida para ele, mas ela ainda continuou a devorar os variados doces. Tanto suas mãos quanto boca estavam sujas, aborrecendo Arthur.

    “Espero que Lya não fique brava comigo…”

    — Vamos encontrar a sua irmã.

    — O quêeee?! — Lysa gritou de surpresa. — Por quê? Ainda não exploramos todo o festival!

    — Sim, mas não tenho mais dinheiro aqui comigo no momento — Arthur sentiu uma pontada em seu coração ao dizer aquelas palavras.

    “Ao menos, guardei parte do dinheiro em casa” pensou como forma de aliviar a consciência.

    — Além disso, tenho que te entregar para sua irmã, entendeu? Ela nem sabe onde você está — continuou.

    Não havia se passado tanto tempo desde que ambos começaram a sua pequena “jornada” pelo festival, talvez menos de uma hora.

    Mas Arthur sabia como Lya, uma menina sempre tão calma, poderia se transformar em uma fera pela sua irmã mais nova.

    “Além disso, também sei como ela deve se sentir com medo…”

    — Não! Eu não quero ir! — Lysa, que terminou de comer em algum momento, se agarrou em Arthur.

    Os transeuntes que passavam por ali, jogavam olhares cúmplices com Arthur — provavelmente pais de crianças pequenas, pensou ele.

    Mas mesmo que Lysa se agarrasse em suas pernas com o nariz ranhento de choro, ele não se sentiu necessariamente transtornado. Na verdade, ele aproveitou o momento.

    Uma onda de calor passou por seu corpo enquanto ele olhava para a multidão infinita de pessoas, cada uma vivendo sua própria vida.

    O cheiro de comida no ar, algumas salgadas enquanto outras mais adocicadas, parecia ter tomado toda Veldoren. Mas ele não achou que aquilo fosse ruim.

    Aquela cidade, antes tão sem graça ou vida, agora parecia algo completamente diferente. Era surpreendente como um único evento poderia mudar tanto aquele lugar.

    “Seria bom se pudesse ser sempre assim; sem dificuldades ou choros”, divagou um sonho impossível.

    Apesar de ser algo que desejava, Arthur sentia que era insuportavelmente verdade que o mundo não permitiria aquilo.

    “Não… não é o mundo.”

    O som de Lysa soando o nariz nas roupas de Arthur estava lá, mas ele não era registrado pelo menino que olhava fixamente para o céu noturno.

    Naquela noite, muitas estrelas brilhavam alto, assim como foi naquela outra noite. A própria lua parecia querer o recordar de algo, brilhando em seu velho amarelo.

    “Não é o mundo quem comete injustiças. Não é ele quem derruba casas sobre as cabeças de crianças que dormiam sonhando com o dia de amanhã…”

    Lysa ainda chorava? As pessoas que passavam ainda sorriam e conversavam? Ele não sabia dizer — seus ouvidos e olhos estavam perdidos em uma névoa de lembranças.

    “Quando estendemos a mão e tivemos nosso braço arrancado, não foi o mundo quem fez aquilo, mas o Mosteiro de Deus!”

    Seus punhos se fecharam com força, um fio de sangue escapando de suas palmas conforme suas unhas rasgavam a pele.

    Em seu nariz, o cheiro da fuligem e carne queimada persistiam como fantasmas que não poderiam ser esquecidos por mais que tentasse desesperadamente.

    Mesmo o tempero das inúmeras comidas nos arredores não conseguia esconder aquele cheiro pútrido que insistia em chegar até Arthur, o afogando em pensamentos. Alheio ao mundo real, ignorou a chegada de alguém.

    — Arthur? — a voz o tirou de seu torpor perigoso.

    — Hâ?

    À sua frente, olhos azuis e brilhantes como os seus o encaravam, confuso pairando sobre eles. Como uma Lysa, entretanto maior, seus cabelos ruivos esvoaçavam contra o rosto de Arthur pela proximidade.

    — Lya? O que está fazendo aqui? — perguntou confuso ao notar quem era.

    — Como assim? Você não me ouviu agradecendo por ter cuidado da Lysa? Sério, você tem que prestar mais atenção nas pessoas quando elas estão falando com você. Da última vez, contra o Lince, foi a mesma coisa.

    “Eu realmente devo ter me perdido em pensamentos para não ter notado ela… O que é isso?”, enquanto pensava, sentiu um par de mãos pequenas agarrando sua calça com força.

    Olhando para baixo, Arthur encontrou uma Lysa encolhida atrás de suas pernas. Em sua face fofa, medo estava estampado onde antes havia um sorriso. A pequena enviava olhares para sua irmã mais velha periodicamente.

    Confuso sobre o que a deixou daquela forma, ele olhou para Lya, entendendo exatamente o que estava acontecendo — os olhos de Lya queimavam com raiva fria sob sua cara serena.

    Embora não tenha percebido antes pela confusão mental, agora era nítido para Arthur como a mulher á sua frente estava furiosa. Olhando para a pequena fugitiva, ele sentiu vontade de a defender.

    — Bom, então acho que está na hora de você levar sua irmã, Lya. — Mas mesmo com pena dela, ele não queria enfrentar Lya!

    A reação de Lysa foi instantânea.

    — O quâ?! Não, irmãozão!

    As mãos dela o seguraram com mais força, mas Lya não estava com vontade de aturar as brincadeiras de sua irmã. Ela agarrou a pequena, a tirando de Arthur.

    Ele apenas observava a interação das duas, torcendo que a raiva de Lya não se voltasse contra ele. Logo ele quem havia gasto seu dinheiro com o passeio caro!

    “Sinto muito, Lysa; estou torcendo por você”, pensou enquanto virava seu rosto.

    Lysa pareceu tentou insistir em ficar com ele, mas Lysa não deixou espaço para discussão quando a puxou para si, a desprendendo de Arthur.

    — Inclusive, Arthur, como você está indo na sua missão?

    “Missão? Que missão?”, tentou recordar, mas por mais que pensasse, não conseguiu se lembrar.

    Lya bufou ao ver a confusão tomar conta do rosto dele. Como se lesse sua mente, ela o questionou.

    — Você esqueceu o que a Aurora disse? Nós devemos investigar a segurança do festival, Arthur — o explicou, abaixando seu tom de voz ao relembrar a última parte.

    — Ah, sim! Perdão por isso, Lya, eu me esqueci completamente, haha — riu com vergonha.

    Balançando a cabeça em desaprovação, ela suspirou, antes de deixar o assunto de lado. Afinal, mesmo depois de dois anos, ela não havia conseguido mudar o jeito de Arthur.

    — Bom, então nós já vamos. Muito obrigado mais uma vez, Arthur — ela se despediu, se virando para ir embora.

    — Sim, sim, até mais. E cuidado para que Lysa não escape de novo!

    Ao longe, ela ainda brigava com sua irmã, a confrontando por ter fugido. Mas antes que elas pudessem sumir naquele enorme mar de gente, Lya se virou para ele.

    — Mais tarde eu apareço para cobrar você pela sua promessa! — gritou alto o suficiente para que ele pudesse ouvir.

    Sorrindo ironicamente, ele acenou para ela e sua irmã. Só quando elas não podiam mais ser vistas, ele abaixou sua mão. Olhando ao redor, ele logo retomou seu próprio caminho.

    “Como Lya me disse, devo começar a analisar a segurança da caravana logo. Que eu me lembre, eles estão estacionados um pouco longe do festival.”

    Enquanto andava pelas ruas de Veldoren, ele se perdeu em pensamentos sobre a missão, ignorando seus arredores completamente.

    “Mesmo que as barracas tenham vindo junto do comboio, enquanto elas foram postas na praça e ruas adjacentes, a caravana foi guardada em outra região.”

    Aos poucos, ele se aproximou de uma esquina, distraído em sua mente. Quando finalmente chegou até ela, uma figura imponente surgiu.

    “Provavelmente há muitos seguranças naquele lugar, então seria ruim se eu me encontrasse com algum deles… AHK!”, seus pensamentos foram interrompidos quando se chocou com algo.

    Ele foi jogado no chão por um forte impacto, como se tivesse sido atropelado por uma rocha gigante. Caído, ele olhou para cima em busca do que o havia derrubado.

    Mas para sua surpresa, não era uma pedra, árvore ou qualquer objeto inanimado de grande porte, mas uma mulher morena com olhos ferozes como um animal selvagem.

    Os olhos dela, com um brilho carmesim sobrenatural, o encaravam com seriedade e suspeita, seu corpo rígido como se estivesse em guarda alta.

    — Quem é você? — ela perguntou, sua voz grave, apesar de inegavelmente feminina, soando como cascalho sendo raspado.

    Não havia preocupação com o estado dele, muito menos um pedido educado de desculpas, apenas aquela fria pergunta. Mas Arthur não teve tempo de se incomodar com isso.

    “Ela… é aquela cavaleira que tomou partido das carruagens mais cedo, guiando-as”, percebeu imediatamente pela aparência dela.

    Seu corpo alto era composto por músculos magros, mas bem desenvolvidos, evidenciando cuidado e diligência. Além do mais, através de suas roupas casuais, cicatrizes eram visíveis.

    Sua camisa sedosa de manga curta revelava marcas em seus antebraços, causadas por lâminas e arranhões. Mas apesar disso, o olhar firme em seu rosto nunca vacilou enquanto o olhava.

    — Quem é você e com o que trabalha? Não senti sua presença enquanto entrava nesta rua. — Sua voz ríspida o tirou de seus pensamentos.

    — Eu… Eh, me desculpe, não vi você enquanto virava — gaguejou em busca de algo coerente. — Me chamo Arthur, sou um coureiro.

    — Coureiro? — ela perguntou com descrença. Em seus olhos, era evidente como ela não confiava nas palavras dele.

    “Quanta coisa está acontecendo hoje. Sério, acho que preciso de um descanso”, pensou franzindo a testa.

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