Capítulo 29 - Três Ecos no Abismo
Segundo Asha, desde o momento em que Derek nasceu, algo extraordinário floresceu dentro dele — uma árvore. Não uma árvore comum, mas uma entidade luminosa, feita de essência pura. Seu brilho era tão intenso que tudo ao redor se tornava branco, como se a luz fosse a única matéria existente.
À medida que Derek crescia, aprendia e sentia, a árvore também se desenvolvia. Seus galhos se estendiam como braços em busca do céu, e suas folhas surgiam vivas, vibrantes. Cada folha era uma memória de uma história vivida, uma emoção sentida.
Mas o que tornava essa árvore singular eram os frutos.
Eles não eram apenas lembranças. Eram partes de Derek. Fragmentos daquilo que o tornava quem era. Cada fruto tinha uma forma única, representando emoções distintas — coragem, medo, amor, raiva, esperança. Esses frutos guiavam suas escolhas, moldavam suas reações, como bússolas silenciosas.
Até que, um dia, a luz começou a falhar.
Uma sombra silenciosa se infiltrou na árvore. Uma escuridão nascida da morte.
As folhas começaram a secar e cair. Os frutos, antes vibrantes, foram drenados, murchando um a um.
A árvore não resistiu. Morreu.
Transformou-se em cinzas negras. E o branco que antes iluminava tudo se tornou um breu sem fim.
Mas nem tudo estava perdido.
No meio das cinzas, três frutos resistiram.
Um ainda brilhava com força — era a esperança. Outro estava corrompido, escuro, venenoso — a dor transformada em ódio. E o terceiro… era neutro, sem cor, sem luz — vazio, mas estável.
Então, algo inesperado aconteceu.
Os frutos começaram a tremer. Seus contornos se dissolveram, como se passassem do sólido ao líquido. Contorciam-se, multiplicavam-se, ganhavam massa e forma.
Formas humanas. Mas não completamente humanas. Cada um com peculiaridades únicas, reflexos das emoções que os originaram.
Eles estavam confusos. Nunca haviam existido assim. Sentiam ecos do que foram, mas não sabiam o que eram agora ou o que deveriam fazer.
Antes que pudessem se entender, uma voz ecoou em suas mentes:
“Guiem ele.”
Eles olharam adiante. E ali, deitado no chão do vazio, estava Derek, desacordado.
Não sabiam quem ele era. Mas sentiam algo vindo dele. Algo familiar. Como se ele fosse parte deles ou eles, parte dele.
Tentaram tocá-lo. Suas mãos atravessaram seu corpo como luz atravessa o vidro.
Eles eram feitos de essência. De energia.
A voz voltou a ecoar:
“Desperte, Derek.”
Derek abriu os olhos devagar.
Os três o observaram, nervosos e curiosos. Sorriram e acenaram.
Mas Derek passou por eles como se não os visse.
Tentaram chamar sua atenção. Gritaram, gesticularam, criaram formas. Nada funcionava.
Então, começaram a observá-lo.
E ao observá-lo, começaram a entender a si mesmos.
Cada pensamento que Derek expressava, cada emoção que deixava escapar, os ajudava a se reconhecer. A nomear o que sentiam. A entender seus próprios conceitos.
Foi assim que se deram nomes.
Asha — a esperança e a bravura.
Insane — a dor e o caos.
E o terceiro, ainda sem nome. Um vazio em busca de significado.
Com o tempo, descobriram que podiam moldar o espaço ao redor. Criar paisagens, alterar o vazio. Mas apenas entre eles — Derek não via.
Tudo parecia estar indo bem. Asha se preocupava com Derek, tentava entender sua dor. Insane, por outro lado, ria dela.
Isso criou uma divisão. Eles pararam de se aproximar uns dos outros. Asha não compreendia o prazer que Insane tirava do sofrimento. E Insane desprezava a compaixão de Asha.
Mas então, algo mudou.
Um brilho intenso começou a surgir no vazio. Pela primeira vez em muito tempo, os três se uniram para contemplar. Ansiosos e curiosos com o que vinha a seguir.
Com o passar do tempo, a ligação com Derek se intensificou. Eles sentiram que poderiam interagir com ele em momentos específicos — quando sua mente estava vulnerável, aberta.
Asha planejava ser a primeira a se apresentar. Cumprir o que a voz havia pedido.
Mas Insane a ultrapassou. Se fortaleceu. Bloqueou o acesso dela.
Asha não desistiu. Planejou. Esperou. Se fortaleceu também.
E finalmente conseguiu.
— Foi assim que cheguei até você, Derek — disse Asha, com firmeza. — Mas você também precisa se esforçar. Porque Insane… ele vai voltar. E da próxima vez, será mais forte. Mais cruel.
Ela se aproximou, tocou o peito de Derek com delicadeza.
— Você precisa estar pronto. Porque ele não quer apenas te assombrar. Ele quer te consumir. Ele quer ser você.
Derek permaneceu em silêncio, os olhos baixos, o corpo imóvel.
O vento voltou a soprar, as folhas a cair e a retroprojeção voltou a continuar lentamente.
Por fim, ele ergueu o olhar, cansado. Havia algo quebrado em sua expressão — não medo, nem raiva. Apenas exaustão.
— Tudo isso… — disse ele, com a voz rouca — …é bonito. Poético até. Mas não vai adiantar muito.
Asha franziu levemente a testa, confusa.
— Por quê?
Derek soltou um suspiro longo, como se estivesse carregando o peso de mil lembranças.
— Porque eu vou morrer em breve.
A frase caiu como uma pedra no silêncio.
Asha não respondeu de imediato. Ela o observava, como se tentasse decifrar o que havia por trás daquela certeza. Derek continuou:
— Eu sinto. Não é só um pensamento. É como se meu corpo estivesse se apagando aos poucos. Como se tudo isso fosse… uma despedida.
Ele olhou ao redor, para o céu azul, para a árvore solitária, para o campo que parecia ter sido feito só para ele.
— E se for mesmo o fim… então que diferença faz?
Asha se aproximou, ajoelhou-se diante dele. Seus olhos estavam calmos, mas havia uma firmeza nova em sua voz.
— Faz toda a diferença, Derek. Porque mesmo que o fim esteja próximo, o que você escolhe sentir agora… o que você escolhe lembrar… pode mudar tudo.
Derek não respondeu. Mas algo em seu olhar vacilou. Uma rachadura na armadura da resignação.
Asha continuou:
— Você ainda tem histórias dentro de você. Memórias que não foram contadas. Motivações que você esqueceu. Momentos doces que merecem ser lembrados.
Ela estendeu a mão.
— Deixe-me te mostrar.
E assim, o mundo começou a se transformar novamente. As cores se dissolveram, dando lugar a fragmentos de lembranças — risos, abraços, perdas, conquistas. Um mergulho profundo na alma de Derek.
Não para salvá-lo.
Mas para lembrá-lo de quem ele era.

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