Capítulo 38 - Operação Secreta.
Algo me dizia que aquela noite seria importante.
Afinal, a pessoa para quem eu devia entregar o envelope — a pedido do Okawara — era justamente a mulher que me proibiram de chegar perto: Emi Satoru.
Ela sorriu levemente e ergueu o braço direito na minha direção.
— Me entregue o envelope, e eu te conto o motivo de ter agido daquela forma. — disse ela.
— Certo! Na verdade, era isso mesmo que eu devia fazer. Não tem por que negar. — respondi, entregando o envelope em sua mão.
Emi pegou o envelope e, com uma rapidez quase agressiva, o abriu.
Olhou apenas um pouco do conteúdo e sorriu de um jeito estranho — longo, inquietante.
— Certo… Isso é muito interessante. — murmurou, com um tom que me arrepiou.
Sem entender nada, cruzei os braços, apenas observando.
— E então? Vai contar agora? — perguntei.
— Sim, vou. Mas, infelizmente, o Arushi não pode escutar o que tenho a dizer.
Isso é apenas entre nós dois. Entende? — disse ela, colocando novamente o capuz.
Pensei em reclamar, mas percebi que o melhor seria aceitar.
— É… desculpa aí, Arushi, mas você ouviu o que ela disse, né?
Arushi soltou meu braço e assentiu, compreendendo com facilidade.
— Tudo bem! Vou esperar ali atrás. Mas não demora, tá muito escuro e eu tô com medo!
— Pode deixar, haha, não vou demorar!
Ele se afastou até o canto da Fonte Angelical do Medo.
— Pronto, senhora Emi. O que a senhora quer falar?
— Vou falar duas coisas apenas! A primeira, é o motivo de eu ter agido daquela forma com você, e a segunda, é uma carta que lhe vou emprestar, entendeu? — disse ela, com um tom leve e tranquilo.
Acenei com a cabeça, confirmando o que ela disse.
— O motivo de eu te agido daquela forma, foi a pedido do Okawara, isso fazia parte do plano dele. Na hora certa, ele vai contar o motivo.
— Meu Deus, então foi obra dele!! Inacreditável, estou chocado… — comentei.
Emi tirou de dentro do envelope um papel médio, escrito à mão.
— O que é isso? — perguntei, curioso.
— Você já parou pra pensar no verdadeiro motivo de você, e de todos os alunos, estarem aqui? — disse ela, com um tom sério.
— Eu acho que… é pra estudar, né? Me falaram que aqui é uma escola… tem aulas, professores e tal…
Ela deu uma risada leve, balançando a cabeça em negação.
— Quase isso. Aqui realmente é uma escola. Mas o verdadeiro objetivo do governo não é preparar vocês pra vida adulta, é algo… pior.
Engoli seco. Um arrepio percorreu meu corpo inteiro.
As palavras dela soaram afiadas, cortando o ar.
“Pior”? O que poderia ser pior do que a verdade que já vivo aqui?
— C-como assim? O que quer dizer com… isso?
— Não posso falar muito. Mas esse papel tem algo que vai te mostrar um pouco da realidade do diretor.
Não perca ele. Vou precisar depois. — disse ela, me entregando o papel.
Peguei o papel, confuso.
— Mas… por que você tá aqui? o Okawara que devia ter vindo, o que vocês estão querendo fazer??
— Calma, garoto. São muitas perguntas… mas não vou responder nenhuma delas.
O que eu quero de você é silêncio.
Não conte nada pra ninguém. Entendido?
— Olha… eu estou confuso, mas não vou falar nada não. — disse, guardando o papel no bolso.
Sem mais palavras, Emi entrou entre as árvores e desapareceu — como um vulto engolido pela escuridão.
Estou bastante confuso com isso, então era plano do Okawara ela agir daquela forma comigo? Que loucura.
Guardei o papel no bolso, escondendo-o de Arushi, que se aproximava.
— E aí, Yuki? O que ela disse? — perguntou, curioso.
— Nada demais. Só pediu desculpas pelo que fez antes, só isso.
Vi o sorriso dele murchar — ficou com uma expressão de decepção estampada no rosto.
— Ah… só isso…
— Vamos voltar? Já tá tarde. — sugeri.
Mesmo com o breu e o som assustador das árvores balançando, conseguimos voltar sem dificuldades.
Chegamos ao dormitório.
Quase todas as luzes estavam apagadas, exceto as do primeiro andar — onde ficava o vigilante.
— Arushi, teu quarto é em qual andar? — cochichei.
— No segundo. Mas… e se o vigilante pegar a gente?
— Acho que não dá problema. Nem é dez horas ainda… ou é?
— Então vamos. Vai na frente, que eu vou atrás. — disse ele, me empurrando.
Andei com a cabeça erguida, tentando parecer calmo.
Mas quando passamos, o vigilante nos notou.
— Ei, garotos! Vocês dois aí! — gritou.
Droga. Achei que ia funcionar.
Paralisamos. Eu virei de forma quase robótica na direção dele.
O homem se aproximou, alto, com o uniforme azul escuro, botões dourados e o símbolo da escola no boné preto.
— A gente… tava brincando na praça, senhor vigilante! — expliquei, meio gaguejando.
— Brincando? A essa hora? Sabem das regras, não sabem? — disse ele, cruzando os braços.
Arushi, rápido, mostrou o relógio de bolso.
— Olha, moço, ainda não são dez horas! Faltam nove minutos! A gente não tá descumprindo nada! — disse, quase desesperado.
— O mínimo permitido é vinte minutos antes das dez.
Ou seja, vocês estão, sim, descumprindo a regra. O que têm a dizer?
— Isso não faz sentido! Então por que a regra não é nove e quarenta, em vez de dez? — questionei, com irritação.
— Não me questione, pirralho! Agora me fala a verdade — o que vocês estavam fazendo?
— Já falei! A gente só tava brincando! — respondi firme.
— Ainda com isso? Vou ligar pro diretor agora, é isso?
— O que o senhor quer da gente? A gente tá falando a verdade! Por que é tão difícil acreditar?! — gritei.
No meio da discussão, uma voz ríspida surgiu do nada:
— Chega, moleque! Isso aqui não é palco pra você fazer show!
Olhei para a direção da voz fria e grossa, essa voz que para mim é muito conhecida.
— Que bom que você chegou, Okawara!
Esses dois chegaram agora e não querem explicar o motivo. Dá uma ajuda aqui! — disse o vigilante.
— Senhor Okawara… — murmurei, aliviado.
Okawara olhou pra nós com aquele olhar severo.
— Entendi. Creio que vocês não vão falar o motivo, né?
Então voltem pros dormitórios. Amanhã eu mesmo relato isso à diretoria. Agora vão! — disse ele, com as mãos nas costas, impecável no seu terno roxo com gravata dourada.
Virou as costas e saiu andando.
— Certo, podem ir, seus pirralhos! — disse o vigilante.
Talvez não fosse bom a diretoria saber disso, mas pelo menos o Okawara nos salvou — por enquanto.
Subi pro meu dormitório, enquanto Arushi seguia pro segundo andar.
Finalmente sozinho em meu quarto, retirei o papel do meu bolso.
Era hora de ler o conteúdo do papel que a Emi havia me entregado.
Desdobrei a folha.
As linhas, escritas à mão, tremiam sob a luz fraca do abajur.
E à medida que eu lia, um arrepio tomava conta de mim.
As palavras pareciam… proibidas.
— Mas o que isso significa…? — murmurei.
Confuso, lembrei do livro que peguei no sótão — Oni: Origem das Partículas Demoníacas.
Se o que estava naquele papel fosse verdade, talvez o livro pudesse explicar.
Peguei o livro debaixo da cama.
A capa era dura, com traços estranhos e grossos, quase como se fosse feita de pedra.
Mesmo cansado, não resisti. Abri o livro e comecei a ler.
Os minutos passaram como água corrente.
Cada página aumentava meu fascínio… e minha confusão.
Minha mãe nunca me contou nada daquilo.
Será que ela sabia?
Olhei o relógio: quase uma da manhã.
Já lia há mais de duas horas.
E quanto mais eu lia, mais percebia: preciso dos outros volumes.
Mas amanhã eu teria aula — e precisava falar com o Okawara sobre a Emi… e a carta.
No dia seguinte…
Assim que cheguei na sala de aula do Okawara, fui bem pleno para minha mesa, a única mesa da sala fora do Okawara.
— Professor Okawara, sobre ontem… o senhor contou pra diretoria? — perguntei.
Ele estava diante de mim, elegante como sempre.
— Moleque, você acha que sou burro? Se eles souberem, descobrem que fui eu quem te deixou fora até tarde. — respondeu, seco.
— Verdade. Mas o senhor acha que eu ia dedurar você? — perguntei, cruzando os braços.
— Não acho. Tenho certeza. — disse, com ironia. —
Mas enfim, você quer falar sobre o que aconteceu ontem, né?
— Uhum. Principalmente sobre a pessoa que foi pegar o envelope comigo.
Ele se sentou, abrindo o terno com elegância.
— Certo… Não posso te contar muito. Nem tenho obrigação de te dar satisfação. Então não insista, entendeu? — disse, com voz ríspida.
Suspirei.
Eu sabia que ele não ia facilitar.
— Aff… faço um favor pro senhor e é assim que me retribui? — reclamei.
— Sabe bem que não tenho por que dizer nada. E se continuar, eu não falo é nada mesmo! — rebateu, batendo o punho na mesa.
Cruzei os braços, irritado.
— Tá bom. Conte o que quiser. Eu descubro o resto sozinho.
— Vai o quê, garoto? Acha que isso é brincadeira? Isso é coisa séria! — gritou ele.
— Tudo bem… — murmurei, derrotado.
— Enfim… o que posso dizer é que o diretor pediu pra mim e pra Emi ajudá-lo num caso. Pelo que parece tem uma pessoa infiltrada aqui na escola, e achamos que é do governo japonês. — disse Okawara.
— O quê?! Então tem alguém do mal aqui?! — perguntei, me levantando.
Ele assentiu.
— E vocês sabem quem é?
— Temos uma suspeita.
E mais: a Emi te entregou uma carta do diretor, certo?
— Ah… sim, entregou. Mas… como sabe disso?
— Ela me contou.
E, pelo que leu, já deve saber o que pensar.
— Na verdade… não… Agora você me deixou mais confuso, pois acabou de dizer que está ajudando o diretor, mas pelo que a Emi me disse, e pelo que a carta fala — não parece nada disso!
— Se você não entendeu, não posso fazer nada. — respondeu, cruzando os braços.
Minha mente girava.
A carta que a Emi me entregou, parecia ser escrita pelo diretor.
Falava sobre minha chegada à escola e mencionava “a falha da primeira geração da ESA”.
E dizia que, desta vez, comigo aqui, isso não se repetiria.
Mas o que tudo isso queria dizer?
A Emi diz que eu iria descobrir a realidade do diretor, e que aqui prepara nós alunos para o pior.
E agora o Okawara diz o contrário, de que eles estão ajudando o diretor.
No que pensar e acreditar?
— Minha cabeça vai explodir… Haaa! — gritei, segurando a cabeça.
— Muita informação pra você, é? Bom… chega de papo. Agora é hora da aula! — disse ele, pegando o tablet.
— É muito fácil para você falar isso, mas para mim não é simplesmente acabar o papo que tudo se resolve! Agora minha cabeça não para de pensar nisso tudo.
— Eu sei bem como é. Mas deixe para pensar depois, agora é hora de estudar, tome aqui o Tablet. — disse Okawara, entregando o tablet em minha mão.
Respirei fundo.
Deixei pra pensar nisso depois.
Algumas horas se passaram e a aula havia terminado. Mais um dia produtivo na aula, como sempre Okawara ensinando muito bem.
Mesmo com minha mente um pouco focada em outra coisa, ainda sim consegui aprender muita coisa.
— Entendeu tudo? — perguntou ele.
— Sim! Mas tenho uma dúvida… A matéria diz que estamos numa montanha, mas aqui tudo é plano. Como é possível?
— A montanha é grande, além de que nossos engenheiros construíram uma enorme plataforma.
Por isso parece plano. — explicou.
— Uau… esses construtores são muito inteligentes, que demais!
— Sim, sim. Enfim, pode ir embora agora. Tenho assuntos pra resolver. — disse, apontando pra porta.
Nem um pouco grosso.
— Certo! Tchau, professor. E relaxa, não vou contar nada sobre sua “operação secreta” com a Emi. — brinquei.
— Óbvio que não vai.
Se contar… nunca mais vai ver a luz do sol. — disse ele, com um olhar maníaco.
Arrepiei na hora.
Saí apressado. O clima dentro da sala pesou.
Como a aula havia terminado, resolvi procurar o Fuutaro e o Sasori — fazia tempo que não conversávamos.
Mas no meio do caminho… de repente, senti um arrepio.
Frio. Instintivo.
Sempre que isso acontece, algo ruim está perto.
Acelerei o passo, olhando pros lados.
Mas Nada demais — só alunos andando.
O sol estava forte, me fazendo suar no uniforme.
Foi quando ouvi:
— Ora, ora… se não é o pirralho revoltante.
Essa voz, chata, carregando um arsenal inteiro em sua língua.
Nada mais nada menos que Hideki.
Ela e as duas amigas estavam na minha frente.
— Credo, ele tá todo suado! Tá correndo pra quê? Pra ver sua namoradinha esquisita? Qual o nome dela mesmo? — zombou Hideki.
— É Itsuki, amiga! — respondeu a baixinha.
A outra, distraída, pintava as unhas sem se importar.
— O que vocês querem? — perguntei, ofegante.
Hideki avançou rápido, segurando minha blusa pela gola.
Seu rosto ficou a poucos centímetros do meu.
— O que eu quero? — disse, com um sorriso diabólico. — Quero ver você e a Itsuki sendo expulsos! Hahahaha!
As pessoas ao redor começaram a olhar.
Ela percebeu, mas não soltou minha blusa.
— Você acha que eu esqueci a vergonha que me fez passar? Acha? — murmurou Hideki, me olhando no fundo dos meus olhos.
— Até hoje…você pensa nisso? Sentiu mesmo né? hehe. — zombei, com um sorriso no rosto.
— Acha que me importo com o que você fala? Eu não estou nem um pouco preocupado com suas palavras, mas quero que fique ciente que eu que mando aqui, e que você deve aprender seu lugar! Fedelho!
— Você não manda nem em você mesmo garota, vai mandar em quem?
— Isso, fala mais boca de esgoto, você vai se arrepender muito depois…— disse ela aproximando cada vez mais seu rosto do meu.
— Amiga, é melhor a gente ir. O intervalo vai acabar. — disse a baixinha, tocando o ombro dela.
Hideki deu um sorriso de canto e, enfim, me soltou.
— Nos vemos depois, pirralho. — disse, rindo.
Elas se afastaram.
Observei elas se afastando, e foi aí que vi, ao fundo, um homem parado.
Um homem com uma mecha roxa na testa, vestindo um terno roxo sem gravata, com botões pretos.
Ele me olhava.
E sorria.
— Esse cara… — murmurei.
Sim.
Era o mesmo homem que me encontrou no sótão.
O mesmo que quase me levou ao diretor.
Era hora de sair dali. Rápido.

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