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    — Eu não sou uma assassina — respondi, abrindo um sorriso nervoso. — Você manipulou toda essa situação para que eu pensasse isso. Não me engane.

    — Ué… Não manipulei nada, não. Sem remorso, Scarlett, mas você é chata pra cacete! Como pode não acreditar em uma memória? — disse o Anjo. — Hum… Corrigindo: como não pode acreditar em eventos em que você interferiu? 

    Confusão. O sangue nas minhas mãos não escorria mais, como se minha pele tivesse sido manchada pra sempre. Pra sempre! Não queria olhar para isso, então, virei-me para a figura.

    — Não fiz nada.

    — Você o matou, Fortune. Um dos homens mais importantes do mundo morreu por sua causa — falou, apontando o dedo para mim. — Hahaha! Sério!? Por que você tá fazendo essa cara?

    Como assim? Eu estava fazendo alguma careta, por acaso? Não. Não deveria acreditar nessa pessoa. Deve ser só mais um joguinho dela. Uma manipulação que não iria funcionar comigo.

    Estava ciente do que poderia acontecer. Afinal, não sou boba o suficiente. Confesso que sua habilidade de criar cenários ilusórios é algo incrível. Quase me enganou, mesmo! Hahaha! 

    Hahaha…

    Levantei-me daquele corpo paralisado no tempo, aproximando-me do que se chamava de anjo.

    — Suas leis não permitem fazer isso, não é? — perguntei, aproximando meu rosto do dela. — Então, me mostre outra memória. Prove que eu sou uma assassina.

    — Não preciso te mostrar nada disso, amor. Você vai conseguir alcançar suas outras memórias logo, logo. — Seu guarda-chuva começou a desaparecer ao vento como poeira. — Scarlett é uma assassina. Nos dois universos em que existe, ela é uma assassina. Em todas as realidades que existem, ela é uma assassina. No fim desse mundo, ela será a última assassina. 

    Assim, todo o seu corpo desapareceu no vento.

    Eu seria a última assassina? O que isso queria dizer? 

    Sinto frustração. Um ódio por não saber muito. A mente necessitava de conhecimento, um conhecimento que não poderia propor tão cedo.

    Talvez devesse acreditar que essas eram minhas memórias, aceitar que era uma assassina, mas… meu coração não queria. Era algo horrível, um ato horrível.

    Minhas mãos ainda continuavam manchadas de sangue, mesmo que todo o cenário estivesse se desfazendo. Ou melhor, se reajustando. 

    Tudo ao meu redor se moldava em diferentes formas, criando outra situação que não conseguiria prever. Nunca conseguiria prever. Dá para perceber o quanto sou inútil.

    Olhei para trás, vendo o corpo morto de meu pai e a cara aterrorizada de minha mãe se moldarem em uma caixa de correios e cercas. Era bizarro, muito bizarro. Mas não demonstrei nenhum sentimento quanto a esse acontecimento.

    Não consegui sentir nada. Quase como se minha mente soubesse que aquilo não era real. Ou melhor, ela deveria acreditar nisso. Mesmo assim, o acontecimento era? Eu…

    Não.

    Não fiz nada. 

    Agora era uma casa. Uma casa velha, mas com um gramado bem cuidado. Na sua fachada apenas residia a caixa de correios e cercas que delimitaram todo o terreno.

    Nunca havia visto aquela casa em toda a minha vida. É claro que não! Lembrava de bosta nenhuma. Mas sentia uma familiaridade com aquele lugar. Era algo muito profundo e cravado em meu peito, como se fosse de alguém importante, muito importante.

    Queria correr, entrar dentro daquele lugar e abraçar quem quer que estivesse lá. Afinal, deveria ser uma pessoa carinhosa, uma pessoa com quem pudesse… cair em seu colo e chorar. Meu peito ardia em felicidade, mas não era algo com que esperava.

    Assim que dei um passo, fui interrompida pela brusca saída de uma criança pela porta principal. Tinha cabelos castanhos e vestia roupas fofas para sua idade. Em seu cabelo, duas presilhas residiam: uma vermelha e outra roxa e com coelho. 

    Era muito fofo, mesmo! Como pode uma criança ter umas bochechas tão rechonchudas daquele jeito? Agora eu não queria abraçar ninguém naquela casa, só queria apertar as bochechas dessa fofura! 

    Quando dei mais um passo, alguém saiu de dentro, atrás da criança.

    — Menina! Quem deixou você ir embora tão bruscamente? — perguntou o homem, colocando a criança no colo, que aceitou sem hesitar. — Vem com o titio, ela vai cuidar de você hoje. 

    Tio…

    Não parecia ser perigoso. Muito pelo contrário! Transmitia felicidade pura só de olhar para um rosto bobo daqueles.

    — O-oi? — disse, aproximando-me em passos calmos.

    O homem nem se virou. Como se não tivesse me visto ou só… quisesse ter me ignorado. Aquilo era quase uma afronta à sua aura fofa! Como ele pode ser tão… Argh! 

    Continuou seguindo para dentro da casa, segurando um coelho de pelúcia que havia trazido para a criança em seu colo. E, com a frustração que sentia, corri para sua frente, tentando chamar sua atenção.

    Mas…

    Seu corpo me atravessou, como se não existisse. A sensação foi horrível! Como se todos os meus órgãos fossem remexidos dentro do corpo, embrulhando a barriga. Senti vontade de vomitar.

    Mas segurei. Aguentei com todas as forças aquele sentimento ruim na barriga. Afinal, tinha de ser forte, e para ser forte, eu precisava ser resistente.

    Naquele instante, eu não era real. Se fosse uma memória minha, esse acontecimento significava que eu não era bem-vinda naquele instante do tempo.

    Gwaaa! — grunhiu a criança. Uma bebezinha que ainda não sabia falar. Agora, com o coelho em sua mão.

    E, em um gesto inesperado, seus olhos encontraram os meus. Não foi coincidência. A criança estava me olhando com sua expressão boba, quase como se fosse a única que pudesse me notar.

    O tio, ainda cansado de tanto correr, decidiu se sentar na porta da casa, colocando a criança no chão. 

    — Agora vê se não vai longe, viu? — comentou. — Ufa! Hoje está sendo bem difícil. Essa bebê não para de correr!

    O bebê não correu. 

    Ficou parado, apenas olhando para mim. Olhando para alguém que deveria ser inexistente nessa realidade.

    A olhava de volta, porque, de alguma forma, me sentia muito conectada àquela figura. Como se fosse…

    — Eu — murmurei, cerrando os punhos.

    Como se fosse uma versão de mim mais nova. 

    Aproximei-me da criança, agachando em sua frente. Ela ainda não tirava seus olhos de mim, mas sua atenção estava dividida entre o coelho e o fantasma à sua frente. 

    — Você… Como você consegue me ver?


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