Capítulo 852: Três Escolhas (2/7)
Shwaaaaaaaaaaaaa!
Um temporal tão forte que deixaria alguém encharcado mesmo usando guarda-chuva.
Wheeeeeeee!
Rajadas que atravessam o desfiladeiro emitindo um som arrepiante, enquanto pétalas são levadas pelo vento para todos os cantos.
——— ———,——— —— ——— —!
As flores tocam uma melodia lúgubre e estranha. Sobre ela, soma-se uma voz belíssima que não combina em nada com o clima.
— Aaaaaaaaah…!
Era o cântico de proteção mental que pedi ao Armin para impedir que eu entrasse de novo em Frenesi.
Aumento de Espírito. Redução da duração de todos os estados anormais.
Esses dois efeitos deveriam ser aplicados em área a todos os personagens, mas graças ao Hino Dedicado a um Herói, o efeito é triplicado, embora restrito apenas a mim.
“…Com isso, não devo ter mais problemas.”
Assim, pude finalmente relaxar quanto aos riscos mentais.
Chiiiiiiiiiiiiiiiik!
Claro que esse cântico não reduz a dor. A intensidade do sofrimento quando o fluido da criatura escorre pelo meu corpo permanece igual. Não, talvez esteja até pior, já que recebo menos cura e demoro mais para me recuperar.
Mas…
— Behellaaah!
Paciência. Se eu quisesse ficar confortável, teria usado magia. Há várias do tipo paralisação que poderiam produzir efeito semelhante. Não que eu fosse usar. Por que diabos eu usaria uma habilidade que atrapalha a luta?
Menos dor. Maior chance de sobrevivência.
Se tivesse que escolher uma das duas, qualquer pessoa normal escolheria a segunda, certo?
Chiiiiiiiiiiiik!
— Keugh!
De qualquer forma, não importa se o BGM1 mudou para O Lobo da Lua Cheia, eu continuava fazendo a mesma coisa.
Bloquear os socos com o escudo. Aguentar o corpo corroendo com a chuva ácida. Assistir meu corpo despedaçar quando sou atingido pelos bombardeios dos aliados.
— Heheheh…
Para ser sincero, é exaustivo. Mesmo sem um estado como Frenesi, sinto que posso perder a sanidade a qualquer momento. Posso sentir, bem no fundo da alma, o impulso de largar tudo e fugir crescendo cada vez mais. Mas…
“Não sou o único sofrendo.”
Quanto mais difícil ficava, mais eu olhava para meus companheiros temporários. Não deve doer tanto quanto dói em mim, mas eles também estavam no limite. Até os guerreiros, que antes só chupavam o dedo esperando algo para fazer, agora estavam rolando de um lado para o outro dando tudo de si.
Swaaahhhhh!
A chuva agora era muito mais intensa que antes. E, com ela, surgiam pétalas em quantidade absurda. E dessas pétalas, novas criaturas invocadas.
Um inferno absurdo fabricado por subcontratos intermináveis… não, melhor parar com esse pensamento. Enfim.
— Segurem…!
— A barreira! Tem uma brecha na barreira e a chuva está entrando!
— Eu sei! Mas não tenho tempo para consertar…!
O grupo principal já não conseguia apenas estourar cada flor que aparecia e atacar o chefe de longe com elegância. As condições não permitiam. E talvez isso seja algo humano demais, mas… mesmo sabendo que não deveria me sentir assim, mesmo sabendo que, se eles sofrem mais, eu também sofrerei mais… ver todo mundo penando junto traz um certo conforto.
— Kkieeeeeeek!!!
Para ser sincero, acho que entendo como essa criatura acabou com uma habilidade imbecil como Resistência Distorcida.
Se eu sofro, vocês todos têm que sofrer comigo! Assim, pelo menos me sinto um pouco melhor.
Esse deve ter sido o espírito maligno por trás da criação dessa habilidade. Ou não.
— Oh.
Por pensar besteira, fiquei uns 10 segundos sem sentir dor. Realmente, quando tudo está difícil, distrair a mente é a melhor solução.
— Keuugh…!
Por isso, quanto mais a dor florescia, mais eu mergulhava nos pensamentos. De preferência não negativos, mas positivos.
Já faz duas horas desde que o combate começou. Não, talvez três? Na verdade, nem sei. De tanta dor, parece que já se passaram dez horas.
Enfim, acho que podemos continuar assim.
Vai ficar cada vez pior. E haverão casualidades. E, então, seremos arrastados quase sem descanso para segurar a próxima onda…
“Esse é um pensamento ruim, então deixa pra lá.”
Pronto. Se todos aguentarmos só mais um pouco, vamos conseguir. Não pense na próxima onda. Não pode existir desgraça maior do que esse maldito Lorde do Andar… certo?
Foi nesse momento, enquanto eu me agarrava a essa esperança otimista…
— Aaaaaaaaah!!
— N-Não deixem empurrar vocês!
— Porra! Como é que eu não vou ser empurrado?! Tá doendo pra cacete!
— P-por favor, sem xingar…! D-Desculpa!
…Hã? Mas que…?
Thump!
Mesmo no meu estado, incapaz de prestar atenção no entorno, consegui ouvir, lá longe, no grupo principal, um homem e uma mulher discutindo.
— Como é que eu não vou xingar?! Vem aqui para ver como é ficar na linha de frente!
— E-Eu também estou fazendo o que posso…!
— Merda! Tudo o que você faz é ficar lá atrás lançando magia! Ah, caralho!!
Pelo tom, um guerreiro e uma maga estavam trocando farpas. Não era uma conversa agradável. Aqueles camaradas que sobreviveram juntos à última onda… que honraram os mortos e, mesmo exaustos, permaneceram até o fim do funeral… agora brigavam. Mas dá para entender.
— Acha que é fácil? Acha que estamos confortáveis? Já sofri sobrecarga mágica várias vezes! Só mais um pouco e posso ter perda permanente de mana!
Situações extremas. Exposição ao estresse. É natural que as pessoas fiquem à flor da pele.
— E o que eu faço com isso?! Eu tô prestes a morrer aqui!
E eu, sinceramente, estava 100% do lado do guerreiro. Porque mesmo eu perderia a paciência se alguém me dissesse para ‘aguentar firme e não ser empurrado’ nessas condições. Ah, claro, isso não significa que a atitude dele fosse aceitável.
— O que você faz?! Segura! Dê tudo que tem! Não existe rota de fuga!
— C-Caralho…! Eu não aguento mais!!
— O-O que está dizendo?! Olhe o Visconde Yandel ali na frente, aguentando tudo sozinho…!
Talvez essa frase final, afiada como uma tesoura, tenha cortado o pouco de sanidade que restava na mente dele.
— …Sua doida! Que se danem todos!! Meu clã já acabou mesmo, acha que eu me importo?!
No fim, o guerreiro tomou uma atitude desesperada.
— E-ei! Aonde você vai!!
— Esse maluco…!
Thump!
E então entendi por que eu, mesmo nesse caos insano, consegui ouvir aquela discussão ao longe.
Foi porque o corpo desse bárbaro, tão sensível à sobrevivência, percebeu antes de todos.
【Brickton Azkel abandona o combate devido à dor excessiva.】
Estamos fodidos.
Quem já jogou Jenga sabe muito bem. O quanto uma torre alta pode ser instável. O quanto cada bloco na base é vital.
— Uwaaaaaaaah!!
O guerreiro que abandonou o grupo principal correu em direção ao penhasco, pisou na beirada com leveza e saltou alto. E então…
— F-Filho da…
Desapareceu na escuridão do labirinto. Porém, no exato instante em que todos concluíam que ele havia morrido de forma patética…
— C-Consegui…! Caralho! Eu consegui…!
Um grito estrondoso ecoou do outro lado da escuridão. Parece que ele conseguiu um teleporte aleatório com sucesso. Deve ter simplesmente pulado no vazio e coincidido de cair em alguma rampa abaixo. Que desgraça.
“Isso deu certo?”
Tive um estremecimento só de pensar nisso, mas o guerreiro do outro lado estava em completa euforia.
— Seus merdas!! Aproveitem bem a vida!!
Ele nos abandonou com um grito cheio de excitação e alívio, sem jamais voltar. E no lugar disso…
Crackle…
Algo estalou. Não era colapso dimensional, nem qualquer fenômeno mágico. Era o som da rachadura que se abriu no interior do nosso grupo.
— O guerreiro Brickton Azkel, do Clã Sawtooth, d-desertou…!
Pouco depois, Armin, em pânico, me informou o ocorrido…
“Hah…”
E isso bastou. Foi o estopim, suficiente para explodir um grupo já fissurado.
— P-Por que está me olhando assim?!
— Eu nem sou amigo daquele maluco!
— Você sabe muito bem o que passamos até aqui…!
Talvez fosse porque o desertor era do Clã Sawtooth. As atenções negativas se voltaram imediatamente contra os membros do mesmo clã. Mas há uma verdade absoluta neste mundo:
Quando a injustiça se acumula, sempre surge alguém incapaz de suportá-la.
Como agora.
— F-Filhos da puta…!! Me olhando desse jeito?!
— Lectus! C-Calma!
— Cala a boca! Isso tudo só aconteceu por sua culpa!
A voz aflita do vice-líder ecoou, mas seu desespero não alcançou o coração do guerreiro.
— Uwaaaaaaah!
E mais um guerreiro correu pela enxurrada de chuva em direção ao mesmo penhasco.
Tadat!
Ele seguiu a mesma rota do anterior, saltou…
— Caralhooo!
E também conseguiu.
“Maldição.”
Por quê? Por que funcionou de novo? Existe mesmo um terreno amplo lá embaixo? Ou é só falta de sorte minha? O efeito Hans ainda não acabou?
A resposta foi simples. O próprio sujeito revelou:
— Venham também!! Aqui embaixo é bem largo, dá pra cair fácil! Vamos deixar esses bostas aí e sobreviver só nós! Acham que não vamos conseguir sozinhos? Relaxem! O Fantasma Dourado! Se acharmos o Fantasma Dourado lá embaixo, estamos salvos! Podemos voltar vivos para a cidade!
Para os que ficaram, era o pior cenário possível. Felizmente, Armin agiu rápido.
— S-Sir Kevron!
Ah… felizmente não. Agir rápido não significa agir certo.
— Reúna seus membros e traga-os para o centro! Use força se necessário!
A ordem do vice-líder: que os cavaleiros capturassem todos os seus clãs e os forçassem a ficar no centro, impedindo a fuga. Eu não podia acreditar. Armin… cometendo um erro tão grotesco?
— Armin, cancele a ordem…!
Não pode! Emitir ordens coercitivas em um momento como este, com todos no limite, só destruiria a razão restante de cada um! Tentei detê-lo, mas já era tarde.
— O q-que vocês estão fazendo…! Seus filhos da…! Soltem!
— Ele está fugindo!!
— Peguem-no…!!
Eu não estava olhando diretamente, então não sei exatamente o que aconteceu. A tempestade dificultava tudo. A distância apagava gritos e sons, misturando tudo num borrão inaudível.
Swaaahhhhh!
Alguns minutos depois. Tudo que pude ouvir foi o resultado.
— …P-Pedimos perdão! No Clã Sawtooth, um total de 6 desertaram! Não conseguimos impedir!
Seis a menos, então… Um número pequeno, talvez, mas suficiente para prever o futuro. A raid ficaria ainda mais difícil.
Grrrp.
Mas já era tarde. Nada mudaria a realidade. Culpar alguém agora não ajudaria em nada. Precisávamos continuar o que começamos. E para isso, era necessário virar o clima a nosso favor. Portanto…
Chiiiiiiiiiiiik!
Aguentando a carne derretendo de dor, gritei:
— Não entrem em pânico! Se seis fugiram, e daí?! Estamos caçando um Lorde do Andar! Acham mesmo que isso aconteceria sem ‘perdas’…?!
Claro que eu também sabia. Isso não era um caso comum.
Não eram mortos. Eram desertores.
Era natural que a moral do grupo despencasse. Então era preciso mudar a perspectiva.
— Peço perdão! A culpa é minha! Subestimei a habilidade daquela coisa!
Primeiro, assumi toda a responsabilidade, protegendo a mente deles.
— Elloyd, interrompa o cântico dedicado! — a seguir, dei uma ordem clara para reorganizar o caos. — De agora em diante, proteja a mente de TODOS, inclusive a minha!
Eles fugiram não por vontade própria. Foi por causa do estado anormal imposto pelo Lorde das Lágrimas, Frenesi ou Medo. Então eles não eram desertores.
— Não podemos permitir que mais ‘vítimas’ apareçam! — Injetei esse significado oculto de forma poderosa. O efeito foi imediato.
— Ah! Então era isso! Eles ficaram com a cabeça afetada por causa daquele monstro!!
Ainar e os demais sobreviventes, já à beira da exaustão, aceitaram facilmente minha sugestão. Quanto mais difícil a situação, mais as pessoas acreditam no que querem acreditar. É menos doloroso assim.
— Aaaaaaaaah…!
Logo, o cântico dedicado a mim cessou e a voz cristalina da sacerdotisa da Tríade Sagrada Musical preencheu o desfiladeiro.
【Maria Shure Eloyd conjura O Lobo da Lua Cheia.】
【Enquanto a canção continuar, o Espírito de todos os personagens na área aumenta drasticamente, e a duração de todos os estados anormais é drasticamente reduzida.】
Claro que o efeito real não seria tão grande. Para mim, a deserção não foi causada cem por cento por ‘confusão mental’. Exceto o primeiro, os demais foram movidos pela humanidade esmagada ao extremo. Ainda assim…
— Uwaaah!
— Companhia Quatro, escutem! Como cavaleiros do reino, não tolerarei uma postura vergonhosa! Pela honra, defendam sua posição até o fim!
Talvez isso fosse o chamado efeito placebo.
— Aaaaaaaaah…!
A crença de que a canção estava protegendo suas mentes reacendeu o espírito de luta. E assim, o combate, que estava prestes a desmoronar, voltou aos trilhos.
— Huh…
Certo. Vamos mais uma vez.
- Background music[↩]

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