Capítulo 060 — Nós somos a tempestade.
— Início do segundo dia das Olimpíadas Militares de Ga-el! Hoje, os tenentes mostram sua força!
Os portões laterais da arena se abriram, e dois soldados avançaram em direção ao centro. Ambos seguravam espadas longas na mão direita e carregavam escudos circulares pequenos no antebraço esquerdo. Moviam-se com eficiência, o peso da armadura não parecia limitar o ritmo dos passos.
Marco observou, franzindo o cenho.
— Espada longa e escudo pequeno… Todo mundo usa isso?
Hamita cruzou os braços e respondeu no ato, como quem recita algo óbvio:
— Soldado sim. É o padrão de Taeris. Treinamento, formação, doutrina… todo mundo nasce segurando uma espada dessas aqui. — Fez um gesto com a mão, indicando o campo. — Simples, eficiente. Serve pra ataque, defesa, e funciona em qualquer formação.
Lá embaixo, os dois tenentes começaram a luta. Avanços rápidos, escudos bloqueando, espadas deslizando pelos ângulos certos. Era brutal, mas extremamente técnico. Nenhuma abertura era desperdiçada. Cada golpe era seguido de recuo, giro, e cobertura com o escudo.
— E você? — Marco virou o rosto, olhando pra ela. — Usa duas espadas. Isso não quebra o padrão?
Hamita sorriu, mostrando os dentes.
— Oficiais têm liberdade pra escolher. Depois que você sobrevive tempo suficiente… — deu de ombros — o Exército entende que cada um luta do jeito que mata melhor.
— Então Koopus carrega aquele machado… — Marco apontou com o queixo.
— Porque quer. — confirmou Hamita.
— Luminor usa uma lança…
— E Lou-reen uma única espada. — completou ela, dando um breve olhar pra general ali ao lado, que assistia à luta com a mesma expressão de quem analisa relatórios de guerra. — Ela ainda luta como o manual manda.
Na arena, um dos tenentes avançou, escudo à frente, forçou um giro e desarmou o oponente com um golpe seco na mão. A espada voou no ar. Antes que caísse, o vencedor já girava a própria lâmina e a cravava no chão, exatamente entre os pés do adversário, encerrando o duelo.
— Vitória! — anunciou o arauto.
O rugido da arquibancada quase fez o chão tremer.
Marco balançou a cabeça, meio rindo, meio assustado.
— Isso não é esporte. Isso é uma guerra bem-ensaiada.
Hamita sorriu.
— Bem-vindo às Olimpíadas de Taeris.
— Próximo combate! — anunciou o arauto, a voz reverberando por toda a arena. — Tenente Ayshra de Pyrco contra… Tenente Elline de Cabricg!
Os portões laterais se abriram.
Ayshra surgiu primeiro, sob uma onda de aplausos e gritos ensurdecedores. O uniforme azul refletia o sol, e ela avançava com aquela postura que todo soldado de Taeris aprende desde os dez invernos. Passos firmes, olhar fixo, corpo no eixo, pronta pro combate.
Mas quando o portão oposto se abriu…
A mulher de Cabricg caminhava devagar, os olhos vagando pelas arquibancadas como se nunca tivesse estado em meio a tanta gente.
O barulho da arquibancada começou a baixar. Primeiro com um estranhamento quase invisível, depois virou silêncio desconfortável.
“Elline de Cabricg” entrou… sem espada.
Nada nas mãos.
Só o uniforme desalinhado, o cabelo negro desgrenhado, parcialmente cobrindo o rosto. E aquela postura estranha… ombros soltos, cabeça levemente baixa, passos lentos, quase arrastados.
Alguém gritou da arquibancada:
— Essa não é a Elline!
Outro respondeu:
— Não é mesmo! Eu a conheço, essa mulher não é de Cabricg!
O burburinho começou a crescer. A mulher parou no centro da arena e virou-se, encarando diretamente o camarote dos Generais.
Marco sentiu o estômago revirar. Seus olhos se arregalaram.
— Lou-reen… — disse, baixo, mas urgente. — Essa mulher… eu a vi. Ela estava nas memórias do Cetro, ela é aliada de Clyve, é Serana Vaelor.
Lou-reen se endireitou, já com a mão na espada.
Lá embaixo Serana se moveu.
O corpo inteiro disparou num estalo rápido, agressivo e cruel.
Ayshra sequer levantou o escudo. Nem teve tempo, só conseguiu arregalar os olhos.
Serana cravou a mão esquerda no rosto dela. Os dedos atravessaram o olho e o osso da face como faca quente em manteiga. A mão direita subiu em arco, formando garras negras de essência no meio do movimento, e rasgou a garganta de Ayshra num golpe seco, cortando carne, osso, traqueia e tudo que estivesse no caminho.
O corpo da tenente travou. O som que saiu foi só um gorgolejo patético, inconsciente.
Serana segurou o que restava do rosto dela com uma mão, puxou, girou e arremessou Ayshra contra o chão como quem joga lixo. O impacto foi seco, ossos quebrando no mesmo segundo.
Então ela parou, as mãos pingando sangue.
No instante seguinte, os cinco generais saltaram da tribuna, pousando na arena com impacto.
Koopus, Grithin, Aamerta, Hamita e Lou-reen se colocaram em posição, cercando Serana.
Ela, no entanto, apenas sorriu.
— Vocês vieram rápido. Ótimo… vai ser mais divertido do que imaginei.
Não houve pânico. Em Taeris, até mesmo os que estavam nas arquibancadas eram soldados treinados desde os dez invernos de idade. Em segundos, fileiras inteiras de espectadores se colocaram de pé, prontos para agir. Mas então o caos começou: entre eles, alguns soldados uniformizados em azul também puxaram suas lâminas… e atacaram.
O choque foi instantâneo: inimigos misturados ao próprio exército, vestindo os mesmos trajes, lutando lado a lado até o momento da traição.
Lá de cima, o Imperador se levantou, a voz firme amplificada por essência:
— Todos os soldados abaixo da patente de coronel: recuem imediatamente ao quartel! Não ataquem ninguém! Defendam-se apenas! E não tentem proteger quem não conhecem!
O campo virou um quebra-cabeça mortal. Confusão, gritos e lâminas tilintando. Serana apenas observava, com um leve sorriso no rosto.
Hamita não esperou, pulou à frente com o grito de guerra preso entre os dentes e as mãos fechadas como lanças. Serana a recebeu de igual para igual, e o impacto das duas fez o chão tremer. As mãos se agarraram com força, os olhos cravados um no outro.
— Você deve ser a famosa defensora de Pyrco — disse Serana, com um sorriso debochado. — Já ouvi falar tanto… E você faz jus à sua fama, general.
— Agradeço o elogio — retrucou Hamita, apertando ainda mais. — Mas vai ser mais divertido quando você tentar manter esse sorriso com o maxilar deslocado.
Lou-reen deu um passo adiante, o olhar firme.
— O que está fazendo em Ga-el, Serana?
Num movimento brusco, Serana empurrou Hamita com uma força que surpreendeu até mesmo os generais. Hamita deslizou alguns metros para trás, os pés arrastando pó e terra. A mulher então encarou Lou-reen.
— Ah, você deve ser a famosa Lou-reen… Bem que Clyve me avisou: direta, sem paciência e chata como uma convenção de estrategistas. Sendo assim, vou direto ao ponto: seu namorado matou o meu Clyve. E por isso, eu vim matar você.
Lou-reen franziu as sobrancelhas, confusa.
— Eu não tenho namorado.
Hamita caiu na gargalhada.
— Ela tá falando do Marco.
Grithin avançou um passo.
— Se quiser tocar em alguém de Taeris, vai ter que passar por nós.
Koopus Trinique caminhou ao lado dele, firme como uma muralha.
— Todos nós.
Serana olhou para eles como quem contempla uma peça de teatro. Bateu palmas, satisfeita.
— Vocês do Império realmente são bons nisso. Lealdade. Hierarquia. Proteção. É até bonito de se ver.
Ela ergueu a mão.
— Mas… eu não vim sozinha.
Cinco figuras saltaram sobre a arena, vestindo os mesmos uniformes azuis do Império.
Lá no alto, nas arquibancadas, os combates já haviam estourado. Soldados do Império lutando entre si; ou melhor, tentando entender quem ali ainda era aliado.
Serana abriu os braços como quem anuncia um espetáculo.
— Eu lhes apresento os Multiplicadores de Essência — disse com um sorriso frio. — Forjados em Malrath, treinados por Clyve Zhakar com um único propósito: destruir os pilares deste império decadente. Cada um deles é capaz de enfrentar um general… e vencer.
O primeiro deu um passo à frente. Carregava duas espadas curtas, uma em cada mão, e sorria como quem aprecia uma dança mortal.
— Cedric Fairwind. Ele derrota seus inimigos antes mesmo de sacarem a lâmina.
Ao lado dele, uma mulher de cabelos negros trançados até a cintura os analisava com olhos atentos, como se buscasse alguém específico. Uma adaga fina descansava em suas mãos, equilibrada com precisão letal.
— Asora Camadriel, a flecha que sempre acerta.
Do outro lado, um homem de pele escura, ombros largos e braços como troncos avançou com a calma de um predador. Era alto e robusto como uma torre, e não carregava arma alguma: suas mãos nuas eram tudo o que precisava.
— Pátkos Darkwater.
Atrás deles, um jovem de aparência gentil, quase inocente, acariciava o cabo de um florete elegante, como se fosse uma extensão natural de seu corpo. Havia uma leveza perturbadora em sua expressão, algo perigosamente tranquilo.
— Löerg Seaborn. Se você vê-lo sorrindo, provavelmente é tarde demais.
Por fim, uma mulher de armadura leve e olhos prateados estalava os dedos. Cada passo seu era silencioso como a morte. Chamas brancas e silenciosas começavam a surgir em suas mãos, mas não pareciam consumir, apenas pulsar, como se respirassem com ela.
— Auhra Revere. O fogo dela não aquece… só destrói.
Os Multiplicadores pararam ao lado de Serana, em formação, como peças de um jogo sinistro prestes a ser movidas.
Serana apontou para os generais de Taeris à sua frente.
— Vocês são a muralha. Nós… somos a tempestade.

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