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    Creed Allen, aquele que encontrei na onda em que me separei do Clã Anabada, um dos primeiros a se juntar a nós.

    — O que pensa que está fazendo!

    Um cavaleiro próximo percebeu sua deserção e tentou chamá-lo de volta, mas não foi o suficiente para convencê-lo.

    — Volte agora…! Olhe bem para aquilo! Dá pra vencer…!

    — Vencer o quê, porcaria nenhuma! Tá cego? Ninguém pode matar aquilo…!

    Era óbvio que tipo de pensamento o levara a essa conclusão. A dor extrema entortara seu julgamento. Se acreditasse que o monstro era impossível de matar, então fugir se tornava uma escolha justificável.

    — E-Eu fiz o que podia…!

    E com isso, ele sumiu pela rota de fuga aberta pelos desertores anteriores.

    — Porra.

    Inacreditável não era suficiente para descrever. Salvamos aquele verme quando estava prestes a morrer, ignorei o fato de que não fez quase nada durante toda a raid… e o ingrato pula fora? Logo agora, quando cada par de mãos faz falta?

    “É por isso que esses malditos ladrões, viu…”

    Uma amargura enorme me invadiu, mas tentei compreendê-lo ao máximo, por consideração ao tempo que lutamos juntos. Até porque, acabei de notar algo…

    — Aaaaaaaaah!

    A música havia mudado.

    【Maria Shure Elloyd conjurou Luz e Vento que Acalentam as Feridas.】

    【Enquanto o canto continua, todos os personagens dentro da área recebem efeito de Cura (Alta).】

    Parece que o grupo principal julgou que os danos nos corpo à corpo estavam passando do limite e decidiu fortalecer a cura. Não os culpo, na verdade, é a decisão certa.

    Mas…

    “É amargo.”

    Até um ladrão inútil fazia falta agora. E pior: aquela fuga deixou o moral ainda mais frágil.

    — …

    — …

    Ninguém dizia nada, mas dava para sentir os olhares inquietos. E se outro fugisse? E se, vendo aquilo, eles próprios decidissem que fugir era melhor?

    Shwaaaaaaaaa!

    Mesmo no meio dessa névoa de suspeita e desespero, a chuva ácida continuava. Os cavaleiros e demais guerreiros continuaram atacando com tudo, mas o maldito não morria. Na verdade…

    — Aagh…! Não importa quanto cortemos, ele regenera…!

    — Alguém faz alguma coisa! Lancem maldições, qualquer coisa!

    A certa altura, a carne dele passou a se regenerar mais rápido do que os ferimentos eram causados. Feridas se fecharam, membros decepados brotaram de novo, o rosto esmagado ganhou nova forma.

    — A chuva… parece que diminuiu um pouco…?

    E a chuva, antes avassaladora, agora perdia força. O que só significava uma coisa: a vida dele já havia recuperado bastante.

    — J-Já era! Ele tá ficando mais e mais duro, não consigo nem cortar ele!

    O moral, antes quebrado, afundava ainda mais. E mesmo assim, continuávamos. A vida dele subia, e tudo que fazíamos agora só servia para impedir que enchesse completamente.

    — Não recuem!! Só um pouco mais!!

    Continuei gritando para manter a linha. Porque, se esperássemos… nossa chance chegaria. Assim como agora.

    — Bjorn…! Terminei!

    Ainar finalmente trouxe boas notícias enquanto atacava sem parar.

    — Então está esperando o quê! Depressa…

    Eu iria dizer ‘arremesse’, mas…

    Fwiiiiiish!

    【O próximo golpe receberá o efeito de Caçadora de Almas.】

    A lança, totalmente carregada, passou por cima da minha cabeça como um raio e perfurou o monstro. Esta era a última cartada.

    Thump!

    E se…? Um único golpe, capaz de deixar o monstro à beira da morte mesmo depois de recuperar 20% da vida com Coitadismo… Talvez esse golpe final encerrasse tudo.

    Pshuuk!

    A lança verde, carregada com o desejo de todos, penetrou fundo o torso da criatura.

    Kiyeeeeeeeeek!

    Seu grito foi terrível, prova de que fora um ferimento mortal.

    Shwaaa!

    A chuva, que diminuía pouco a pouco, voltou imediatamente a ficar brutal. E então…

    【A vida do Lorde das Lágrimas, Tetrasea, está abaixo de 1%】

    E foi só isso.

    O monstro gritou, mas seu corpo não desapareceu. Ou seja…

    Plano B.

    Não. A raid contra Tetrasea fracassou.


    A raid havia falhado. E o motivo era simples demais.

    Faltou dano. Jogamos absolutamente tudo, cada migalha, sem deixar nada para trás, e mesmo assim não foi suficiente.

    A partir daqui, não existe solução que permita matar aquela coisa. Continuar a raid seria inútil. O correto seria analisar como minimizar perdas.

    Mas…

    — Por que…

    A frustração insistia em martelar minha cabeça. Estávamos realmente perto. Só algumas gotas a mais, e o copo teria transbordado. Se o ladrão não tivesse fugido…

    “Chega.”

    Aceite o resultado. Fiz tudo que era possível. Ficar remoendo não faz nada além de me deixar patético.

    Shwaaa!

    Se o ladrão tivesse lutado até o fim… é, talvez aquele único tiquinho de dano tivesse mudado tudo. Mas seguir por esse caminho leva a lugar nenhum.

    Se os seis do Clã Sawtooth não tivessem fugido. Se Armin tivesse contido a situação melhor, ou se eu mesmo tivesse impedido aquilo desde o começo. Se o mago não tivesse provocado o primeiro desertor. Se eu tivesse ordenado a proteção mental mais cedo. Se eu não tivesse me agarrado ao nome Hans e tivesse aceitado a ajuda do Fantasma Dourado desde o início.

    Se, se, se…

    Se qualquer um desses ‘se’ tivesse acontecido, talvez já estivéssemos rindo agora, discutindo quem ficaria com a Essência ou com o Tesouro do Andar. Mas, afinal, e daí? Seguindo essa linha, no fim chegamos ao óbvio: teria sido melhor nem fazer esta expedição.

    Então…

    Grrrp…

    É hora de aceitar.

    — …A tentativa falhou! Todos, recuem e regraupem com o grupo principal!

    Arranquei a frase da boca à força, anunciando a derrota. Não houve reação. Todos já sabiam. A raid fracassou de maneira miserável.

    — …E agora, o que fazemos?

    Os combatentes corpo a corpo escaparam da chuva ácida e voltaram rapidamente ao grupo principal. E então surgiu a pergunta. Desta vez, nem eu sabia responder.

    O que deveríamos fazer daqui em diante?

    Enquanto eu hesitava, outros foram mais rápidos.

    — Lamentamos, mas partiremos primeiro.

    Era o Clã Illuma, que havia sido sugado para o Salão Eterno e se juntado a nós no meio do caos do Corpo de Terra. Três já tinham morrido, restavam apenas um tanque, um invocador e um sacerdote. E, com toda a dignidade, declararam deserção.

    — O quê? O que significa isso!? Assim que o colapso começar, poderemos nos livrar desse monstro!

    — Isso é verdade. Mas e depois? Quanto tempo a fase de estabilidade ainda vai durar? Vamos ficar assim até lá? Com nosso estado atual, sobreviveríamos ao colapso?

    — E-Então vão embora e depois? O que pretendem fazer? Não têm plano nenhum!

    — Faremos como aqueles que fugiram primeiro: procuraremos o Clã do Fantasma Dourado. As chances de sobrevivência são melhores com eles.

    Era lógico. Irrefutavelmente lógico. Até Armin, o primeiro a se exaltar, não encontrou palavras.

    — Somos gratos por sua proteção até agora, mas acredito que cumprimos o nosso dever a você, Visconde, em levar essa batalha até o fim.

    — …

    — …Eu preciso levar meus companheiros de volta vivos.

    Nem Armin conseguiu segurá-los. Logo desapareceram, seguindo a rota de fuga.

    E então…

    — Nestas circunstâncias, não temos escolha.

    O próximo foi a Quarta Companhia da Terceira Ordem Real de Cavaleiros.

    — Pela sobrevivência do nosso batalhão, reclamamos aqui o comando de autoridade que havíamos cedido ao Lorde Yandel. Além disso, de acordo com o Artigo 39 do Código Militar…

    O discurso foi longo, mas, resumindo, significava que eles estavam partindo para salvar a própria pele. E, de fato, logo depois, a Quarta Companhia saltou do penhasco de maneira ordenada, como paraquedistas disciplinados, e desapareceu.

    E, como esperado…

    — M-Me desculpe…!

    O usuário de habilidades, Maze Reiner.

    — Me perdoe…! Já gastei toda a minha mana, não teria como ajudar de qualquer forma!

    O mago especial, Elbain Cutter. E vários outros sobreviventes que não podiam ser considerados pertencentes a nenhum grupo específico. Um por um, como pessoas cujo número na fila de espera finalmente havia sido chamado, eles se jogaram do penhasco.

    K-shhhh!

    Tudo isso enquanto eu apanhava de Tetrasea, queimado pela Lágrima e sendo corroído pela chuva ácida.

    Mas…

    — Esses malditos desgraçados!! Bjorn! Por que não os impede?! Diga uma palavra e eu mesma vou atrás deles para arrancar a cabeça de cada um!

    Não havia motivo para ficar tão furioso quanto a Ainar. Deixando de lado o que fiz por eles…

    “É a escolha óbvia.”

    Éramos um grupo que se uniu para sobreviver de qualquer maneira. Ao contrário da relação estreita do clã Anabada, eles eram terceiros sem interesses pessoais. A escolha deles nessa encruzilhada da sobrevivência estava predeterminada. É por isso que…

    Era natural que escolhessem viver.

    “Esses daqui é que são estranhos.”

    Engoli o ressentimento e observei quem ainda permanecia comigo.

    Toda a expedição de Armin. Ainar e o Sr. Urso. A sacerdotisa, Maria Shure Elloyd, embora, no caso dela, provavelmente fosse pura consciência religiosa.

    “Por que vocês não partiram com eles?”

    Quando encarei aquele sujeito e fiz a pergunta apenas com o olhar, recebi uma resposta totalmente inesperada.

    — Já cansei de seguir modinha.

    — …?

    — E o senhor não prometeu pela própria honra? Que, se resistíssemos, mesmo que voltássemos para a cidade, jamais faria disso um problema.

    Malid Kevron, o vice-líder do Clã Sawtooth. Está tentando pagar alguma culpa? Não sei. Mas assim que ele respondeu, outro decidiu dar justificativa sem nem ser perguntado.

    — C-Con… Conquista!

    O mestre de guilda, Ilya Adnus. Ah, é mesmo, esse sujeito ainda estava aqui. Nunca imaginei que ele ficaria até agora.

    — Mesmo que eu volte com alguma conquista, minha cabeça já está prometida!

    De fato. Descobri que ele tinha desviado tanto dinheiro que, no momento em que deixasse de ser mestre da guilda, seria executado.

    — Mais importante! Deve haver algum plano, não? Se deixou todos aqueles fugirem, é porque ainda tem como virar o jogo!

    Aparentemente, ele era muito mais otimista do que eu pensava…

    Pfft.

    Não, não havia plano nenhum. Se houvesse, eu teria segurado todo mundo à força até o fim. Mas agora ficou claro o que devo fazer.

    — Armin!

    — Lorde Yandel, não se preocupe! Não importa o que aconteça, jamais o abandonaremos!

    …Que diabos ele tá dizendo. A intenção é boa, mas…

    — Chega! Pegue os que restaram e recuem! Ainar! Você também!

    — Hã…? O que… o que está dizendo!

    — Não se exalte! Não estou dizendo que vou morrer aqui! Vamos nos encontrar vivos na cidade! Até lá, cuide do Abman por mim!

    Ainar pareceu pensar por alguns instantes, tentando entender que tipo de decisão eu havia tomado… e então:

    — …Entendido! Não se preocupe com o Urakburak!

    É essa a virtude dos bárbaros. Isso não é frieza, é romantismo. Ela acreditou cem por cento que sobreviveremos e nos veremos depois.

    — Mas, sério… como você planeja lidar com isso sozinho…?

    — Eu tenho um plano, não se preocupem! Ter vocês aqui só vai me atrapalhar. Nada de besteiras… vão logo!

    — …Nos veremos na cidade.

    Com minha voz firme, Armin percebeu que não havia escolha. Logo reuniu os demais e pulou com eles pelo penhasco.

    — Bjorn…! Não se machuque demais…!

    E, depois do grito da Ainar ecoando lá de baixo, o silêncio absoluto.

    “Não se machuque demais, disse ela.”

    Isso é realmente algo que se diz a um tanque? Por mais que eu pensasse nisso, era absurdo, mas acho que era típico da Ainar. Acalmei minhas emoções e verifiquei os arredores.

    Respirei fundo e observei ao redor.

    ———, ——— —, ——— ——— !

    Não havia mais canto sagrado algum. Só o som lúgubre da melodia distorcida preenchendo a chuva.

    — Sozinho de novo, hein…

    Soltei um sorriso torto e coloquei a Coroa de Flores da Angústia na cabeça. Não havia mais nenhum sacerdote para me curar. Minha sanidade agora era responsabilidade minha.

    【Você equipou No. ????: Coroa de Flores da Angústia.】

    【O nível total de equipamento aumenta em ???】

    Certo… a mente parece um pouco mais clara agora.

    Olhei para o único ser além de mim que ainda restava no cânion.

    — Heh. Bastou parar de bater por um minuto e já tá com a casca novinha, olha só.

    Da perspectiva de alguém que o havia atacado diligentemente até momentos atrás, era uma visão incrivelmente desanimadora. A julgar pela quantidade de chuva, eu estimaria que sua vida atual estivesse em torno de vinte por cento…

    — E então, por que não está atacando?

    A criatura apenas me encarava.

    E então…

    【Lorde das Lágrimas, Tetrasea, demonstra curiosidade.】

    Inacreditavelmente, saiu fala humana da boca daquilo.

    — ⟅P-or qu-e…⟆

    Uma língua arcaica incompreensível para gente normal. A dicção era horrível, culpa da estrutura da boca, provavelmente. Mas ainda assim…

    — ⟅v-oc-ê es-tá ri-nn-do…?⟆

    Ele falou claramente. E, por alguns instantes, eu fiquei completamente atônito.

    “Mas… que porra é essa?”

    Jamais esperei algo assim.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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