Capítulo 24: Tornando-me Uma Deles
— Você está mostrando sua verdadeira cara, Fortune — comentou o demônio, o sorriso de êxtase se transformando em rancor. — Isso me alegra. Alegra muito! Mas por outro lado, é perigoso que você tenha toda essa liberdade. Sua mente ainda consegue pensar em coisas além da destruição.
Suas palavras entravam por um lado e saíam pelo outro. Nada fazia sentido, e nem queria que fizesse. Talvez, se entendesse o que ela falava, todo esse ódio se cessaria, e não queria que ele fosse embora tão cedo.
Avancei. Era melhor não pensar em nada.
“Foque apenas no que está na sua frente.”.
Me aproximei em segundos, preparando minha espada para um corte lateral. Algo previsível, mas que precisava tentar.
Ela precisava morrer naquele momento.
— Sua burra do caralho! — gritou. — Acha mesmo que com essa espada você pode me atac–
Sua mão foi cortada, jogada para longe de seu corpo com o impacto. Por mais que não sentisse o fio da espada, ela, de alguma forma, machucava aquela criatura imunda.
Me afastei assim que percebi a gravidade.
— Termine a frase — disse, abrindo um sorriso nervoso. — Quero ver terminar a porcaria da frase agora.
Era como se seus sentimentos fossem transmitidos até mim. Pude sentir a raiva, o desgosto, o nojo vindo daquele corpo profano.
— Você cortou minha mão? Hahaha… — murmurou o demônio, enquanto sua mão decepada se regenerava lentamente. — É um grande feito pra você, mas para sua tristeza, eu não possuo sangue correndo em minhas veias. A regeneração só se torna mais fácil.
Quase no mesmo instante, uma grande quantidade do líquido viscoso e escarlate correu da ferida aberta em seu corpo, interrompendo a criação de um novo membro. Um feito impossível, levando em conta o que acabara de dizer.
A espada ainda não estava satisfeita com aquela pouca quantidade. Precisava de mais. O fervor que percorria em minhas veias não eram o suficiente. Sua cara de temor por ter sangrado era apenas um prelúdio do que iria acontecer.
— Eu… sangrei? — sussurrou, seus olhos arregalando. — Como caralhos eu sangrei?! — Olhava de um lado para o outro, tentando procurar algo, mas de nada adiantava. Aquele lugar era vazio.
Só existia a sua presença e a minha em um infinito branco. Era uma caçada num lugar aberto, e não existia coisa mais fácil do que isso. Agora só restaria saber quem de nós seria o caçador.
Meu corpo estava cheio de vida, ao contrário desse ser imundo que estava na minha frente.
— Vou te matar.
Apenas três palavras. Uma simples frase que anunciava meu único objetivo naquele instante. Não conseguia dizer mais, e se dissesse, seria apenas perda de tempo. Existiam poucos motivos para prolongar uma conversa.
Minha espada necessitava de muito mais.
O sangue me chamava.
Um pequeno sorriso se abria em meu rosto. Imperceptível a princípio, e logo se tornou mais evidente a cada segundo. De alguma forma eu me sentia feliz, muito feliz com aquela situação.
Eu queria mais!
Não conseguia pensar.
O raciocínio era apenas uma linha tênue que havia se quebrado a muito tempo. Era tudo tão frágil.
Muito frágil.
Como poderia confiar em algo que se quebraria em segundos?
Eu precisava ser forte.
Ficar forte.
E aquela espada…
Aquela espada me garantiria força. Uma força que me faria emergir como uma…
— Sua vadiazinha! — Minha visão, antes turva, focou no punho do demônio, que já estava próximo demais para tentar desviar.
Tentei colocar o braço para que impedisse o impacto, mas não foi o suficiente.
— Não vou virar uma sem braço que nem você! — continuou, regenerando seu membro perdido por completo. — Isso tudo por que eu quis aceitar essa missão de bosta… Caralho, eu odeio muito as Divindades!
Meu coração pulsou forte ao escutar essa nomenclatura.
Não parecia nada familiar, e talvez, fosse melhor não conhecer. O meu peito foi invadido por um calafrio enorme, como se, lá no fundo, fosse um aviso. Um grande aviso.
— Divindades…? — murmurei, enquanto me levantava naquele espaço. — Eu quero saber mais delas… Se importaria em me contar?
Um resquício de consciência me puxava de volta para a realidade. Esse resquício era um lembrete: “controle-se ou morrerá”.
— Blá, blá, blá… Minha inimiga aqui é você. Por que eu contaria mais sobre eles? — respondeu, enquanto alongava seu novo braço. — Se bem que eu não posso saber muito… Droga! Ser um Deus Menor é um saco. Não aguento mais receber ordens!
O que é isso…? Então, existem patentes dessas criaturas? Deus Menor… Divindades… O que mais existe que não sei?
Eu queria descobrir agora.
Um passo.
Apertei a espada com força, manchando o chão com o sangue que não parava de jorrar. E, nesse mesmo espaço de tempo, uma névoa negra moldou-se no formato de um segundo braço para meu corpo, suprindo a falta dele.
Uh… Parecia até que eu nem tinha perdido.
E essa segunda mão foi se envolvendo com correntes que se estendiam até o chão, se arrastando em uma superfície plana. O som foi inundando o local sem fim.
— Você é um dos fracos, então? — perguntei, apoiando a espada no ombro.
Minhas intenções foram passadas. Estava disposta a matar caso fosse necessário.
— Fraco é a vaca da tua mãe, cacete! — respondeu, dando o dedo do meio. — Só tenho posição baixa, mas de fraca não tenho porra nenhuma!
— Ah é…?
Ela se irritava muito fácil, e por conta disso, iria perder.
Me encontrava na frente dela, preparando minha espada para mais um golpe certeiro. Estava sorrindo.
Sorrindo muito.
— Quero ver a tua força — disse, atacando com a espada, de cima para baixo.
O Anjo percebeu o ataque, um reflexo que havia subestimado, mas aquilo não era o suficiente para sair ileso.
Sua perna foi arrancada.
Caiu no chão quase no mesmo instante, tentando se arrastar após perceber a enrascada que havia se metido.
O sangue espirrava de sua perna. Um sangue que não era dela, mas que parava sua preciosa regeneração.
— Então, que tal recomeçarmos a nossa conversa? — perguntei, segurando-a pelo cabelo. Arrastei-a pelo chão até uma cadeira que se formava pela névoa.
Lamentava a sua situação.
Até tinha um pouco de…
Eu queria ver seu sangue mais uma vez. Se sua raça não sangrava, então, daria um jeito de fazer isso.
— Sua puta! — resmungou, seu holograma falhando, revelando um rosto tão humano quanto o meu. Chorava. Sua expressão de choro era evidente em meus olhos. — Eu vou matar toda a sua família, sua vadia!
— Todos devem estar mortos nesse momento! — respondi, jogando-a na cadeira, que logo enrolou-a com diversas cordas. — Eu não quero saber de uma família, riquezas ou qualquer coisa parecida. Só quero que me diga sobre essas Divindades.
Assim que disse isso, senti meu coração pulsar forte mais uma vez. O amargor de falar esse nome em voz alta era real.
Muito real.
O Demônio se encontrava soluçando, tentando se soltar de amarras que não estavam nem próximas de quebrar. Debater não ajudaria em nada.
— Se quer tanto morrer me fala, viu? Por que eu posso só enfiar essa espada no seu peito e tudo vai acabar rápido até demais — disse, o sorriso evidente em meu rosto.
— Você… Você é…
Um demônio.

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