Índice de Capítulo

    O breu ainda dominava o mundo quando Anayê se levantou e se arrumou para sair. Desde a confissão de Miriã sobre as outras crianças, sua mente não descansara e nem permitira pensar em outro assunto. Então, foi um longo dia em que ela reuniu informações, separou suprimentos e frascos com fluido de oração, tudo secretamente.

    Miriã contara a respeito do local, penhascos semelhantes a bicos quebrados e uma caverna entre eles.

    O mestre e Finney achavam ser os picos quebrados em Brakivad. E essa era a pista necessária para Anayê começar a sua busca. 

    Conseguira um velho mapa com as fronteiras de Skell e Brakivad. Em alguns dias, estaria no reino vizinho e, poderia encontrar os picos quebrados apenas perguntando para as pessoas ou em uma taverna. Essa era a parte fácil.

    Assim que pisou o pé fora da casa e procurou por Juno, ouviu uma voz conhecida soando ao seu lado e tomou um susto.

    — Pensando em sair sem se despedir?

    Era o mestre.

    — Você… sabia? — ela franziu o cenho.

    O velho estava sentado na sua típica cadeira de balanço com o cajado repousado nos joelhos.

    — E você estava mesmo disposta a ir para um reino desconhecido sozinha para enfrentar um bando de maggs?

    — Aquelas crianças precisam de ajuda — Anayê falou, erguendo a voz.

    — Eu nunca neguei isso.

    — Mas parece que sim.

    — A sua interpretação sobre alguém não a torna fato.

    — Você quer me impedir de ajudá-las! — ela não poupou a autoridade no tom.

    — Ora, me diga, quantos maggs você acha que tem lá?

    Anayê abriu os braços e disse:

    — Isso é importante?

    — Será que você já se esqueceu do seu treinamento?

    — Os maggs são uns fracotes, eu basicamente acabei com eles em um piscar de olhos. E nem precisei usar a rajada de vento cortante.

    O velho riu com ironia.

    — Realmente, apagaram da sua memória todo o meu ensinamento.

    Ela sabia do que ele estava falando. É óbvio que se lembrava: jamais subestime seu oponente.

    Enquanto ainda pensava, o cajado do velho voou em sua direção com velocidade insana e ela se esquivou mais por instinto do que por percepção. Seus joelhos deslizaram na grama para aparar sua queda e seus olhos se voltaram para o mestre.

    O bastão simplesmente fez uma volta no ar e retornou para as mãos do velho.

    — O que… foi isso?! — ela indagou se colocando em pé.

    Não houve resposta, mas o cajado arremeteu na sua direção outra vez. Seu corpo girou no ar e o objeto passou por baixo a poucos centímetros. O mestre fez um simples gesto de mão e o bastão disparou contra ela. Anayê saltou para a direita e depois para a esquerda quando o objeto retornou.

    — O que significa isso?!

    Silêncio.

    O cajado fez uma finta, porém, as mãos de Anayê foram mais rápidas e agarram-no. Seus olhos caíram sobre o velho em desafio.

    — E então?

    O mestre usou as duas mãos e fez um gesto como se estivesse puxando o ar. Anayê sentiu uma força se contrapor à sua e tentar arrancar o objeto de suas mãos. No entanto, ela não largou o bastão e reuniu sua energia para segurá-lo.

    Por um momento, enxergou surpresa nos olhos do velho sentado na cadeira e isso foi suficiente para enchê-la mais coragem.

    Sua coragem, entretanto, não era o bastante, pois seus pés começaram a ser arrastados na direção do mestre. Ela tentou firmá-los no chão, mas eles deslizaram através da grama e da terra formando uma marca no solo.

    Anayê teve uma ideia. Invocou sua adaga para a mão direita e segurou o bastão com a esquerda, reuniu toda a sua energia espiritual e fincou a sua lâmina no chão. O cajado forçou seu ombro e os músculos dos seus braços, mas ela não soltou.

    O cabo de guerra invisível finalmente encontrara um equilíbrio, pois o bastão estancara na metade do caminho entre Anayê e o mestre.

    A garota juntou os dentes e, mesmo começando a sentir os nervos arderem, reuniu energia para mirar o velho e sorrir. Porém, só conseguiu sustentar seu olhar de desafio um momento porque em seguida vislumbrou uma aura esverdeada aparecendo em torno dele.

    A energia espiritual? Até então jamais tivera a oportunidade de enxergar a aura do mestre, nem mesmo durante os treinamentos. Devo estar sonhando.

    De repente, o bastão contraiu com violência e o braço dela não suportou a dor e largou o cajado.

    O ato seguinte foi questão de segundos.

    Anayê lançou mão da adaga e se impulsionou contra o objeto, conseguindo alcançá-lo e estancá-lo a três metros da cadeira. Contudo, não havia possibilidade de mantê-lo.

    Seu rosto se encheu de suor, seus braços começaram a tremer e seus pés voltaram a deslizar.

    Anayê invocou sua adaga novamente. Soube que não poderia sustentar o bastão com uma mão, mas ela necessitava apenas de um segundo. Quando a lâmina surgiu, ela lançou-a contra o velho que arregalou os olhos. A ação durou tempo suficiente para que ela agarrasse o bastão e, usando toda a sua força, fincasse-o no chão.

    A adaga acertou a parede atrás da cadeira.

    O mestre a fitou, intrigado.

    — Entendo… sua intenção não era me acertar, apenas me distrair.

    Anayê abriu um sorriso debochado.

    — Humpf… me lembrei de quando você chegou aqui. Assustada, intimidada, silenciosa.

    A recordação também acometeu a mente dela.

    — Agora você está aí, discutindo e questionando as minhas decisões.

    O mestre firmou os joelhos e se levantou, caminhando até ela.

    — Está bem — ele disse retomando seu bastão.

    O velho se virou rumo à casa.

    — Antes de partir, tenho algo para você.

    Ela seguiu-o até um dos quartos da casa onde ficou surpresa ao ver Fenrir. Ele estava sentado na cama descascando uma laranja.

    — Olá — ele disse de modo tímido.

    — É bom vê-lo outra vez.

    Fenrir assentiu.

    — Ele retornou pela manhã, mas passou algum tempo na ilha flutuante com os três — o mestre explicou.

    — Então, isso quer dizer que…?

    — Sim, temos aqui um novo ceifador — o mestre revelou.

    — Isso é ótimo! — Anayê disse. — Meus parabéns.

    — Obrigado. Eu… ainda não sei como reagir a tudo isso.

    — Você vai se sair bem — ela garantiu.

    — Eu concordo com Anayê.

    — Obrigado pela gentileza.

    — Mas ainda não acabou — o mestre falou. — Ele irá te acompanhar até Brakivad.

    Anayê franziu o cenho.

    — Vocês vão salvar as crianças, devolvê-las para suas famílias e derrotar os maggs.

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