Capítulo 87 - Agentes da Coroa (3/3)

No momento, porém, Zach e Zorian estavam na instalação de pesquisa de magia temporal sob Cyoria. Os dois estavam disfarçados de agentes adultos da coroa e conversavam em particular com Krantin Keklos, o pesquisador-chefe e supervisor da instalação.

Krantin girava lentamente o orbe imperial em suas mãos, completamente fascinado por ele.

“O senhor entende que exigimos seu silêncio absoluto sobre este assunto, não é, Sr. Keklos?” perguntou Zorian.

O homem ergueu o olhar de repente, com uma expressão ligeiramente confusa no rosto. Ele estava evidentemente tão absorto no estudo do orbe que havia perdido a noção do tempo.

“Hm? Ah. Ah, sim, eu entendo perfeitamente a necessidade de sigilo”, disse Krantin rapidamente, assentindo freneticamente. “Garanto-lhe que eu e minha equipe estamos bastante acostumados a trabalhar em projetos ultrassecretos e a lidar com possíveis vazamentos.”

Ele olhou demoradamente para o orbe em suas mãos mais uma vez.

“Esta coisa… é absolutamente incrível”, disse ele, com evidente admiração na voz. “Não consigo expressar em palavras o quão feliz estou por receber esta honra.”

“Espero que se lembre de que não lhe deram este orbe apenas para satisfazer sua curiosidade pessoal”, disse Zach, com voz rouca. Ele estava interpretando o vilão no esquema de ‘agente real falso’. “Concedemos-lhe esta honra porque você é o maior especialista em Salas Negras do nosso país, e esperamos que você consiga transformar esta dimensão de bolso na maior de todas. Você consegue ou não?”

“Sim, com certeza”, disse Krantin. “Embora o volume do espaço interno seja maior do que qualquer coisa que já tenhamos feito, o isolamento em relação ao mundo exterior também é sem precedentes. Podemos definitivamente transformar isso em uma zona de dilatação temporal. Só que…”

“Só que?” Zorian insistiu.

“B-Bem, esta é uma empreitada muito ambiciosa que você está propondo”, disse Krantin, tropeçando um pouco nas palavras. Zorian percebeu que, embora Krantin estivesse um pouco nervoso, ele também estava determinado a aproveitar ao máximo a oportunidade que lhe foi apresentada. “Para criar isso que você está propondo, teríamos que expandir consideravelmente as instalações de pesquisa e desenvolver métodos totalmente novos para a construção de Salas Negras. Embora eu tenha certeza de que podemos fazer isso eventualmente, a quantidade de tempo envolvida não é pequena. Somos uma equipe muito pequena e…”

“Você quer mais dinheiro”, disse Zach sem rodeios, interrompendo-o.

“E pessoas”, Krantin assentiu.

Ele parecia perceber que isso era importante para eles. Nesse caso, ele achou perfeitamente apropriado pedir um maior comprometimento em termos de recursos e pessoal disponível.

Zorian não respondeu verbalmente. Apenas enfiou a mão no bolso do paletó e entregou a Krantin uma nota promissória de um dos bancos locais. Ele poderia ter trazido dinheiro vivo também, é claro, mas já sabia que instituições governamentais como aquela raramente lidavam com esse tipo de coisa e que despejar grandes pilhas de papel-moeda seria um grande erro. Isso levantaria suspeitas por todos os lados.

Krantin aceitou a nota promissória sem dizer uma palavra e deu uma olhada rápida. Ergueu uma sobrancelha ao ver o valor impresso. Zorian percebeu que ele estava satisfeiro, mas não realmente impressionado.

“Este é apenas o valor inicial para vocês começarem, é claro”, disse Zorian. “Você receberá mais financiamento assim que as coisas começarem a avançar, além de bônus adicionais se o projeto estiver indo particularmente bem.”

“É claro”, disse Krantin, um pouco mais impressionado.

“Em relação à equipe adicional, isso é um pouco mais complexo”, disse Zorian. “Devido à natureza um tanto abrupta desta iniciativa, levará pelo menos um mês até que possamos enviar novas pessoas para cá em caráter permanente.”

“Tudo bem”, disse Krantin tranquilamente. “Posso esperar um mês ou vários. Só tenha em mente que quanto mais tempo demorar para a chegada da equipe adicional, mais o projeto ficará estagnado.”

“Eu não terminei”, disse Zorian, balançando a cabeça. “Embora não possamos enviar pessoas oficialmente, você receberá vários magos especializados em dimensionalismo para ajudá-lo a avançar mais rapidamente com o projeto.”

Especificamente, o homem receberia Xvim, Silverlake, Zach e Zorian. Com a experiência deles em dimensionalismo e com a experiência da equipe do centro de pesquisa na construção de Salas Negras, o projeto, com sorte, resultaria em algo útil após alguns reinícios.

Krantin, no entanto, não pareceu gostar da ideia.

“Não gosto que especialistas de fora da minha área venham aqui me dizer como as coisas devem ser feitas”, disse ele sem rodeios. “Mesmo que sejam altamente competentes, não conhecem o contexto mais amplo de por que fazemos as coisas do jeito que fazemos. Só iriam atrasar tudo e criar confusão.”

“Você é o supervisor da unidade ou não?” desafiou Zach. “Está me dizendo que não consegue manter meia dúzia de recém-chegados sob controle ou colocá-los a par das coisas em tempo hábil?”

Krantin franziu a testa, lançando-lhe um olhar ligeiramente irritado.

“Essas pessoas estão sendo enviadas para ajudar”, disse Zorian em tom conciliador. “Se, depois de conversar com elas, você achar que não contribuem em nada para o projeto, fique à vontade para dispensá-las.”

“Lembre-se apenas de que a ajuda delas já foi considerada em nossas projeções de duração do projeto”, alertou Zach.

“Muito bem”, disse Krantin, um pouco contrariado. “Vou dar uma chance a essas pessoas, pelo menos. Veremos se são tão boas quanto vocês dizem.”

Levou mais uma hora para organizar tudo. Zach e Zorian entregaram a Krantin uma pilha de documentos ‘oficiais’, que o homem apenas folheou antes de repassá-los ao restante da equipe. Ele evidentemente nem cogitou a possibilidade de que tudo aquilo fosse uma farsa elaborada. Zorian esperava que as pessoas realmente responsáveis ​​por processar a documentação fossem tão descuidadas quanto seu supervisor, pois muitos dos documentos não resistiriam a uma análise minuciosa.

“Bem”, Krantin finalmente suspirou. “Essa foi, sem dúvida, uma noite bastante produtiva. Havia mais alguma coisa que vocês gostariam de discutir?”

“Na verdade, sim”, Zorian assentiu, entregando ao homem outra pasta cheia de documentos. “Houve uma mudança em relação ao grupo que planeja usar o próximo período na Sala Negra.”

Não era assim que Zach e Zorian costumavam assumir o controle da Sala Negra sob Cyoria quando queriam usá-la. Normalmente, eles simplesmente desativavam o grupo verdadeiro e apareciam com documentos falsos no último momento possível, dando à equipe da instalação pouco tempo para analisar a situação. Desta vez, porém, eles planejavam trazer um grupo inteiro com eles. Portanto, haviam se dado ao trabalho de organizar tudo com mais cuidado.

“Ah? O grupo do Retin decidiu cancelar o uso da Sala Negra que estava agendado?”, disse Krantin, folheando a pasta. “Que estranho, eles estavam tão entusiasmados com a ideia…”

Ele lançou-lhes um olhar conhecedor. Ele claramente sabia que havia algum tipo de jogada suja ali, mas provavelmente pensava que se tratava do governo pressionando um grupo a desistir da reivindicação, em vez de algum tipo de enganação.

Ele balançou a cabeça tristemente, jogando a pasta para o lado.

“Estou curioso”, disse ele. “Esse orbe, as mudanças repentinas na alocação de recursos e coisas do tipo… estão relacionadas a esses ‘presentes’ misteriosos sobre os quais ouço falar pelos boatos?”

Hah.

“Não somos pagos para fazer esse tipo de pergunta, e você também não”, disse Zach, com um tom sombrio.

“Mas provavelmente”, acrescentou Zorian.

Zach lançou-lhe um olhar de advertência em resposta. Ele era um ator muito bom, considerando tudo. Será que ele costumava fazer esse tipo de coisa com frequência em reinícios anteriores ou era apenas um talento nato?

“Certo, entendi. Esqueça o que eu perguntei”, disse Krantin, levantando-se. “Acho que ambos devemos voltar aos nossos trabalhos. Quando posso esperar esses seus ‘especialistas’?”

“Daqui a três dias”, disse Zorian. Isso deve ser suficiente para ver se a farsa deles tinha funcionado ou não. “Também faremos visitas periódicas para verificar o progresso e ver se vocês precisam de alguma coisa.”

“Me deem recursos suficientes e eu darei a vocês o que quiserem”, garantiu Krantin.

Zorian não tinha dúvidas disso. A verdadeira questão era se os resultados chegariam rápido o suficiente para serem úteis.

Ele também jurou mentalmente que, se Krantin realmente produzisse resultados impressionantes com o que lhe haviam dado, ele encontraria uma maneira de recompensá-lo no mundo real.

De alguma forma.

* * *

Em um reinício típico, Zach e Zorian tinham o hábito de realizar reuniões em todos os tipos de lugares diferentes: parques, tavernas, casas abandonadas, casas em construção, pequenas cavernas no meio da natureza… geralmente faziam a escolha por puro impulso e conveniência. A novidade de realizar uma reunião em um novo local também era um alívio bem-vindo da monotonia sufocante que dominava o ciclo temporal.

Agora, porém, havia muito mais gente participando dessas reuniões. Isso mudou completamente a dinâmica habitual. Eles não podiam mais decidir essas coisas por impulso — agora precisavam encontrar um espaço grande o suficiente para acomodar todos com relativo conforto e garantir que todos pudessem se reunir no horário previsto. Lugares públicos estavam praticamente descartados — um grupo de uma dúzia de pessoas de diferentes idades e profissões, além de algumas aranhas gigantes, chamaria a atenção onde quer que fossem. Além disso, Ilsa ficou furiosa quando tentaram marcar uma reunião em uma caverna fria e úmida no meio de uma região selvagem desabitada. Zorian não entendia o porquê de tanto alarde; a centopeia que tentou subir pela perna dela tinha menos de um dedo de espessura e os morcegos não incomodavam ninguém, mas depois todos concordaram em realizar as reuniões apenas em construções de verdade.

Assim, os dois finalmente decidiram realizar todas as reuniões na Mansão Noveda. O local tinha muitos cômodos vazios e espaçosos, além de proteções de privacidade muito boas. Embora Zach reclamasse que aquela era a opção mais entediante, ele concordou com Zorian que organizar reuniões em outro lugar dava mais trabalho do que valia a pena.

Assim, naquele momento, havia um grande grupo de pessoas reunido em uma das maiores salas de reunião da Mansão Noveda. A reunião em si já havia terminado, mas o grupo não se dispersara por aquele dia. Em vez disso, a maioria havia se dividido em grupos menores que discutiam assuntos de interesse mútuo.

Em um canto, o emissário dos Sábios da Filigrana tinha uma discussão animada e barulhenta com Nora Boole. A professora de fórmulas de feitiços não parecia se importar em estar falando com uma aranha gigante e, ao contrário, apreciava a oportunidade de discutir sua área de estudo com uma alma afim. O emissário dos Sábios da Filigrana, por sua vez, parecia imensamente satisfeito por ter encontrado uma maga humana interessada em seu tipo de fórmula de feitiço. Os dois pareciam completamente alheios ao que os cercava e à passagem do tempo, tão absortos estavam na discussão.

Não muito longe dali, Alanic e Kyron haviam coberto uma mesa repleta de mapas e a encaravam em silêncio. De vez em quando, apontavam para um ponto aleatório no mapa e trocavam algumas palavras ríspidas antes de se calarem novamente. Zorian não conseguia decifrar nada daquelas breves e misteriosas trocas de palavras. Provavelmente, ninguém mais conseguia – todos pareciam estar mantendo uma distância respeitosa deles.

No outro canto, Zach discutia acaloradamente com o emissário dos Defensores Luminosos. Esta discussão era menos amigável do que a entre Nora Boole e o emissário dos Sábios da Filigrana. Zach parecia estar tentando convencer os Defensores Luminosos a lhe ensinarem magia mental, enquanto o emissário insistia que Zach não era psíquico e que isso seria uma perda de tempo.

Zorian suspeitava que Zach acabaria conseguindo o que queria. Os Defensores Luminosos eram bem menos orgulhosos com eles depois de terem vivenciado o loop temporal pessoalmente, e agora sabiam exatamente o quão poderoso Zach era. Eles sabiam que não podiam se dar ao luxo de irritá-lo, e era improvável que Zach desistisse depois de colocar algo na cabeça, então provavelmente acabariam cedendo. Se algo resultaria dessas aulas, era algo de que Zorian tinha muito menos certeza.

Não muito longe dali, um pequeno grupo formado por Kael, Taiven, Lukav e Daimen estavam examinando os diversos materiais raros que Zach e Zorian haviam reunido e trocava histórias. A conversa parecia bastante banal, focando em anedotas divertidas e coisas do tipo.

Uma das mesas estava completamente monopolizada por Silverlake, debruçada sobre seus documentos relacionados ao estudo do portal de Ibasan. Zorian ficou bastante surpreso com o comportamento dela neste reinício, para ser honesto. Ela parecia muito mais entusiasmada e disposta a ajudá-los agora. Era interessante como ela mudou drasticamente depois de vivenciar o loop temporal com seus próprios olhos.

Finalmente, havia Zorian. Assim como Silverlake, ele não estava interagindo com ninguém no momento. Em vez disso, inspecionava uma mesa repleta de artefatos divinos que haviam roubado para estudo. Ele nunca havia feito nenhum progresso em desvendar o mistério dessas coisas, mas certamente não desistiria. Principalmente porque Quatach-Ichl havia confirmado que era possível, pelo menos, detectar energias divinas com magia comum.

Eventualmente, sua solidão foi interrompida por Xvim, que se aproximou da mesa e sentou-se na cadeira ao lado. Ele parecia levemente descontente.

“Problemas?” perguntou Zorian.

“Desenvolvi uma nova apreciação pela quantidade de paciência que você e o Sr. Noveda possuem”, disse ele, com indiferença. “Acabei de passar a manhã inteira corrigindo uma pilha de trabalhos de alunos que eram absolutamente idênticos aos que eu já havia corrigido no reinício anterior e percebi que isso vai acontecer com frequência. Uma constatação desagradável.”

“Hah”, disse Zorian. “Você sempre pode ignorar.”

Xvim balançou a cabeça.

“Isso iria contra meu orgulho profissional”, disse ele. “Assim como exijo dedicação dos meus alunos, exijo o mesmo de mim mesmo. Uma coisinha dessas não deveria me abalar. Vou encarar isso como um tipo de têmpera pessoal, suponho.”

“Entendo”, disse Zorian, assentindo. “Suponho que você seria um grande hipócrita se, depois de submeter seus alunos a um tratamento inicial tão enfurecedor, perdesse a paciência depois de apenas alguns meses de repetição.”

Xvim murmurou em resposta, sem dar uma resposta verbal. Ele olhou para os artefatos divinos que Zorian estava examinando.

“Você sabe, tenho certeza, que ninguém jamais conseguiu descobrir como os artefatos divinos realmente funcionam?” perguntou Xvim.

“Claro”, disse Zorian. “Mas pouquíssimas pessoas tiveram a oportunidade de desmontá-los repetidamente como método de estudo.”

“Mesmo assim, estou surpreso que você esteja perdendo tempo com isso”, comentou Xvim. “Não seria mais sensato dedicar mais tempo a assuntos relacionados ao loop temporal?”

“Eu classificaria isso como algo muito relacionado ao loop temporal”, respondeu Zorian. “O loop temporal claramente funciona, pelo menos em parte, com a ajuda de energias divinas. Quem garante que elas não estejam envolvidas com nossos marcadores?”

“Ah?” perguntou Xvim, subitamente mais interessado.

“É apenas especulação sem fundamento”, disse Zorian. “Mas tenho pensado no que o Robe Vermelho poderia ter que outros Controladores do passado não tinham, que lhe permitiria romper as limitações impostas aos marcadores temporários, e a resposta mais provável que encontrei é… Quatach-Ichl. Suspeito que energias divinas estejam envolvidas com o marcador de alguma forma, e que a razão pela qual o Robe Vermelho conseguiu alterá-lo seja porque teve a ajuda de Quatach-Ichl. Seu método de perceber e possivelmente modificar energias divinas pode ter permitido que ele adulterasse o marcador de maneiras impossíveis para nós… nesse caso, nossos esforços para entender e modificar o marcador estão fadados ao fracasso desde o início.”

“Espero que você esteja errado quanto a isso”, disse Xvim após uma breve pausa. “Quatach-Ichl está vivo há séculos. Quem sabe quanto tempo ele levou para desenvolver tais capacidades?”

Zorian não tinha nada a dizer em resposta.