Ruinas de Aethra

    Foi instantâneo. Um momento atrás, Marco estava flutuando no espaço, realizando sua missão. No instante seguinte, estava caindo — e, sem querer, matando um homem careca no impacto.

    Tão rápido que sua mente demorou alguns segundos para processar o que havia acabado de acontecer. Cientificamente, ele sabia exatamente o que ocorrera. Mas, ainda assim, era inacreditável demais para ser verdade.

    — Eu… Eu… Acabei de atravessar um buraco de minhoca?

    Antes que pudesse se aprofundar nesse pensamento, uma chuva vermelha brilhante caiu ao seu redor.

    “GPS inoperante. Ambiente desconhecido. Analisando atmosfera…”

    A voz fria e mecânica de Nova ecoou em seu capacete, trazendo um pequeno alivio.

    — Nova! Você tá funcionando!

    “Sistema operacional ativo. Composição atmosférica: nitrogênio, 78%; oxigênio, 21%; dióxido de carbono, 1%. Gravidade local: 9,5 m/s². Diferença de 0,4% em relação à Terra.”

    Marco piscou, absorvendo a informação.

    — Atmosfera idêntica à da Terra… mas gravidade ligeiramente diferente. Então onde diabos eu tô?

    A chuva vermelha cessou, e ele finalmente notou o cetro em sua mão direita. Foi nesse momento que se lembrou: havia caído sobre alguém. Seu olhar foi para o chão.

    O corpo do homem estava imóvel sob ele, sangue ainda fresco jorrando de um buraco no peito. O estômago de Marco revirou.

    — Ah, não… não, não, não…

    Com um reflexo desesperado, ele jogou o cetro para longe. Mas a arma voou alguns metros e, contra toda a lógica, voltou para sua mão.

    Ele congelou.

    — Mas o quê…?

    Ele piscou, incrédulo. Jogou de novo. O cetro retornou.

    “Nova tecnologia detectada. Iniciando assimilação…”

    Marco franziu a testa.

    — Nova? O que você tá fazendo?

    “Estabelecendo conexão com sistema desconhecido. Analisando estrutura, composição e propriedades energéticas.”

    — Sistema desconhecido?

    “Estrutura analisada. Material não identificado. Emissão de energia detectada. Sincronização em andamento.”

    Antes que pudesse entender o que aquilo significava, uma voz firme interrompeu seus pensamentos:

    — *** * ****?

    Marco virou-se rapidamente.

    A poucos metros, uma moça tão jovem quanto Marco se mantinha de pé — ferida, coberta de sangue, usando uma armadura medieval… e segurando uma espada que ESTAVA PEGANDO FOGO?!

    Ele piscou.

    A mulher deu um passo à frente, olhos fixos nele.

    — Q*E* * V**Ê?

    Marco franziu a testa. A frase era incompreensível… mas, de alguma forma, parecia quase familiar.

    “Assimilação de linguagem em andamento.”

    Ele não percebeu o aviso.

    A mulher apertou o cabo da espada, e as chamas se intensificaram.

    — QUEM. É. VOCÊ?

    Dessa vez, Marco entendeu cada palavra.

    O coração dele disparou. Como…?

    Sem querer arriscar, ele ergueu as mãos e, devagar, retirou o capacete. Respirou fundo e forçou um sorriso.

    — Eu sou o Marco. Eu sou um astronauta.

    ***

    SALÃO DE FESTAS, CIDADE DE SADRA – MAIS TARDE

    Marco olhou ao redor, ainda admirado, mas agora com um sentimento de estranhamento. O ambiente tinha um toque medieval: o uso de roupas pesadas, as tochas nas paredes de pedra e o som da música que vinha de instrumentos antigos. Aqui, tudo parecia tão… primitivo.

    O cheiro das especiarias exóticas e o calor das chamas nas tochas criavam uma sensação completamente diferente da que ele estava acostumado. O ar era mais denso, e a forma como as pessoas se moviam e conversavam também era mais lenta, mais relaxada. Marco se sentia desconectado de tudo aquilo, imerso em um mundo que parecia mais distante do que as estrelas que ele costumava observar.

    Perto dele, o Cetro de Clyve flutuava lentamente, girando em um eixo próprio, como se estivesse sempre atento a cada movimento de Marco. A presença do artefato mágico fazia alguns convidados lançarem olhares desconfiados, mas ninguém ousava dizer nada.

    — Essa roupa ficou bem em você. — Marco olha para o lado. Lou-reen está parada próxima a ele, com dois copos na mão. Ela sorri timidamente, lhe estendendo um copo. — Eu trouxe chá.

    — Ah, obrigado. — Pega o copo. — O Imperador pediu que me vestissem adequadamente para a festa. Você está́… Bonita. Quero dizer… Quando eu te conheci… hoje à tarde você estava bonita, mas agora, com essa roupa, você está́ mais bonita ainda.

    Lou-reen usa um vestido longo que lhe cai muito bem sobre o corpo, e seu cabelo curto está penteado. Ela parece uma princesa… Se não fosse essa espada enorme presa à cintura! Marco pensa enquanto olha admirado para a guerreira mais forte do reino. Percebe que a encarou por tempo demais e se atrapalha. Bebe um gole do chá.

    — Ei, aqui só tem água.

    — Oh, esqueci, você não sabe usar essência, não é mesmo? — Lou-reen parece um pouco constrangida por não ter pensado nisso antes. Ela pega o copo de volta e o examina, logo apontando para os símbolos em suas laterais. — Vê essa runa aqui?

    Ela passa o dedo pela lateral do copo, fazendo a runa brilhar suavemente. Marco observa com fascinação, notando o padrão que parecia mudar de cor conforme o toque de Lou-reen.

    — Isso é… magia? — Ele pergunta, mais curioso do que nunca.

    — Sim. No nosso mundo existe a Essência Primordial. Ela é… um poder capaz de se transformar em qualquer coisa. Quando nós a inserimos em uma runa ela ativa e modifica o conteúdo. No seu caso, a bebida será… chá. — Lou-reen explica, ainda com um sorriso. Marco a observa enquanto ela o entrega o copo novamente.

    Ele prova a bebida e, como ela havia prometido, o sabor é completamente diferente da água. Era doce e reconfortante. Talvez, nesse mundo, as coisas não fossem tão diferentes, depois de tudo.

    — Uau. Magia é algo bastante útil, realmente.

    — Com toda certeza. Olha: — Lou-reen faz um gesto com a mão, e uma runa aparece flutuando sobre sua palma. Ela toca o centro da runa e, de repente, a magia se acende em chamas. A cor vermelha das chamas é vibrante e quente, mas não se espalha.

    — Essa runa aqui…— Lou-reen sorri com um toque de orgulho. — Quando eu a ativo, posso criar chamas muito fortes. Minha espada tem uma dessa gravada no cabo, e quando coloco minha essência nela, a lâmina se incendeia.

    Ela fala a última parte com um orgulho disfarçado que Marco finge não notar.

    — Incrível.

    Lou-reen sorri de forma simples, como se aquilo fosse apenas uma parte do cotidiano dela. Para Marco, no entanto, magia era algo que ele só havia visto em animes, e agora estava diante dele, algo que poderia tocar e entender.

    — Não havia nada disso no meu mundo anterior. Mas nós tínhamos tecnologias incríveis também.

    — Como vocês lutam?

    — Er, bem, nós usávamos espadas alguns séculos atrás, e arco e flecha, adagas… Agora, bem, temos armas de fogo e bombas nucleares…

    — Mas… armas de fogo são como a minha espada?

    Marco percebe a confusão nos olhos dela. Como eu vou explicar isso? pensa. Ele começa a tentar formular uma resposta, mas logo desiste. Não tem como ela entender. Magia é algo tão diferente… armas de fogo não têm nem comparação com o que ela conhece. Então, ele apenas sorri de forma desconcertada.

    — São as armas de um… astronauta?

    Marco engole em seco.

    — Não, não, astronautas não vão para batalhas. Nós exploramos o espaço. Vem ver.

    Marco solta seu copo de chá, pega Lou-reen pela mão e a puxa suavemente para fora do salão. Ela, a guerreira mais poderosa do reino, uma mulher temida por todos, cujos feitos de combate eram conhecidos por cada canto de Taeris, fica surpresa com a ação de Marco.

     Ele não hesita, não mostra nenhum sinal de respeito pela sua força ou status. Para ele, ela é apenas uma garota curiosa que acaba de descobrir um mundo completamente novo. E isso a faz sentir algo inesperado. Como se, naquele momento, ela fosse apenas uma pessoa normal, sem o peso de sua fama.

    Eles caminham apressados pelos corredores da fortaleza, subindo por escadas íngremes até́ o topo de uma das torres. A cada passo, Lou-reen, geralmente composta e firme, segue o ritmo de Marco, seus olhos brilhando com uma mistura de curiosidade e confusão. Quando finalmente chegam ao topo, o cenário à sua frente a faz parar, admirada. O céu se estende vasto e infinito, brilhando com uma infinidade de estrelas cintilantes e, logo acima deles, a lua cheia se ergue, imensa e luminosa, como um farol no escuro.

    O vento forte bagunça o cabelo de Lou-reen, fazendo com que ela se proteja com as mãos, mas seus olhos não saem do céu. Marco observa a expressão dela, como se fosse a primeira vez que alguém em Taeris visse aquele espetáculo celestial. Ele sorri, encantado.

    — O trabalho de um astronauta é ir até o espaço e, bem, explorar. Nós já pisamos na lua algumas vezes e… — Marco diz, a voz cheia de empolgação. Ele gesticula para o céu, como se quisesse que ela entendesse a vastidão do que ele falava.

    Lou-reen olha para ele com um brilho nos olhos, a boca ligeiramente aberta, como se tentasse compreender, mas as palavras não pareciam fazer sentido para ela. Ela balança a cabeça, ainda tentando imaginar como alguém poderia chegar até́ tão longe.

    — Não acredito. Vocês voaram até́ a lua? Sem essência? — Ela parece uma criança impressionada.

    — Não foi exatamente voar, mas sim. É o que faço… fazia, no meu mundo. Por isso aquela armadura, digo, roupa. Nós olhávamos as estrelas e imaginávamos como seria viajar até́ elas.

    — Isso é… impossível… — Ela murmura, tocando a lua com os olhos. Seu rosto reflete uma mistura de assombro e fascinação. — Como você pode ir até́ lá?

    Marco ri suavemente, sentindo o calor de sua empolgação contagiar o ambiente. Ele olha para ela, seus olhos brilhando com a paixão que sente por seu trabalho.

    — Ah, você̂ não tem ideia de como é. Olhar para o espaço, sair da Terra e ver o que ninguém mais viu… é como, bem… é como estar em um sonho. Só́ que é real.

    Lou-reen sorri, sem palavras, mas seu olhar diz tudo. Ela está́ maravilhada com a ideia de algo tão grande, tão distante, tão impossível de alcançar. Nunca imaginaria que o céu que ela sempre conheceu poderia ter tanto a oferecer.

    Lou-reen se vira para ele, como se, pela primeira vez, sentisse a imensidão do universo ao seu redor.

    — Você̂ é realmente incrível, Marco — diz, e ele sente o peso de suas palavras, como se ela não apenas o admirasse, mas também o visse como alguém que pertence a esse vasto e desconhecido céu.

    Marco se encosta na mureta. Ele aponta no céu.

     — Vê̂ aquela estrela brilhante? A maior de todas. O brilho dela se parece muito com uma que eu via no céu do meu mundo, a Ursa Maior. Essa daqui tem até́ mesmo as mesmas estrelas a cercando e formando a constelação…

    — Constelação?

    — Veja: quando você forma um desenho com as estrelas, — ele faz o caminho com a ponta do dedo. — é uma constelação. No meu mundo, nós chamamos essa de constelação da Ursa Maior. Mas aqui elas estão ao contrário do que estou acostumado. Acho que estou mesmo em um mundo paralelo.

    — O que isso quer dizer?

    — Não é nada demais. Veja. Ao lado da Ursa Maior… — ele segue fazendo o caminho com o dedo. — tem a Pégaso… Também invertida… E ali a Ursa menor… Orion? Cruzeiro do Sul? Espera aí.

    Marco se levanta. Gira em seu próprio eixo. Sua mente começa a fazer cálculos e seu queixo cai.

    — Eu não estou em um mundo paralelo. Eu estou… Do outro lado do universo?

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