Capítulo 016 — Escudo de Diamante
Lou-reen entregou a Marco uma espada de madeira.
— Faey. — Lou-reen chamou.
A tenente, sempre impecável, aproximou-se. Seus passos eram firmes, sua postura reta. Carregava sua própria espada de madeira como se fosse uma extensão do corpo.
Seus olhos eram impassíveis, sem humor enquanto seguia as ordens de sua superior.
— Sem misericórdia — ordenou Lou-reen.
Marco arregalou os olhos.
— O quê?!
Faey atacou.
A espada dela veio como um raio. Marco ergueu a lâmina num reflexo desajeitado. O impacto reverberou em seus braços como se tivesse tentado segurar uma árvore em queda. Ele recuou, tropeçando, tentando entender o que diabos estava acontecendo.
Outra estocada, outro bloqueio trêmulo. Marco girou a espada em um movimento que ele achava “bonito”, baseado em algum anime que assistira — e foi punido com uma pancada seca na perna.
— Agh!
Ele caiu de lado, mas rolou e se levantou de novo, suando como se tivesse corrido uma maratona.
Ela veio de novo. Golpes rápidos, curtos, cortando o ar com precisão absurda. Marco mal conseguia ver os movimentos. Parecia lutar contra uma impressora de golpes: tudo automático, preciso e implacável.
— Isso é pra me treinar ou me traumatizar?! — berrou, desviando por pouco de um corte no pescoço.
— Sim. — Lou-reen respondeu de longe, impassível.
Um golpe certeiro no ombro o fez girar no ar. Quando caiu de joelhos, arfando, a espada escapou de seus dedos e bateu no chão.
Faey recuou.
Lou-reen não disse nada.
Marco apertou os olhos, a testa suada. Respirava rápido, o coração martelando no peito. Os braços doíam como se estivessem sendo triturados por dentro. O impacto dos golpes ecoava até nos ossos.
Ele viu Lou-reen parada, observando como quem analisa uma equação. Sem piedade.
— Você disse que era um treinamento… — Marco resmungou.
Lou-reen respondeu sem piscar:
— E está sendo. Ou você aprende a lutar… ou morre na primeira batalha.
Marco cuspiu no chão e rangeu os dentes. Pegou a espada com esforço e se levantou.
— Beleza. Vamos brincar de guerra, então.
Faey atacou de novo.
Dessa vez, Marco não tentou fazer nada bonito. Só sobreviveu. Um bloqueio desajeitado aqui, um recuo torto ali, e um chute de volta que acertou Faey no quadril.
Ela não se mexeu. Mas seus olhos brilharam com… talvez um décimo de reconhecimento.
Lou-reen cruzou os braços.
— Primeira coisa que você fez certa.
Marco sorriu — e tomou uma espadada no peito.
— ARGH!
E o treino continuou.
***
Marco caiu sentado no chão quando Lou-reen deu fim ao massacre com Faey. Sua camisa de treino estava grudada no corpo de suor e poeira, os braços tremiam levemente, a espada de madeira havia voado pra algum lugar atrás dele, e sinceramente… ele não se importava mais.
Lou-reen, no entanto, não parecia satisfeita.
— Em pé. — ela ordenou.
Marco olhou pra cima, ainda arfando.
— Você quer me matar mesmo, né?
Ela respondeu com o mesmo olhar gélido que estava usando a manhã toda.
— Em campo de batalha, não existe intervalo.
— Aqui também não, pelo visto…
Mesmo assim, ele se levantou. O corpo gritou em protesto. A mente, um pouco menos.
Lou-reen parou diante dele e estendeu a mão. Uma esfera de fogo surgiu acima da palma com fluidez perfeita, como se conjurar chamas fosse tão trivial quanto acender uma vela.
— Sua vez.
Marco fechou os olhos. Sentiu a essência e estendeu a mão.
— Etanol. C₂H₅OH. Dois carbonos… cinco hidrogênios… — sussurrou para si, desenhando no ar a estrutura da runa.
Nova corrigia silenciosamente em sua mente.
“Mais simetria no segundo carbono. Evite sobrecarga no centro.”
A runa se formou. Precária, hesitante. Uma esfera de fogo nasceu — pequena, tremendo como se estivesse com febre.
Lou-reen cruzou os braços. O silêncio dela era um julgamento inteiro.
Marco tentou sustentar a esfera. Ela durou três segundos antes de explodir em faíscas. A mão dele fumegou.
— De novo. — Lou-reen disse, sem mover um músculo.
Ele assentiu com a cabeça, engolindo o orgulho junto com a dor. Tentou outra vez. E mais uma. Cada tentativa era um lembrete de que ontem ele havia feito isso por horas e terminado estirado no chão. Hoje, o progresso parecia ainda mais distante.
Na quarta tentativa, a esfera caiu antes de estabilizar.
— Estou… pior do que ontem. — murmurou, frustrado.
Lou-reen cruzou os braços.
— Ontem, pelo menos, você tinha foco.
Marco ergueu os olhos, surpreso com o tom.
— Hoje… — ela continuou, olhando diretamente para ele, com o rosto impassível — parece que sua cabeça está em outro lugar. No céu, talvez.
Marco sentiu o sangue subir ao rosto. Entendeu a indireta na hora.
Lou-reen desviou o olhar, como se a conversa nem tivesse acontecido. Mas Faey e Venia a observaram de soslaio. Algo havia mudado desde ontem.
— Concentre-se na conjuração. Ou vamos ter que te ensinar a fazer magia depois de morto.
Será que ela está irritada com… Maera?
Ele deixou o pensamento de lado. Não era hora.
Marco ergueu a mão de novo. Ignorou a dor nos dedos, o olhar de Lou-reen e o orgulho ferido.
Visualizou a runa.
Uma nova esfera se formou, um pouco mais firme.
Ele a manteve por cinco segundos antes de liberá-la, mas não explodiu.
Faey, ao fundo, murmurou para si:
— Pelo menos dessa vez ele não virou carvão.
Marco sorriu, cansado.
— Isso foi um elogio?
— Foi estatístico. — ela respondeu.
Lou-reen deu meia-volta, com a voz fria como gelo:
— Vamos almoçar. Depois prosseguimos.
***
Depois do almoço, Faey e Venia seguiram para suas respectivas obrigações, deixando Marco e Lou-reen a sós na área de treinamento.
Lou-reen se voltou para Marco, os olhos afiados como lâminas.
— Pegue o cetro.
Marco obedeceu, retirando-o da bolsa de couro que havia se acostumado a usar para escondê-lo. A madeira negra e polida brilhou sob a luz, e ele sentiu a conexão familiar com o objeto reverberar por seus dedos.
Lou-reen ergueu a mão direita. No instante seguinte, uma esfera flamejante brotou em sua palma, rodopiando com intensidade feroz. Era maior e mais densa do que a outra que ela havia conjurado naquela manhã. O ar ao redor tremulava com o calor crescente.
“Alerta! Temperatura detectada: 5.700 Kelvin.”
A voz de Nova ecoou na mente de Marco, mas ele mal teve tempo de processar a informação. Lou-reen flexionou os dedos, comprimindo a bola de fogo até que ela se tornasse mais densa, girando como um pequeno sol prestes a explodir.
Então, sem aviso, ela atirou a esfera incandescente em sua direção.
A bola de fogo rasgou o ar como um cometa, veloz demais para que Marco desviasse. Seu coração saltou no peito — mas, antes que o pânico tomasse conta, algo dentro dele despertou.
Uma memória.
Malrath
O rugido ensurdecedor de um dragão preencheu sua mente. Uma criatura colossal, de escamas vermelhas e olhos brilhantes como brasas, ergueu-se sobre Clyve, cuspindo esferas de fogo destrutivas. Clyve, no entanto, permanecia impassível, conjurando escudos para bloquear cada investida.
Então, o dragão respirou fundo.
Em um único sopro, expeliu uma labareda avassaladora, semelhante ao jato de um lança-chamas, engolindo Clyve em chamas vermelhas.
Marco piscou, e o fogo já o havia envolvido. Mas… ele não sentia calor.
O mundo ao seu redor se partiu em reflexos cristalinos. Uma barreira hexagonal, reluzente como um mosaico de diamante, o envolvia por completo. Cada faceta brilhava com luz própria, formando uma esfera translúcida e impenetrável.
A bola de fogo de Lou-reen se desfez ao tocar a barreira, reduzida a fagulhas inofensivas.
Marco arfou dentro do escudo. Seu coração disparado, a adrenalina ainda correndo por suas veias.
Lou-reen, do lado de fora, sorriu com orgulho.
Ele inspirou fundo e, instintivamente, moveu os dedos. A esfera de diamante se desfez, os fragmentos reluzentes evaporando no ar.
Marco lançou um olhar atônito para Lou-reen.
— O que diabos foi isso?! — Sua voz veio carregada de incredulidade e fúria. — E se eu não fosse capaz de criar esse escudo?!
Lou-reen cruzou os braços, inabalável.
— Eu não deixaria nada acontecer.
Marco estreitou os olhos.
— Como pode ter tanta certeza?
Ela apontou para o chão, a poeira ainda se dissipando ao redor dos pés dela.
— No instante em que lancei a bola de fogo, eu já estava correndo em sua direção. Se você não tivesse conjurado o escudo, eu teria interceptado o ataque.
Ele piscou. Só então percebeu que Lou-reen realmente estava muito mais próxima dele do que antes. Ela havia se movido em uma fração de segundo.
O coração de Marco ainda martelava no peito, mas uma coisa era inegável: ele tinha aprendido algo novo.
O Escudo de Diamante.
O treinamento se estendeu até que o sol começou a mergulhar no horizonte, tingindo o céu de laranja e púrpura. O pátio estava repleto de marcas do impacto, pequenas crateras no chão de terra batida onde Marco tentara conjurar corretamente o Escudo de Diamante. Seu corpo tremia de exaustão, o uniforme ensopado de suor. Ele arfava, as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego.
Lou-reen, de braços cruzados, observava. Seu olhar era impassível, mas Marco já treinara com ela o suficiente para reconhecer a avaliação minuciosa por trás daquela expressão.
— Você aprende rápido. — Sua voz carregava uma ponta de aprovação.
Marco ergueu o olhar, surpreso.
Lou-reen desviou o olhar por um instante, limpando a garganta como se tentasse se livrar de um desconforto.
— Para comemorar… — Ela fez uma pausa breve. — O que acha de saímos para jantar?
Marco piscou algumas vezes, pego desprevenido.
— Jantar?
— Sim. — Ela cruzou os braços, olhando para o lado. — Só nós dois. Depois de tanto esforço, você precisa de uma refeição decente.
O convite era inesperado, mas o sorriso de Marco logo murchou quando se lembrou.
Maera.
Ele havia combinado de se encontrar com ela naquela noite.
— Ah… — Ele coçou a nuca, hesitante. — Eu adoraria, de verdade, mas já marquei um compromisso.
Lou-reen arqueou uma sobrancelha.
— Compromisso?
— Sim, vou encontrar Maera de novo. — Ele sorriu, animado. — Queremos continuar desenhando as constelações e estudando mais o céu.
O nome caiu como uma pedra na expressão de Lou-reen.
Marco, no entanto, não percebeu.
— Obrigado pelo treino, de verdade. — Ele passou por ela, ainda sorrindo. — Eu vou correr para tomar um banho e me trocar.
Ele desapareceu pela porta.
Lou-reen ficou parada no pátio, o maxilar travado. Seus punhos se cerraram lentamente, enquanto um calor incômodo crescia dentro dela.
Então, sem dizer nada, ergueu uma das mãos e conjurou uma esfera flamejante. O fogo crepitava entre seus dedos, refletindo-se em seus olhos.
Ela lançou a esfera adiante.
O impacto foi imediato. Uma árvore próxima explodiu em chamas, o calor intenso consumindo seu tronco e folhas em segundos. As brasas dançavam no ar enquanto a madeira estalava, devorada pelo fogo.

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