O céu já começava a se tingir com os tons da tarde, e a luz dourada ressaltava a fumaça leve que pairava sobre o campo. O chão ao redor estava marcado por crateras de impacto e rastros de calor. 

    Ele havia dominado a esfera. 

    Marco já perdera a conta de quantas conjurações havia feito. 

    Eram dezenas, uma atrás da outra. 

    Lou-reen, de pé à frente dele, rebatia cada ataque com as costas da mão, dissipando as esferas com precisão indiferente. 

    No início, as esferas saíam trêmulas. Depois, ganharam corpo, estabilidade e calor real. 

    Lou-reen não o elogiou uma única vez. 

    Apenas devolvia o olhar impassível, os pés firmes, o braço se movendo como uma lâmina viva — interceptando cada ataque como se estivesse lidando com brinquedos. 

    Marco inspirou fundo. 

    Mais uma vez. 

    A esfera se formou com precisão. Ele lançou. 

    Lou-reen a rebateu com um leve movimento de pulso, como quem afasta um mosquito incômodo. 

    — De novo — disse ela. 

    Ele obedeceu. 

    Agora os braços doíam, o ar queimava ao entrar nos pulmões, cada músculo pesava o triplo. Mas ele não iria parar. 

    Outra esfera. 

    Lou-reen avançou um passo, Marco recuou. Lançou a esfera mais baixo, tentando enganar. Ela abaixou o corpo e rebateu com a mesma calma de sempre, o olhar fixo. 

    Ele cambaleou. 

    Tentou conjurar outra, mas falhou. A energia escapou pelos dedos, sem forma. O corpo inteiro protestava, o suor escorria pelos olhos, as pernas tremiam. 

    Marco respirou fundo, reuniu o que restava de concentração… e tentou mais uma vez. 

    A runa brilhou. A esfera nasceu — por meio segundo. Depois tremeu, oscilou… e implodiu num lampejo quente. 

    Foi quando passos soaram pela lateral do campo. 

    Faey e Venia pararam à margem, ambas observando em silêncio no exato momento em que Marco caiu de joelhos novamente, os dedos ainda fumegando da última tentativa. 

    Marco apertou os olhos, a respiração pesada. Sentia que se tentasse mais uma vez, vomitaria fogo. 

    — General — chamou Venia, com a voz baixa e contida. — Kaertien Dorbeos a aguarda. 

    Lou-reen não respondeu de imediato. Apenas desviou o olhar para Marco, avaliando o estado dele com frieza profissional. Então fez um aceno curto de cabeça. 

    — Estou indo. 

    Virou-se e começou a caminhar em direção à saída. 

    Faey permaneceu mais alguns segundos. O olhar dela percorreu o campo marcado por explosões, depois pousou em Marco — ainda ajoelhado, arfando. 

    — Está guardando energia pra ver Maera mais tarde? — alfinetou, com um leve arqueamento de sobrancelha. 

    Marco lançou um olhar exausto, mas não negou. 

    — Vou sim. Acho que teremos céu limpo hoje. 

    Faey fez um som breve com a garganta — entre riso contido e desdém educado. 

    — Boa sorte com suas estrelas. 

    Ela se virou. Venia a seguiu em silêncio, os pergaminhos apertados contra o peito. 

    Marco ficou para trás, sozinho com o cheiro de fuligem, a mão ainda tremendo… e um sorriso discreto nos lábios. 

    Dessa vez, não foi uma memória do Cetro, não foi uma visão emprestada ou um poder herdado. 

    Foi ele. 

    Horas de treino, tentativa e erro. Foco e persistência. 

    A esfera agora era dele. 

    Era só o começo — mas, pela primeira vez, parecia um começo conquistado com as próprias mãos. 

    *** 

    O escritório de Kaertien Dorbeos estava quieto, exceto pelo brilho tênue da esfera de selenita sobre a mesa. A luz da tarde entrava pelas janelas altas, projetando linhas quentes sobre os pergaminhos empilhados com precisão cirúrgica. 

    Kaertien mantinha a mão sobre a esfera, o olhar fixo em algum ponto entre ela e a parede. 

    — Então? Já recebeu tudo o que precisava? — perguntou, com a calma de quem aguarda uma entrega atrasada há dias. 

    A voz do outro lado respondeu com tranquilidade: 

    — Recebi sim. Chegaram agora os últimos detalhes. Está tudo dentro do esperado. Não deve haver problemas. 

    — E está seguro? 

    — Está. O responsável já foi informado e vai tomar cuidado para que o pacote chegue inteiro. 

    Três batidas leves soaram à porta. 

    Kaertien desviou o olhar e disse à esfera: 

    — A general Lou-reen chegou aqui. Tenho uma reunião com ela agora. 

    Kaertien retirou a mão da esfera. A luz apagou-se em silêncio. 

    — Entrem. — disse ele, com a expressão já transfigurada pela formalidade habitual. 

    A porta se abriu. Lou-reen cruzou o limiar com sua postura inflexível, seguida por Venia, que segurava os pergaminhos com ambos os braços, como sempre. 

    — Representante Dorbeos. — Saudou Lou-reen. 

    — General Lou-reen. Senhorita Kalkalyn. — disse Kaertien, inclinando levemente a cabeça. — Sejam bem-vindas. 

    Eles se sentaram. Venia permaneceu de pé, à direita da general. 

    — E o estrangeiro? — perguntou Kaertien, direto ao ponto. 

    — Está sendo supervisionado. — respondeu Lou-reen, seca. 

    — Como deve ser. — disse Kaertien, devolvendo o olhar por um segundo a mais do que o necessário, antes de puxar uma pilha de pergaminhos da lateral da mesa. 

    — E agora, ao que realmente nos sustenta: papel. 

    Lou-reen olhou a pilha com uma expressão de puro desprezo. 

    — Se queria se livrar de mim, podia ter invocado o demônio de Ga-el. Eu teria me divertido, pelo menos. 

    Ela pegou o primeiro rolo com a delicadeza de quem segura um animal morto, então virou a cabeça para o lado, sem mudar o tom: 

    — Venia… se eu morrer aqui, põe no relatório: queda em combate.  

    Venia segurou o riso com um suspiro discreto. 

    Kaertien apenas sorriu, satisfeito. 

    — Reconhecer o inimigo é o primeiro passo da vitória. 

    *** 

    Maera estava em seu quarto, os olhos focados na folha de pergaminho que segurava delicadamente entre os dedos. O que ela desenhava era algo simples, mas de grande valor para ela. As linhas formavam uma representação das estrelas que ela e Marco haviam observado juntos na noite anterior. Ela sorria para o desenho, um sorriso suave, quase sonhador.  

    Ela apertou a folha contra o peito, como se o desenho fosse algo íntimo. Rolou na cama, sentindo uma onda de felicidade que a fazia suspirar com prazer. 

    Foi então que um som interrompeu sua pequena alegria — uma batida firme na porta. Maera se levantou rapidamente imaginando quem poderia ser. Talvez algum visitante inesperado ou alguém trazendo notícias 

    Com passos leves e despreocupados, ela alcançou a porta e a abriu com um movimento rápido, apenas para se deparar com um homem alto, elegante e imponente. O contraste entre ele e o ambiente rústico da casa era imediato. 

    Ele estava impecavelmente vestido em um terno escuro que parecia esculpido para se ajustar perfeitamente a seu corpo magro. Seu cabelo, escuro como carvão, estava cuidadosamente arrumado. Seus olhos eram profundos e penetrantes, e o sorriso que ele ofereceu não era nada reconfortante. Algo nele parecia de uma frieza calculista, mas, ao mesmo tempo, havia algo quase… predatório. 

    Ele se destacava em meio ao cenário de Taeris, onde o traje militar e o uniforme de combate eram a norma. Elucydor, no entanto, não se parecia com nenhum soldado tradicional de Taeris. Seu ar elegante e sua postura ereta o tornavam mais uma figura de enigma do que um guerreiro. 

    — Maera Olaraeth… — Ele disse o nome dela como se fosse um sussurro, mas ainda assim com um tom de domínio. 

    Maera deu um passo atrás instintivamente. Ela não sabia quem era aquele homem ou o que ele queria, mas algo na sua postura exigia respeito e cautela. Ela estava sozinha na casa e sentiu uma onda de desconforto percorrer seu corpo. 

    — Não se preocupe, não estou aqui para causar danos… Em você. — disse Elucidor, a voz baixa e quase inaudível.  

    Com um movimento suave, ele entrou na casa sem esperar um convite. A porta se fechou com um som suave, mas autoritário, que ecoou na pequena sala, preenchendo o espaço com uma sensação de tensão. 

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