Capítulo 015 — Essência da Restauração.
“Perigo iminente. Detectada pressão atmosférica anormal associada a padrões de hostilidade”. A voz de Nova soou em sua mente, carregada de alerta.
Marco congelou.
A porta se fechara atrás dele, mas a verdadeira barreira à sua frente era Lou-reen. Ela não se movera um centímetro, mas o peso de sua presença dominava a sala como se ele estivesse diante de uma fera prestes a atacar.
— Onde. Você. Estava? — A voz dela veio lenta, medindo cada palavra como uma lâmina deslizando contra uma pedra de amolar.
O sorriso que Marco ainda carregava morreu instantaneamente. O brilho da empolgação com Maera foi substituído pelo frio na espinha que só Lou-reen conseguia causar. Ele engoliu em seco, tentando medir suas palavras antes de responder.
— Eu… fui dar uma volta.
Lou-reen inspirou profundamente pelo nariz, os ombros rígidos, como se estivesse segurando algo dentro de si.
— Uma volta. Sozinho. Pela cidade. Até essa hora.
Marco sentiu um instinto primitivo lhe dizendo para não piorar a situação, mesmo assim tentou um sorriso hesitante.
— É, bem… sim?
O silêncio que se seguiu foi tão pesado que ele quase pôde ouvir seu próprio coração batendo. Lou-reen não disse nada, mas a preocupação mortal em seu olhar era tão intensa que Marco sentiu vontade de dar meia-volta e sair correndo.
Lou-reen estreitou os olhos, sua expressão se tornando ainda mais severa.
— Você não deveria se colocar em risco assim. Já parou para pensar no que poderia ter acontecido? Você é minha responsabilidade, Marco.
Ele ergueu as mãos em um gesto pacificador.
— Eu estava seguro, juro. Só fui até uma torre abandonada para observar o céu.
Lou-reen cruzou os braços, claramente ainda irritada.
— Sozinho?
Marco hesitou por um instante antes de responder.
— Bem… na verdade, eu estava com Maera.
O nome feminino pairou no ar como uma faísca em um barril de pólvora.
A postura de Lou-reen mudou sutilmente, seu olhar se estreitando ainda mais.
— Maera?
Marco percebeu a mudança no tom dela, mas decidiu continuar como se não tivesse notado.
— Sim, ela apareceu por acaso enquanto eu montava o telescópio. Gosta muito do céu e ficou curiosa… Foi bem legal, na verdade.
— Sente-se — ela ordenou.
Havia algo na forma como ela o encarava que fez Marco hesitar antes de obedecer. Assim que se acomodou, Lou-reen entrelaçou os dedos sobre a mesa e perguntou, direta:
— O que você lembra do ataque que sofreu em Sadra?
A pergunta pegou Marco de surpresa. Ele franziu a testa, tentando se lembrar dos detalhes.
— Eu… estava na muralha — começou devagar. — Dois caras apareceram e pediram o cetro. Disseram que tinham que levá-lo. Eu recusei e um deles me acertou com um soco.
Lou-reen permaneceu impassível.
— E então?
Marco esfregou o rosto, buscando nas lembranças.
— Luminor Mandilyn apareceu, ele me salvou. Depois disso…
Ele franziu o cenho.
Lou-reen não reagiu imediatamente. Ela apenas o observou por um instante, como se analisasse cada palavra.
— Isso é tudo que lembra?
— Sim — ele confirmou, sentindo um leve desconforto crescer em seu peito.
A general inclinou-se para frente.
— Isso não faz sentido.
— O quê?
Antes que Marco pudesse questionar, Lou-reen pegou sua mão direita sobre a mesa.
O movimento seguinte foi rápido demais para ele reagir.
A lâmina de uma adaga atravessou sua mão de repente, fincando-a na madeira da mesa. A dor veio como uma explosão brutal, queimando seus nervos e fazendo seu corpo inteiro enrijecer.
Marco soltou um grito sufocado, tentando puxar a mão, mas a lâmina a mantinha presa. O sangue escorreu rapidamente pelo metal, pingando sobre a madeira escura.
— O que diabos foi isso?! — Ele gritou, a respiração descompassada pelo choque.
Lou-reen, no entanto, manteve-se impassível.
Com um movimento firme, ela puxou a adaga de volta, libertando a mão dele. Marco imediatamente a pressionou contra o peito, sentindo o sangue quente empapar sua roupa.
Os olhos dele estavam arregalados, um misto de incredulidade e medo estampado em seu rosto.
Lou-reen o observava, o rosto impassível, mas seus olhos brilhavam com uma intensidade perigosa. Ela aguardava, como se soubesse que algo estava prestes a acontecer. Nova, do outro lado, já estava calculando o risco.
“Perda de sangue significativa. Buscando soluções…”
Então, algo inesperado aconteceu.
Uma lembrança…
Malrath
O som dos ventos cortava as terras secas e poeirentas. No centro de um círculo formado por guerreiros da tribo, duas figuras se destacavam.
Uma mulher estava caída no chão, ofegante. Seu corpo estava coberto de cortes profundos, o sangue empapando suas roupas misturando-se à poeira sob ela. Seu cabelo desgrenhado grudava no rosto suado, e seus olhos ferozes não escondiam a dor, mas também não mostravam submissão.
Diante dela, Clyve permanecia de pé, imponente e ileso. Sua roupa esvoaçava com o vento, e sua expressão carregava um toque de arrogância satisfeita. Ele girou o cetro em uma das mãos, analisando a mulher derrotada com um olhar avaliador.
Ela tentou se afastar, arrastando-se para trás com um esforço tremendo, mas seu corpo não respondia mais.
— Fique longe de mim… — ela rosnou, a voz rouca de exaustão.
Clyve apenas riu.
— Ora, não seja tão dramática — disse, agachando-se ao lado dela. — Você lutou bem. Melhor do que a maioria conseguiria.
Ela lhe lançou um olhar mortal, mas não tinha forças para responder.
Clyve então ergueu a mão, e uma leve vibração percorreu o ar ao redor dele.
— Essência da Restauração.
A energia se concentrou na ponta dos dedos, brilhando como filamentos dourados que se expandiram até envolverem o corpo de Serana. O calor percorreu cada ferida, costurando cortes, restaurando músculos rasgados e alinhando ossos quebrados. A dor desapareceu como se nunca tivesse existido.
Os guerreiros ao redor murmuraram entre si, impressionados com a cena.
Clyve afastou a mão e se levantou, sorrindo ao vê-la sentar-se, ainda atordoada.
— Aí está — ele disse com um tom satisfeito. — De volta ao estado funcional.
Ela o encarou, sem entender por que ele faria isso.
— Por quê?
Clyve inclinou a cabeça, cruzando os braços.
— Porque eu gosto de colecionar talentos. E você, Serana Vaelor, acabou de me provar que é valiosa.
A guerreira estreitou os olhos.
— O que você quer?
Ele sorriu.
— Uma proposta.
E, diante de toda a tribo, Clyve estendeu a mão para ela mais uma vez.
Lou-reen olhou espantada enquanto os olhos de Marco se reviravam nas órbitas.
Completamente calmo, Marco estendeu a mão machucada e, em um sussurro, murmurou:
— Essência da Restauração.
A luz dourada irradiou da mão dele e a ferida começou a se fechar, a pele se regenerando e os tecidos se reconstituindo diante de seus olhos. Em segundos, não havia mais sinais do ferimento. A dor que Marco havia sentido desapareceu, e ele ficou ali, com a mão agora perfeitamente curada, ainda em completo silêncio.
Marco levou um tempo para processar o que acabara de acontecer. Ele piscou algumas vezes, como se voltasse ao presente, e olhou para sua mão com uma expressão de surpresa.
— O que…? — Ele parecia ainda confuso, tentando entender como havia feito aquilo. Seu olhar se encontrou com o de Lou-reen, e ele viu a incredulidade em seu rosto.
— Isso… — Lou-reen finalmente quebrou o silêncio, sua voz baixa e cautelosa. — O que foi isso?
— Eu não tentei fazer nada — ele começou, a voz baixa e confusa. — Eu estava sentindo a dor da facada, a dor da sua adaga, e então… algo aconteceu. Eu tive uma lembrança, uma memória. Era de Clyve, com uma mulher machucada na frente dele, toda ensanguentada, e ele estava dizendo algo sobre curá-la, dizendo que tinha uma proposta para ela…
Marco fez uma pausa, a lembrança ainda fresca em sua mente, embora nebulosa. Ele franziu a testa.
— E quando voltei a mim, minha mão estava curada. Eu… eu não sei como isso aconteceu.
Lou-reen permaneceu em silêncio por um longo momento, os olhos fixos em Marco, como se tentasse decifrá-lo. Então, recostou-se na cadeira, cruzando os braços.
— Você consegue acessar outras memórias do Cetro?
A pergunta pairou no ar. Marco abriu a boca para responder, mas hesitou.
“Eu sei tudo desde que o Cetro foi criado.”
A voz de Nova soou em sua mente com uma clareza inconfundível. Marco quase se sobressaltou, mas controlou sua expressão e simplesmente repetiu:
— Eu sei tudo desde que o Cetro foi criado.
Lou-reen estreitou os olhos. Marco sentiu o peso do olhar dela e desviou o próprio por um instante. Ele havia decidido não contar a ninguém sobre Nova. Não sabia como explicar o que era uma inteligência artificial, e duvidava que alguém em Taeris fosse entender.
Lou-reen bateu os dedos contra o tampo da mesa, pensativa.
— Você tem noção de quantas magias estão gravados no Cetro?
Marco mal teve tempo de refletir antes que Nova respondesse em sua mente.
“O número exato de magias registrados e armazenados nas memórias do Cetro é 72.431.”
Marco engoliu em seco.
— Mais de setenta mil.
Lou-reen arregalou os olhos por um instante antes de recuperar a compostura.
— Setenta mil?
Marco assentiu lentamente.
A general levou alguns segundos para processar aquela informação. Por um lado, era uma oportunidade extraordinária. Se Marco conseguisse aprender a controlar a essência primordial a partir dessas memórias, ele poderia evoluir absurdamente rápido. Mas, ao mesmo tempo…
“Ele não controla isso.”
A cena da ferida se fechando sozinha estava fresca em sua mente. Ele havia feito aquilo inconscientemente. E se, um dia, liberasse algo que não pudesse conter?
Lou-reen respirou fundo.
— Isso pode ser uma vantagem para você — ela disse, devagar. — Mas também pode ser extremamente perigoso.
Marco permaneceu calado. Ele já havia pensado nisso.
Lou-reen apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se um pouco para ele.
— Até você ter controle sobre isso, não comente com ninguém.
Havia algo de sério e definitivo no tom dela, algo que não deixava espaço para questionamentos.
Marco assentiu.
— Certo.
Lou-reen o analisou por mais um instante antes de se levantar.
— Vamos continuar seu treinamento amanhã — ela disse, se dirigindo à porta. — Você tem muito o que aprender.
E, sem mais uma palavra, saiu, deixando Marco sozinho com seus pensamentos — e com as memórias de um poder que ele ainda não compreendia.
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