Capítulo 024— Lentes novas.
Marco entrou na sala com um sorriso animado, segurando com cuidado um pano macio enrolado em algo claramente frágil.
— Trouxe uma coisa especial — anunciou, com um brilho no olhar.
Maera ergueu os olhos do mapa onde rabiscava trajetórias lunares e piscou, ajustando o foco.
— Isso é o quê…? — começou, até notar o que ele carregava. — Espera… essas são…?
Marco desembrulhou com cuidado o pano, revelando duas lentes circulares, polidas e transparentes como cristal.
— Lentes novas, com melhor qualidade. — disse, com um sorriso orgulhoso. — Se tudo der certo, vamos conseguir mais ampliação no telescópio de Maera. Talvez até… ver a superfície.
Maera se levantou imediatamente, atravessando a sala com passos rápidos. Pegou uma das lentes com delicadeza, os olhos arregalados.
— Isso é lindo… — murmurou, girando-a contra a luz. — E tão limpa…
— O vidraceiro da base se superou. Passou três dias fazendo o polimento, — Marco estalou os dedos, massageando a palma da mão — mas valeu a pena.
— Bora subir. — disse ela, já prendendo os cabelos num coque prático.
Minutos depois, os dois cruzaram a porta estreita que dava acesso ao topo do prédio. A brisa fria da noite os recebeu, junto ao céu escuro pontilhado de estrelas. Lauris já havia desaparecido no horizonte, e a luz noturna era perfeita.
— Maera tá logo ali — disse Marco, apontando para o telescópio fixo no canto sul. — Deixei alinhado ontem, só falta trocar a objetiva.
Foram até o telescópio, cuja estrutura de madeira e metal mostrava os sinais de noites e noites sob vento, suor e ajustes minuciosos. Marco se abaixou ao lado da ocular, retirando com cuidado a lente antiga.
— Pegue. — disse, entregando-a para Maera. — A nova é tua missão.
Ela sorriu com entusiasmo discreto, posicionando a nova lente com movimentos lentos e precisos. Quando terminou, recuou um passo, avaliando o encaixe.
— Está firme.
Marco girou os botões laterais para ajustar a inclinação.
— A curvatura está mais acentuada, isso deve puxar mais luz, se a nitidez se mantiver…
— …a gente vai enxergar além da curva. — Completou Maera.
Marco assentiu e se inclinou para a ocular. Ficou em silêncio por um momento, girando levemente o tambor de foco.
— E aí? — perguntou ela, ansiosa.
A princípio, ele viu apenas um brilho azul, difuso e sem contornos. Ele girou os ajustes, tentando estabilizar a imagem, mas, o máximo que conseguiu foi uma esfera turva. Nenhum detalhe, nenhuma revelação, apenas um borrão distante.
Seu peito se apertou.
— O que foi? — Maera perguntou ao notar o silêncio dele.
Marco se afastou, deixando-a olhar.
A empolgação inicial dela logo deu lugar a uma expressão de confusão.
— Está… estranho. Não fica nítido.
— Eu sei — Marco respondeu, a voz pesada. Ele passou a mão pelo cabelo, frustrado. — Essas lentes são incríveis, mas não são suficientes.
Maera se afastou do telescópio, cruzando os braços.
— O que isso significa?
Marco suspirou.
— Significa que chegamos ao limite do que um telescópio óptico amador pode fazer.
Maera ficou em silêncio por um momento, absorvendo a informação.
— Então… o que faremos agora?
Marco fechou os olhos por um instante antes de encará-la.
— Precisamos de algo melhor. Algo que ainda não temos.
A empolgação inicial desapareceu completamente. Pela primeira vez desde que começaram suas pesquisas juntos, eles se depararam com um obstáculo que não poderiam superar com simples ajustes e tentativas.
Marco ficou parado por um momento, olhando para o telescópio como se esperasse que, de alguma forma, ele começasse a funcionar melhor sozinho, mas não havia mais o que ajustar, o limite havia sido alcançado.
Suspirando, ele recolheu as lentes com cuidado e as guardou no pano macio. Maera observava em silêncio, sem saber o que dizer para aliviar a frustração dele.
— Acho que é melhor encerrarmos por hoje — ele disse, finalmente.
***
Lou-reen despertou cedo, como sempre. O cheiro adocicado e quente de algo cozinhando a tirou do torpor do sono.
Com um olhar curioso, ela se levantou e seguiu até a cozinha, encontrando Marco já de pé, concentrado no que parecia ser uma mistura pastosa em uma tigela de madeira. Ele trabalhava com os ingredientes disponíveis, ajustando medidas e texturas com precisão.
— Você está cozinhando? — ela perguntou, cruzando os braços.
Marco lançou um breve olhar para ela antes de voltar ao que fazia.
— Tentando, pelo menos. Estou recriando uma sobremesa da minha terra. Minha mãe fazia quando eu era criança, sempre que eu ficava ansioso para observar as estrelas. — Ele misturou a massa com mais força. — Não é exatamente igual, mas… é o mais próximo que posso conseguir com o que temos.
Lou-reen puxou uma cadeira e o observou por um momento. Apesar do gesto familiar e do aroma agradável, havia algo de diferente nele. No dia anterior, estava vibrante de empolgação com as novas lentes. Agora, mesmo ocupado, sua energia parecia mais contida, como se algo estivesse pesando sobre ele.
— Você não está tão animado quanto ontem — ela comentou.
Marco parou por um instante, encarando a massa.
— Porque cheguei no limite — admitiu, soltando um suspiro. — Eu preciso de um telescópio maior, mais avançado, com uma tecnologia que vai além do que consigo construir sozinho.
Ele largou a colher e se encostou na bancada.
— Eu sei como um foguete funciona. Sei o princípio por trás de qualquer telescópio moderno. Mas construir um do zero, com as ferramentas disponíveis aqui… — Ele balançou a cabeça. — Eu não sou engenheiro. Pelo menos, não um que projeta e constrói equipamentos do nada.
Nova, que até então estava em silêncio, se manifestou em sua mente com um tom melancólico.
“O time de Engenharia da Terra teria resolvido isso tão rápido… Eu sinto falta deles.”
Marco esboçou um sorriso sem humor.
Lou-reen observou-o por um instante, antes de apoiar o cotovelo sobre a mesa e descansar o queixo na mão.
— Se você precisa de engenheiros, então deveria ir para Ayas-Kin.
Marco ergueu o olhar, curioso.
— Ayas-Kin?
— A Cidade-Floresta — ela explicou. — É lá que fica o Departamento de Engenharia do Exército Imperial. Eles são os melhores que temos. Se existe alguém que pode construir qualquer coisa nesse mundo, é aquele pessoal.
Os olhos de Marco brilharam com uma nova centelha de esperança.
— Então… podemos ir para lá?
Lou-reen hesitou por um momento, refletindo sobre a ideia. Marco percebeu a pausa e, num impulso, segurou as mãos dela, inclinando-se ligeiramente para frente com uma expressão quase desesperada—os olhos grandes, cheios de expectativa, como um cachorro perdido depois de um banho de chuva.
— Por favor? — ele pediu, arrastando um pouco a voz.
Lou-reen estreitou os olhos, tentando manter a compostura, mas a cena era patética demais para ignorar.
— Você acha que fazer essa cara vai me convencer?
— Sim.
Ela bufou, desviando o olhar como se não quisesse admitir que estava funcionando. Então, soltou um suspiro longo.
— Tá bom, tá bom. Podemos ir para Ayas-Kin.
Marco abriu um sorriso vitorioso.
— Você é a melhor!
— Eu sei — ela retrucou, puxando as mãos de volta. — Mas se você tentar essa cara de novo, eu juro que te abandono.
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