Marco observava, maravilhado, a estação de trem à sua frente. Era a primeira vez que pisava na parte sul de Yhe-for, e a grandiosidade da estrutura o deixava sem fôlego. As imensas plataformas de pedra, o telhado arqueado de vidro que deixava a luz natural iluminar o interior, os trens de aço negro repousando como feras adormecidas e os trilhos que se estendiam até desaparecer na neblina criavam uma cena quase surreal para uma civilização medieval.

    — Nunca pensei que Taeris tivesse algo assim — comentou Marco, os olhos arregalados com surpresa e encantamento.

    Ao seu lado, a tenente Faey, que acompanhava o grupo até a estação, esboçou um leve sorriso ao ver o fascínio dele.

    — Essas ferrovias ligam as seis principais cidades do Império entre si e diretamente à Fortaleza Ga-El. Elas seguem rotas vitais para movimentação de tropas e abastecimento.

    Marco caminhou até um dos painéis de pedra grafado com o mapa ferroviário do Império.

    — Mas… não há conexão entre Sadra e Yhe-for. Por quê?

    — Sadra veio depois, não fazia parte das cidades fundadoras do Império. Quando construíram a malha ferroviária, priorizaram os eixos militares já consolidados, por isso, o trecho entre Sadra e Yhe-for ainda depende de transporte por cavalos e carroças.

    Lou-reen, que se encostava a uma pilastra próxima, bufou com desdém.

    — Se eu corresse, estaria em Ayas-kin em menos de dez minutos.

    Marco ergueu uma sobrancelha.

    — Quanto tempo o trem leva?

    — Chegamos depois do anoitecer. — Faey respondeu. — São mil e seiscentos quilômetros.

    Marco quase assobiou, impressionado.

    — O Império é maior do que eu pensava.

    Antes que pudesse perguntar mais, um som familiar rompeu o burburinho da multidão: passos apressados. Maera surgia entre os passageiros, ofegante, o rosto levemente corado. Quando viu Marco, diminuiu o passo e parou à frente dele com um sorriso tímido.

    — Eu… só queria dar um abraço de despedida.

    Marco hesitou, surpreso, mas logo retribuiu o gesto. O abraço foi breve, mas cheio de significados que nenhum dos dois quis traduzir. Ao se afastarem, os olhos de Maera brilhavam com uma tristeza contida.

    — Cuide-se, Maera. Eu volto assim que puder.

    Ela assentiu, silenciosa. O trem apitou ao fundo, anunciando a aproximação da partida.

    Marco olhou em volta, então se voltou para Faey.

    — Você não vem?

    Faey cruzou os braços, o tom prático de sempre.

    — Meu dever é aqui. Tenho que garantir que Yhe-for continue funcionando sem problemas. Além disso, alguém precisa manter a ordem enquanto vocês se aventuram por aí.

    Marco esboçou um sorriso, mas parecia genuinamente desapontado.

    — Mesmo assim… obrigado, por tudo, eu não teria durado uma semana em Taeris sem seus treinos.

    Faey deu um meio sorriso, puxando algo que estava preso nas costas, envolto em tecido escuro.

    — Já que aprendeu, é melhor não andar por aí desarmado.

    Ela entregou o embrulho que Marco abriu com cuidado. Era uma espada imperial curta, polida, com a guarda simples e o punho revestido em couro. Um símbolo discreto do Império estava gravado na base da lâmina.

    — Isso é…

    — Presente. Não faz sentido você saber usar e não ter uma. E, com sorte, não vai precisar.

    Marco segurou a espada como se ainda estivesse aprendendo a aceitar que agora aquilo fazia parte de sua vida.

    — É sério… obrigado. Eu vou cuidar bem dela.

    Faey arqueou uma sobrancelha.

    — Melhor do que você cuida das suas anotações, eu espero. E mantenha o fio, se eu tiver que afiar quando você voltar, vou cobrar.

    Marco deu uma risada breve.

    — Vou tentar não desapontar seu treinamento.

    — Tente mais que isso. Se não souber segurar ela direito, vou até Ayas-Kin só pra te derrubar no meio da estação.

    Quando o apito do trem ecoou pela estação, Marco sentiu uma mistura estranha de ansiedade e empolgação. Ele se acomodou em seu assento, observando a plataforma pela janela enquanto as engrenagens da locomotiva começavam a girar.

    A estação lentamente começou a se mover para trás—ou melhor, o trem começou a avançar. Ele ainda podia ver Maera e Faey de pé entre a multidão, seus rostos iluminados pela luz do sol nascendo.

    Maera sorriu, acenando com ambas as mãos, um brilho melancólico nos olhos. Faey, ao lado dela, manteve uma expressão mais contida, mas ainda assim ergueu a mão em um gesto de despedida.

    Marco hesitou por um instante antes de devolver o aceno, gravando aquela imagem em sua mente.

    O trem acelerou e, aos poucos, as figuras delas se tornaram menores até desaparecerem por completo. Ele soltou um suspiro baixo e recostou-se no assento voltando sua atenção para a paisagem que se desenrolava diante dele.

    Marco sentiu a leveza do movimento do trem enquanto ele avançava suavemente pelos trilhos. Não havia solavancos bruscos nem ruídos excessivos, apenas um deslocamento estável e contínuo. Ele franziu a testa, intrigado, e se virou para Lou-reen, que estava sentada ao seu lado, de braços cruzados.

    — Esse trem… ele é movido a carvão? — perguntou, lembrando-se das antigas locomotivas a vapor da Terra.

    Lou-reen ergueu uma sobrancelha, claramente estranhando a pergunta.

    — Carvão? O que é isso, uma forja ambulante? — Ela bufou. — Não, os motores usam esferas de selenita imbuídas com essência, elas alimentam os pistões e fazem o trem se mover.

    Marco piscou, surpreso.

    — Então vocês usam magia até para isso…

    Lou-reen deu de ombros.

    — Como mais faríamos? Não tem sentido desperdiçar recursos quando podemos usar essência para movimentar as coisas com mais eficiência.

    Marco recostou-se no assento, pensativo. Ele já esperava que Taeris usasse magia em suas máquinas, mas ver algo assim em funcionamento era fascinante.

    — Interessante… — murmurou.

    Dentro de sua mente, Nova se manifestou em seu tom técnico habitual:

    “Analisando… Comparação com motores terrestres: eficiência energética potencialmente superior. Sem emissão de poluentes conhecidos. Conclusão: sistema extremamente avançado em termos de sustentabilidade.”

    Marco sorriu, concordando.

    Parece uma energia limpa e sustentável… nada de fumaça, fuligem ou resíduos tóxicos.

    “Exato! A aplicação da essência primordial em sistemas mecânicos reduz drasticamente impactos ambientais e aumenta a eficiência energética. Em outras palavras…” Nova fez uma pausa dramática antes de continuar. “Se a Terra tivesse isso, talvez vocês não estivessem afundados em crises climáticas.”

    Marco soltou um riso baixo.

    — É, Nova… acho que você tem razão.

    Lou-reen lançou um olhar suspeito para ele.

    — Você sempre faz esses comentários estranhos sozinho. Algum problema aí?

    Marco coçou a nuca, desviando o olhar.

    — Nada, só pensando alto.

    Lou-reen não parecia convencida, mas decidiu ignorar.

    O trem continuava sua jornada, deslizando suavemente pelos trilhos enquanto Marco refletia sobre o mundo onde agora vivia.

    ***

    Marco caminhava tranquilamente pelo corredor, ainda absorto nas suas próprias reflexões sobre o trem e sua jornada. No entanto, ao virar uma esquina, esbarrou de leve em alguém. Ele olhou para cima, sentindo o impacto, e viu dois rostos que lhe eram desconhecidos, mas que imediatamente emanavam uma sensação de superioridade.

    Uma mulher e um homem, ambos uniformizados como Tenentes do Exército Imperial. A mulher, loira e alta, parecia imperturbável, enquanto o homem, com cabelos prateados, já estava olhando Marco com uma expressão de desdém.

    — Cuidado por onde anda, civil — disse a mulher, com uma voz afiada, quase zombando.

    Marco recuou, tentando manter a compostura.

    — Desculpe, não vi vocês — respondeu ele, tentando ser educado, embora um pouco surpreso com a atitude agressiva.

    O homem, Dephredo von Smet, não perdeu tempo em disparar sua própria observação.

    — Claro, você não viu. Acha que um civil pode andar por aí como se o mundo fosse seu? — A ironia na sua voz era evidente.

    Marco sentiu um desconforto crescer dentro de si. Ele não gostava de ser tratado como inferior, mas também sabia que qualquer reação mais impetuosa poderia agravar ainda mais a situação.

    Phaedra, a irmã de Dephredo, deu um passo à frente observando Marco com um olhar avaliador. Ela cruzou os braços. Seu sorriso era estreito, quase desdenhoso.

    — Não é todo dia que vemos um civil se aventurando por aqui. Não está um pouco fora de lugar, não? — ela perguntou, deixando claro que não esperava uma resposta. — Não percebeu que está na presença do Exército Imperial? Melhor tomar cuidado com as palavras.

    Marco não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Era apenas um esbarrão acidental, e eles já estavam tratando-o com tanto desprezo. Antes que pudesse pensar em algo para responder, Phaedra deu outro passo, bloqueando seu caminho.

    — Você sabe que civis como você não têm o direito de andar por aí com tanta liberdade, não é? — ela continuou, agora mais próxima, e Marco podia sentir a hostilidade em cada palavra.

    Marco olhou para ela e depois para Dephredo, que agora estava sorrindo como se já tivesse vencido alguma batalha, e respirou fundo tentando manter a calma. Ele estava em um lugar estranho, um ambiente onde as regras eram diferentes e sabia que sua postura de civil não agradava a todos.

    — Eu só estava indo para o vagão restaurante — Marco disse, tentando não parecer intimidado, mas sua voz soou um pouco mais baixa.

    Foi nesse momento que os olhos de Dephredo caíram sobre a espada presa na cintura de Marco. O tom de escárnio voltou imediatamente.

    — E o que temos aqui? — disse ele, dando um passo à frente. — Uma espada imperial?

    Phaedra ergueu uma sobrancelha, surpresa e divertida.

    — Um civil portando uma lâmina dessas? Isso não é exatamente… comum.

    Dephredo se aproximou mais, examinando Marco como quem observa um inseto exótico.

    — Então você acha que é bom o bastante pra andar com isso aí? — Ele apontou para a espada. — É isso?

    Marco não respondeu, mas o olhar dele endureceu.

    Phaedra riu, e o som foi seco.

    — Talvez ele precise provar. Vai ver achou no lixo e achou bonito.

    Sem mais aviso, os dois sacaram suas espadas ao mesmo tempo. O som metálico cortou o ar do corredor.

    Dephredo girou o pulso, testando a lâmina como se estivesse apenas se aquecendo.

    — Vamos ver se sabe ao menos empunhar essa coisa… ou se vai correr chamando por ajuda.

    Phaedra assumiu uma postura relaxada, mas com os olhos atentos como predadora em cerco.

    — Não se preocupe, civil, só queremos conversar — disse ela, dando um passo lento à frente. — Espada com espada.

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