Marco levou um segundo a mais do que devia para entender se era só provocação ou um desafio real. O sorriso enviesado de Phaedra ainda podia ser arrogância militar, mas o brilho nos olhos dela e o jeito como ela se posicionava de lado, equilibrando o peso sobre a perna de trás, aquilo era linguagem de combate.

    Ele engoliu em seco e levou a mão ao cabo da espada.

    Foi o bastante.

    Phaedra atacou.

    A lâmina cortou o ar com precisão, mirando a lateral de seu pescoço. Marco desviou instintivamente, girando o corpo e puxando a espada para fora da bainha no mesmo movimento. O metal tilintou e o impacto jogou seu braço pra trás, mas ele firmou os pés no chão.

    Dephredo já vinha no encalço, espada baixa, mirando a cintura. Marco recuou um passo e virou a lâmina no tempo exato para aparar o segundo golpe.

    O corredor era estreito, espaço suficiente para dois homens passarem lado a lado, nada mais, mas para os gêmeos, parecia palco: eles se moviam com sincronia assustadora. Um atacava alto, o outro baixo; um girava para a esquerda, o outro vinha pela direita.

    Marco defendia. Só isso. Um golpe, outro, outro. Parava tudo, deslizava os pés. Evitava encostar nas paredes de madeira e metal.

    “Devo chamar a general?” perguntou Nova em sua mente, com uma calma artificial que contrastava com o zunido das lâminas.

    Marco rangeu os dentes.

    — Não.

    Ele girou o punho. Em vez de recuar, avançou um passo.

    Os gêmeos estranharam a mudança de ritmo.

    Ele atacou.

    Primeiro um corte rápido contra Dephredo, nada que ameaçasse, mas forçou o tenente a levantar a guarda. Em seguida, girou o corpo e deslizou contra Phaedra, mirando o ombro exposto. Ela bloqueou, mas não a tempo, perdeu o equilíbrio.

    Dephredo respondeu com um golpe direto, agora com força real. Marco recuou, mas o olhar dele captou: os dois estavam irritados. Tinham perdido o jogo.

    Agora era pessoal.

    Eles começaram a tentar matar.

    Os sons metálicos se tornaram mais altos, secos, ritmados como marteladas, a vibração se espalhava pelas paredes do vagão.

    Portas se entreabriram e um par de soldados emergiu do fundo do corredor, outros se aproximavam do outro lado. Olhares confusos.

    — Tenentes…?

    — Que…?

    Não havia espaço pra palavras.

    Só o aço, e a decisão de não morrer.

    Foi quando, como um trovão no horizonte, a figura de Lou-reen surgiu ao lado de Marco.

    Ela não disse uma palavra, mas o peso da sua presença fez com que os gêmeos instantaneamente congelassem.

    Em segundos, as lâminas foram abaixadas.

    Phaedra e Dephredo guardaram as espadas em silêncio, como se nada tivesse acontecido.

    Lou-reen os observou de cima a baixo com o olhar impassível de quem não tolera teatro.

    — Está havendo algum problema, Tenentes? — Sua voz cortou o ar como uma lâmina, sem necessidade de levantar o tom.

    — Claro que não, General — respondeu Dephredo, tentando soar casual. — Era apenas uma brincadeira. Um… treino leve.

    Phaedra forçou um sorriso.

    — Sim, nada sério. Só estávamos avaliando os reflexos do civil.

    Lou-reen virou-se para Marco, o olhar fixo.

    — É verdade?

    Marco hesitou por meio segundo, então assentiu devagar.

    — Foi o que disseram.

    Lou-reen inspirou fundo. O silêncio entre cada palavra era mais severo que qualquer grito.

    — Isso aqui não é lugar para “brincadeiras”, Tenentes. Vocês vestem o uniforme do Exército Imperial, isso significa disciplina, não exibicionismo. Se querem medir espadas, há arenas para isso. Não corredores apertados cheios de passageiros.

    Os gêmeos não responderam. Os olhos baixos, os maxilares travados.

    Lou-reen se virou para Marco com um leve gesto de cabeça.

    — Venha.

    Sem mais uma palavra, ela começou a caminhar. Marco a seguiu, ainda sentindo o zumbido da tensão nos ossos.

    ***

    — Não posso te deixar sozinho por nenhum minuto mesmo — ela disse, pegando o cardápio como se fosse a coisa mais importante do mundo.

    Marco cruzou os braços.

    — Ei, eu estava me defendendo bem.

    Ela levantou uma sobrancelha, sem nem olhar pra ele.

    — Você chama aquilo de “bem”?

    — Eram dois contra um! — rebateu, ofendido.

    — Eu teria jogado os dois pela janela sem sacar a espada.

    Marco abriu a boca pra retrucar, mas… fechou. Ela provavelmente teria mesmo.

    — Hm, é — murmurou.

    A comida chegou. Pratos simples, mas bem servidos. O cheiro era bom. O garçom quase tremeu ao servir Lou-reen. Marco notou os olhares ao redor: soldados tentavam fingir que não olhavam, mas ele sentia os olhares curiosos, surpresos, talvez respeitosos.

    Alguns desviavam, outros mantinham. Tinha algo nos olhos deles… reverência?

    — Como se sente com tudo isso? — ele perguntou, olhando diretamente pra ela.

    Lou-reen o estudou por um segundo, surpresa com a pergunta.

    — Eu sinto que estou cumprindo o meu dever.

    Marco pegou os talheres. A voz de Nova soou, serena e debochada, direto na mente dele:

    “Nota técnica da performance: nota 6. Defesa razoável, falta iniciativa, e péssima leitura de flanco esquerdo. Recomendo mais treinos”.

    Marco bufou e cortou um pedaço de carne.

    Eu quase morri e você me dá uma nota?

    “Exatamente. Se tivesse morrido, era zero”.

    Lou-reen notou a expressão dele e arqueou a sobrancelha.

    — A comida está ruim?

    Marco hesitou por um segundo, mastigando devagar.

    — Não, só… forte demais pro ego — disse, desviando o olhar.

    Ela não insistiu. Apenas tomou um gole d’água, os olhos observando os soldados ao redor do vagão.

    — Eles sempre te olham assim? — Marco perguntou.

    Ela fez que sim com a cabeça, sem parecer surpresa.

    — Sou a general mais jovem da história de Taeris.

    Marco ergueu as sobrancelhas, surpreso.

    — Isso impressiona alguns, muita gente ainda acha que eu não deveria estar onde estou.

    Ela falou sem vaidade, como quem apenas expõe um fato.

    — E estão errados? — ele perguntou.

    Lou-reen não respondeu de imediato. Cortou um pedaço da comida, comeu com calma e então falou, sem tirar os olhos do prato:

    — Estão vivos, não estão?

    ***

    Marco e Lou-reen estavam de volta à cabine, o trem ainda seguindo seu caminho pelas vastas paisagens de Taeris. A tarde estava tranquila, o som das rodas do trem sobre os trilhos criando um ritmo constante enquanto ambos se acomodavam.

    Foi então que a esfera de selenita de Lou-reen, que descansava em uma mesa perto da janela, começou a brilhar com uma intensidade crescente. Um som suave de vibração preencheu a cabine antes que a voz de Faey surgisse, clara e sem emoção.

    — Lou-reen, temos uma atualização urgente. Elucydor está morto. Assassinado.

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