O sol da manhã iluminava o vasto complexo de Ayas-Kin quando Marco, com alguns pergaminhos debaixo do braço, chegou à entrada do gigantesco galpão ao lado de Lou-reen e Venia. À frente, aguardava um elfo de uns cinquenta invernos, ombros largos e um bigode vistoso que lhe dava um ar ainda mais severo: General Grithin Kazo. Os olhos atentos varreram o trio antes de pousarem, por um instante, na bolsa a tiracolo de Marco.

    — General. — Lou-reen.

    — General. — Grithin respondeu, seco. Seu queixo apontou sutilmente para a bolsa. — Então é esse o humano que está com o cetro maldito?

    Marco deu um passo à frente, controlado.

    — Marco. Prazer.

    — O que exatamente você quer construir, Marco? — Grithin foi direto.

    Marco apertou os pergaminhos sem perceber, surpresa breve nos olhos; lançou um olhar rápido para Lou-reen antes de responder.

    — Uma forma de enxergar as estrelas melhor.

    — Quem me garante que isso não é uma arma que amanhã será usada contra Loryndel?

    Lou-reen começou, firme:

    — Ele está sob minha responsabilidade. Qualquer—

    — Eu sou um cientista, um astronauta. — Marco a cortou, sem elevar o tom. — O que eu quero é trazer e distribuir conhecimento, enquanto busco uma forma de voltar pra casa ou, pelo menos, entrar em contato com a Terra. Criar armas é exatamente o que eu não quero.

    Grithin se aproximou até ficar cara a cara com ele.

    — Eu soube que a General Lou-reen usou algo que você ensinou para destruir uma mansão e vencer um inimigo. Quem me garante que você não fará o mesmo aqui?

    — Eu só estou aqui porque preciso de ajuda — Marco disse, firme. — Trabalho pelo progresso. Não pela guerra.

    Os olhos de Grithin estreitaram.

    — Eu já ouvi isso antes… e não terminou bem para o Império com as ideias daquele elfo.

    Lou-reen deu um meio passo, o olhar de aço encontrando o do general. Por um momento, o ar pareceu estalar entre os dois. Grithin então quebrou a tensão, puxou um documento do coldre lateral do cinturão e o estendeu a Marco.

    — Autorização. Com isso, você pode requisitar serviços, equipamentos e materiais. — Voltou-se para o tenente que aguardava ao lado. — Granlyn, você fica com ele.

    Jenff endireitou a postura de imediato.

    — Sim, senhor.

    Grithin encarou Marco uma última vez.

    — Cada pedido passa pelos meus olhos. Não me dê motivo pra me arrepender.

    Ele fez um gesto para Lou-reen.

    — General.

    — General. — Ela respondeu, acompanhando-o. Venia seguiu com ambos corredor adentro, deixando Marco e Jenff diante das portas metálicas do galpão e de tudo que viriam a construir, ou impedir que fosse construído.

    Marco ficou parado por um momento, com a autorização nas mãos.

    O papel dizia que ele tinha acesso, mas algo dentro dele ainda resistia. Olhou ao redor — aquele lugar era tudo o que ele não conhecia. Barulhento, técnico, militar demais. Nenhum telescópio, nenhuma lente apontada para o céu, apenas espadas, metal e ordens.

    Ele sabia que havia chegado ao limite do que podia fazer sozinho. Mas e agora? Deixar que outros interferissem no seu projeto? Confiar em ferramentas que ele mesmo não soubesse operar?

    Mais do que isso: e se o que ele ajudasse a construir ali servisse para ferir, para destruir?

    Na Terra, ele sempre viu a ciência como ponte, nunca como arma. Mas ali, naquela realidade, o progresso tinha gosto de sangue.

    Jenff virou-se sem dizer uma palavra e começou a andar em direção ao galpão, com a postura de quem já conhecia cada parafuso dali. Marco apertou o papel com mais força e respirou fundo.

    Talvez estivesse prestes a cruzar uma linha que o afastaria de vez do cientista que foi um dia. Ainda assim… seguiu atrás.

    Ele entrou no galpão do departamento de engenharia de Ayas-Kin e sentiu uma onda de familiaridade inesperada. O espaço era vasto, com vigas metálicas sustentando um teto alto, e o eco de marteladas e engrenagens girando preenchia o ar. A luz do sol entrava por grandes aberturas no alto das paredes e era refletida por uma série de espelhos estrategicamente posicionados, espalhando o brilho dourado pelo ambiente e iluminando o trabalho incessante dos operários.

    Havia mesas cobertas de esquemas, peças desmontadas e ferramentas espalhadas por todo lado. Engenheiros, ferreiros e estudiosos corriam de um lado para o outro, ajustando mecanismos, testando protótipos e supervisionando fornalhas que vomitavam calor. Ao fundo, o chassi de uma locomotiva estava sendo montado, um emaranhado de metais escuros e detalhes brilhantes.

    “Comparado a um centro de pesquisa avançado, isso aqui parece uma feira medieval cheia de amadores.” A voz de Nova ecoou em sua mente com um tom de puro desprezo. “Nenhum traje de segurança adequado, ferramentas rudimentares… e aquele cara ali está segurando um martelo ao contrário!”

    Marco riu internamente. Já esperava essa reação dela.

    Enquanto ele absorvia tudo, Jenff caminhava à frente, sem dizer uma palavra desnecessária. Ele o guiou até um dos trabalhadores mais velhos, que supervisionava a construção da locomotiva.

    O elfo tinha braços fortes e rosto marcado pelo tempo e pelo calor das fornalhas. Ele observava atentamente enquanto alguns engenheiros prendiam uma grande peça metálica à estrutura da locomotiva. Quando percebeu a aproximação de Jenff, virou-se com um olhar avaliador.

    — Esse é Marco. Ele tem um projeto e precisa de materiais e alguém que possa construí-lo.

    O engenheiro-chefe cruzou os braços e encarou Marco de cima a baixo, como se tentasse medir sua utilidade naquele ambiente.

    — E o que exatamente você quer fazer, garoto?

    Marco sorriu.

    — Algo grande.

    Marco desenrolou vários pergaminhos sobre a mesa de trabalho, revelando esquemas detalhados, cheios de linhas, anotações e cálculos. Ele havia arquitetado o que conseguia, transformando suas ideias em traços precisos. Para ele, tudo fazia sentido.

    O chefe do galpão inclinou-se sobre os pergaminhos, franzindo a testa enquanto analisava cada detalhe. Ele virou a cabeça para um lado, depois para o outro. Ajustou os óculos, inclinou-se mais perto, afastou-se, girou uma das folhas de cabeça para baixo, como se aquilo fosse ajudá-lo a entender melhor.

    Seu rosto passou por uma sequência de expressões curiosas: confusão, interesse, dúvida, mais confusão. Ele coçou a barba, resmungou um “hm”, depois um “ah”, seguido de um longo silêncio enquanto tamborilava os dedos sobre a mesa.

    Jenff cruzou os braços, impaciente.

    — E então?

    O chefe inspirou fundo, ajeitou os óculos e, por fim, deu um passo para trás.

    — Não faço ideia do que estou olhando.

    Marco piscou algumas vezes.

    — O quê?

    — Isso aqui… — o homem gesticulou para os pergaminhos como se fossem uma língua antiga e indecifrável. — Eu juro que tentei entender. Mas, garoto, isso não se parece com nada que já vi. E eu já vi de tudo por aqui.

    Marco passou uma mão pelo rosto, respirando fundo.

    — Ok… e quanto a construir?

    O chefe deu um pequeno sorriso, meio sem graça.

    — Se eu não entendo o que é, como vou saber como construir?

    Marco fechou os olhos por um segundo. Claro, que não seria tão fácil assim.

    O chefe olhou ao redor, como se buscasse alguém no meio do galpão, coçando a barba enquanto refletia. Seus olhos passaram pelos trabalhadores, engenheiros e artesãos ocupados com seus próprios projetos, até que pararam no fundo do galpão.

    Ele soltou um suspiro e apontou com o polegar.

    — Procure a Kalamera.

    Marco e Jenff seguiram seu olhar, tentando identificar quem era essa pessoa.

    — E quem é ela? — Marco perguntou.

    O chefe cruzou os braços e deu um meio sorriso.

    — A única doida o bastante para entender e talvez até construir seja lá o que for isso aí.

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