Lou-reen abaixou a mão. O fogo formou um tornado ao redor de Maryse.

    Grithin parou ao lado dela.

    — Eu te pedi pra não queimar a floresta.

    — A prioridade é eliminar a ameaça. Eu estou focando nisso.

    As chamas morreram de uma vez. No centro, Maryse seguia intacta, o corpo ancorado na cauda de serpente, o colar brilhando no pescoço.

    Grithin apontou o queixo para o brilho.

    — Precisamos tirar aquele colar dela.

    — Entendi — disse Lou-reen.

    Ela disparou em linha reta, a lâmina já subindo para o pescoço. Maryse respondeu primeiro: uma serpente da mata saltou da borda da plataforma e laçou o tornozelo da general. O puxão torceu a base e quebrou a trajetória; ela girou e caiu, o ar saindo num tranco.

    Grithin já vinha pelo lado cego. Subiu no tronco e se lançou para as costas de Maryse, a espada mirando o colar. A cauda cortou o vão e o pegou no meio do salto; ele bateu de ombro no veio e rolou até parar, puxando o fôlego pelos dentes.

    Lou-reen já estava em cima de Maryse novamente; a lâmina se enchendo de fogo de ponta a ponta.

    — Jovens impulsivos — rosnou Grithin, ajeitando o ombro e levantando de novo.

    — Aí está o espírito humano — Maryse falou, fria, aumentando o ritmo. — Queimar o que não consegue controlar. Mas hoje a floresta me toma por escudo e por espada contra quem a fere.

    Ela abriu mais dois braços-cobra; depois, quatro. Eles bateram na lâmina em sequência alternada numa cadência que borrava as bordas do movimento. Dentes e escamas rasparam no aço em faíscas curtas, enquanto o fogo da espada riscou arcos contínuos.

    Lou-reen respondeu no mesmo ritmo. Girou de base, cortou na diagonal e recuou meio passo só para atacar de novo, mantendo a pressão. Em um fôlego, as duas trocaram golpes o suficiente para encher a plataforma de marcas: o fio da lâmina abrindo trilhas brilhantes no calor; as cobras desviando, travando, tentando prender o punho. A velocidade era tanta que o som chegava atrasado: estalos de escama, metal batendo, madeira cedendo em micro rachaduras.

    Grithin tentou entrar pelo lado contrário, mirando o fecho do colar. Um braço-cobra travou sua guarda no alto e outra cabeça bateu no seu tornozelo, forçando-o a cair de joelhos. Ele rolou para a lateral e voltou à base.

    Maryse nem olhou. Avançou em Lou-reen e apertou a cadência; os braços-cobra bateram na lâmina em sequência.

    — Para de incendiar a minha casa.

    Lou-reen manteve o fogo no fio e respondeu girando a espada e atacando em todas as direções. Faíscas saltavam e morriam no ar antes de tocar as tábuas.

    Três serpentes da mata deslizaram dos galhos para a plataforma. Uma arrancou lanças das mãos de dois soldados; outra varreu canelas e derrubou um terceiro; a última ficou rondando a borda, pronta para cortar avanço.

    — As serpentes estão avançando! — gritou um.

    — Mantenham as rotas livres e fora do alcance delas! — Grithin ordenou, já de pé, o ombro pesando.

    Ele tentou entrar de novo e o ritmo mudou: as cabeças trocaram de tempo no meio do golpe, abrindo e fechando ângulos como se lessem sua guarda. Toda a experiência não servia ali; ele não achava a entrada. Ao redor, os soldados lutavam para manter distância dos silvos.

    Grithin guardou a espada e pousou a palma no tronco. Puxou essência primordial e empurrou para dentro do veio. O tronco estalou por dentro; galhos desceram como pás e varreram as serpentes da plataforma. Raízes ergueram bordas e empurraram as que subiam de volta para o escuro. Os soldados abriram espaço no reflexo.

    — Aqui quem manda sou eu. — a voz veio firme.

    Maryse travou por meio segundo, os olhos estreitos. Ignorou. Voltou em Lou-reen ainda mais rápida, sem o cerco das cobras da mata, só os braços-cobra batendo em cadência e a cauda varrendo baixo.

    Lou-reen rompeu o ritmo, saltou para o alto, acima das copas, e puxou essência para as mãos. Uma chama surgiu e se fechou em esfera, grande o bastante para transformar a noite em dia; os soldados ergueram o antebraço nos olhos.

    — Ela não ousaria — disse Grithin, já mudando de plataforma para sair do eixo.

    Maryse ancorou a cauda na plataforma, escamas viradas para fora, braços-cobra recolhidos como placas. O colar latejou.

    A esfera caiu reta sobre a árvore-prisão e, em um fôlego, ela inteira virou fogo. As árvores ao redor ficaram de pé, folhas tremendo, mais nada, com todo o calor confinado no centro.

    Lou-reen pousou com suavidade na plataforma ao lado de Grithin. Houve um murmúrio indignado dos soldados elfos.

    — Lou—

    — Eu sei. Lamento. Era necessário.

    Das cinzas, um grito rasgou o ar. A base abriu; Maryse ergueu o torso, escamas intactas, os olhos duros virando para os dois.

    — EU VOU TE MATAR, SUA HUMANA DESPREZÍVEL!

    Grithin sentiu a essência de Loryndel sendo puxada até ela e então… a elfa soltou um grito que não soava élfico: era bruto e selvagem. O ar vibrou; lanternas bateram nos ganchos. Dois elfos recuaram sem notar. A plataforma tremeu.

    No meio da floresta, algo enorme trocou de direção.

    Veio primeiro o peso: um tremor que subiu pelo tronco e correu pelas tábuas; a passada, de caça, quase não fez som. Só depois o rosnado, grosso e cheio, se espalhou pelas plataformas.

    Os olhos de Lou-reen acenderam quando percebeu o que se aproximava. Grithin ergueu a mão e cortou o ímpeto.

    — Você cuida da Maryse. Eu lido com a fera.

    Eles se encararam por um instante. Lou-reen engoliu a vontade e virou para a elfa furiosa.

    Grithin foi para a borda e desceu um nível com passo leve, a palma na casca sentindo o peso que subia pelos veios. Parou o suficiente para ouvir a floresta respirando em volta, fechou os dedos no tronco como quem sela um acordo antigo e seguiu pela linha do galho.

    — Por respeito eu te deixei passar tantos invernos. Pelo mesmo respeito, hoje eu te enfrento.

    Um canto de sorriso traiu o veterano sob o general. Por fora, ele era uma sequoia robusta, por dentro dele, um elfo adolescente pulava de empolgação:

    — Vou cumprir a fantasia de todo garoto elfo: encarar o Yaguareté. Belo exemplo, general.

    No vazio adiante, entre raízes grossas, dois olhos enormes acenderam na altura do peito de um homem montado. Ficaram ali, imóveis, tomando a medida dele. Grithin expirou devagar e avançou.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota