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    Ivoney ergueu uma folha.

    — Chegou a lista do que foi levado do museu. — Ele pousou o papel no centro da mesa. — Peça principal: o bracelete de Solun.

    O ar pesou. O Imperador inspirou, seco.

    — A capital foi violada e uma de nossas relíquias foi tomada. Isso fere a nossa honra. Quem seria tão ousado?

    Ninguém falou por um momento. A madeira do encosto rangeu quando Grithin ajeitou o corpo. Aamerta inclinava a cabeça como quem media forças.

    — Não é só ousadia — disse Aamerta. — Quem teria poder para enfrentar uma general e sair inteiro?

    — Poder ele tem de sobra — Hamita falou com a mandíbula travada. —Mas eu o teria esmagado se ele não fosse um covarde.

    Venia registrava sem levantar os olhos.

    — Invasão limpa. — Prosseguiu Ivoney. —Evasão perfeita.

    Grithin olhou a mesa como se visse o pátio coberto.

    — Teve guarda morta. Quem entrou não liga para vidas de soldados. Não é um ladrão comum.

    Koopus passou os dedos pelos nós da mão, impaciente.

    — Foi um só? Ou ele representa uma organização? Talvez um vizinho. Malrath? Eryndor?

    Os nomes ficaram no ar. Lou-reen não mexeu um músculo. Ao lado, Marco conteve a vontade de perguntar se não era trabalho interno.

    Grithin puxou outra lembrança.

    — No passado, Hersperon Wynrae solicitou acesso ao bracelete. Chamava aquilo de inspiração. Recentemente fugiu falando em ter um “patrocinador”. Talvez esse patrão novo tenha decidido agir.

    O olhar de Ivoney varreu a mesa.

    — Há relação com o incidente em Ayas-kin?

    — Dado o que foi roubado, é possível — respondeu Grithin. — Hersperon segue desaparecido desde então. A única parceira confirmada dele caiu em combate.

    Lou-reen ajustou a posição na cadeira, ombros duros.

    — E ainda não sabemos como os dois começaram — Grithin continuou. — Ele, engenheiro obcecado por aprimorar com equipamentos. Ela, revoltada com o progresso. Não faz sentido sem um terceiro no meio.

    Venia ergueu os olhos por um instante.

    — Há também a morte do cabo Taref — completou Grithin. — E o colar entregue à Maryse dentro da prisão. Isso implica alguém a mais operando. Talvez o tal patrocinador. Talvez um funcionário. De todo modo, soa como uma organização.

    Ivoney recostou pouco, o dedo marcando o papel.

    — Então lidamos com uma organização. Infiltrada, já agindo, querendo o caos. Qual dos nossos inimigos opera assim?

    Lou-reen se ajeitou outra vez, decisiva.

    — Preciso que Marco e os secretários saiam.

    Marco piscou, surpreso. Lou-reen nunca o tinha deixado de fora de nada. Pelo canto do olho, viu Venia e os outros secretários se entreolhando: também não esperavam.

    “Os generais e o Imperador não reagiram*, apontou Nova, seca. *Parece que já sabem o que ela vai dizer.”

    ***

    Marco e Venia aguardavam com os outros secretários.

    — No outro dia, a Lou-reen falou da infância de vocês em Aethra — Marco quebrou o silêncio. — Você sempre soube que ia seguir ela?

    Venia apertou a pena até a ponta ranger. Baixou a cabeça, o olhar no próprio colo.

    — Ela sempre cuidou de mim.

    Marco assentiu, quieto.

    A porta abriu e os generais saíram. Luminor veio primeiro, a capa arrastando, o queixo alto como se atravessasse um palco. Aamerta passou reta, um aceno mínimo para eles. Hamita varreu o corredor com os olhos, avaliando tudo. Lou-reen veio por último desse grupo e parou diante de Marco.

    — Foi necessário — disse, tocando o antebraço dele por um segundo. — Desculpe tirar você.

    — Tudo bem.

    — Depois eu explico.

    Marco assentiu.

    Kaertien Dorbeos surgiu com um maço de papéis debaixo do braço, a faixa do cargo bem visível.

    — Por que o Imperador reuniu os generais sem mim? — a voz bateu seca.

    Luminor abriu os braços como quem recebe um velho conhecido, e passou um deles por cima dos ombros do Representante.

    — Reunião de segurança, Representante do Povo. Não precisaríamos de você, a menos que fôssemos atacados por uma pilha de papéis.

    Alguns olhares se desviaram. Kaertien não mordeu a isca. Mirou Marco.

    — E por que ele estava presente?

    Hamita encostou a mão no ombro de Marco e o puxou meio de lado, exibindo.

    — Porque este é o nosso guarda-maior: o homem que caiu do céu e derrotou Clyve Zhakar. Veja, ele até carrega uma espada, como um bom soldado de Taeris.

    O olhar de Kaertien atravessou Marco. Ele sustentou, em silêncio. Venia ajeitou as folhas junto ao peito.

    A porta tornou a abrir. Ivoney apareceu no umbral com dois auxiliares atrás.

    — Imperador — disse Kaertien, firme. — Ainda precisamos resolver alguns assuntos.

    Ivoney o mediu por um segundo.

    — Entre.

    Os dois desapareceram para dentro. A porta fechou de novo.

    O corredor prendeu a respiração. Luminor já se afastava quando falou baixo para Hamita:

    — Papel também corta.

    Ela não respondeu. Lou-reen tocou o ombro de Marco de novo e seguiu.

    — Vamos.

    ***

    A cidade de Ga-el estava lotada.

    Bandeiras ondulavam entre as torres, crianças corriam com estandartes coloridos nas mãos, e soldados se misturavam aos poucos civis entre barracas de comida, estandes de apostas e ensaios de desfile. Ninguém notava mais um homem de uniforme comum cruzando a rua central com passos tranquilos.

    O sargento carregava uma mala marrom e um embrulho modesto sob o braço como qualquer visitante ou oficial em missão administrativa.

    Ninguém o parou, ninguém olhou duas vezes.

    Ele seguiu por ruelas cada vez mais estreitas, afastando-se das avenidas principais até adentrar um bairro antigo, onde as casas de pedra escura formavam becos abafados e quietos. Parou diante de uma porta sem marcações, empurrou-a sem bater.

    Lá dentro, a luz era baixa. Vultos dormiam espalhados em colchões finos pelo chão da sala. Mochilas, fardas e armas desmontadas estavam encostadas nos cantos.

    Na cozinha, ela o esperava. Serana Vaelor.

    Sentada à mesa, devorava um prato de carne fria com as mãos, os olhos semicerrados e atentos como os de um animal noturno. Os cabelos estavam soltos, desgrenhados. A camisa sem mangas revelava os ombros marcados de cicatrizes. O olhar encontrou o dele sem pressa.

    — Trouxe presentes. — disse o sargento, deixando a mala no chão e o embrulho sobre a mesa.

    Ela terminou de mastigar antes de abrir o pacote. O bracelete brilhou por um instante sob a fraca luz do teto. Ela passou os dedos sobre as runas e murmurou algo entre os dentes, prendendo o bracelete no pulso.

    — Os uniformes estão todos no tamanho que pediram — disse o sargento.

    Ela abriu a mala. Uniformes azuis dobrados com perfeição e, sob eles, mais cinco braceletes, mas esses feitos de mirthril, já gravados.

    — As famosas runas de Taeris, hm.

    — Vocês entregaram o metal — respondeu o sargento. — Nós devolvemos o que há de melhor em forja, pelo nosso melhor artesão.

    Então, finalmente, ela olhou para o homem.

    — Me entreguem o namorado da princesa. Só isso.

    — Ele será seu. E vocês garantem o resto?

    Ela sorriu, sem humor.

    — Nós somos o resto.

    Sem mais palavras, ela voltou a comer.

    O sargento saiu como havia entrado: um funcionário qualquer, num império em festa.

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