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    Koopus girou o machado na mão, testando o peso como se confirmasse que ainda era o mesmo de sempre. Músculos cheios, peito largo, respiração firme. À frente, Pátkos apenas o encarava. Ombros soltos, joelhos relaxados, queixo um pouco baixo. O olhar não tinha pressa.

    O general não esperou o primeiro passo do inimigo.

    Ergueu o machado com as duas mãos e avançou num corte frontal, cheio, reto, como faria contra qualquer coisa que merecesse respeito. O golpe desceu numa linha clara, da altura do ombro até o meio do peito de um homem.

    Pátkos não estava mais ali.

    O machado rasgou o ar e bateu em pedra. O som ecoou pela arena. Estilhaços de rocha voaram para o lado.

    Koopus puxou o machado de volta, o movimento ainda pela metade, quando sentiu o ar mexer à direita. Não viu o corpo, só sentiu o peso.

    Levantou o cabo, reflexo de décadas de combate, e o mundo bateu ali.

    O impacto do punho de Pátkos no machado foi seco e pesado. A vibração subiu pelo cabo, tomou o antebraço de Koopus, travou o ombro. A pedra sob a bota de trás do general deixou escapar um fiapo de pó da rachadura que já existia.

    Se isso pega direto, derruba um estaleiro, pensou, sem tempo de montar a frase inteira.

    Empurrou o cabo pra frente, afastando o inimigo por um palmo. O corpo de Pátkos cedeu só o necessário. Koopus tentou encher o peito de ar de novo. Quando abriu a guarda por um instante, outro peso veio, de outro lado.

    Ele viu só o final do movimento. O quadril de Pátkos já estava perto, o tronco já carregava o golpe. Koopus rodou o machado num arco. O cabo encontrou o antebraço de novo, desviando a linha. O golpe não pegou no rosto, pegou na armadura, na altura da clavícula.

    O estalo do impacto correu pelo metal. A carne por baixo sentiu.

    Koopus recuou meio passo. Não era recuo tático, era o corpo cedendo à força, tentando não cair.

    Pátkos desapareceu do campo de visão de novo.

    O general girou o pescoço e o tronco juntos, procurando. O ouvido pegou primeiro: o som de um passo contra pedra às costas. Ele começou a virar. O cotovelo de Pátkos já vinha subindo em linha para o flanco.

    Koopus endureceu a lateral do corpo. O golpe entrou ali, no meio das costelas, e fez o ar prender no caminho. O machado raspou no chão ao lado, o cabo escorregou um pouco da mão direita.

    Ele apertou os dedos com força, puxou a arma para cima num arco amplo, como se varresse o ar ao redor para limpar o espaço. Acertou nada. Pátkos já tinha saído.

    A cada batida, o general cedia um pedaço de chão. À frente, o centro da arena. Atrás, o desenho de colunas de pedra e bordas mais estreitas. Os pés de Koopus arrastavam, raspando o piso até encontrarem uma emenda mais alta. Ainda não era degrau, mas o terreno começava a mudar.

    Pátkos continuava vindo.

    Surgiu de novo no flanco esquerdo, corpo baixo, mão indo em linha para a lateral da cabeça. Koopus não teve tempo de ver o começo da trajetória. Só viu a sombra no canto do olho.

    Levantou o machado como quem ergue uma porta de ferro.

    O punho de Pátkos acertou a lâmina no caminho. O som foi diferente: metal vibrando, eco batendo nas pedras ao redor. O general sentiu o impacto atravessar o cabo, estourar no ombro, escorrer pela coluna.

    A bota de Koopus escorregou um pouco. Ele recuou mais um passo. A parede externa da arena estava um pouco mais perto.

    Dessa vez, não empurrou Pátkos para longe. Rodou o machado no eixo, tentando virar a defesa em ataque. Onde antes ele erguia o aço atrasado, agora tentava fechar o caminho que o inimigo usava.

    Não bastava aguentar. Ali, isso só adiava o inevitável.

    Outro passo pesado, outra pancada, outra troca em que Pátkos sumia do lugar e reaparecia batendo. Koopus percebeu, no meio da confusão, que havia um intervalo.

    Toda vez que ele empurrava o inimigo com o cabo, abria um espaço. Pátkos não entrava imediatamente. Nunca vinha no mesmo instante. Sempre depois de um “um”.

    Não era muito. Era tudo que um general de Taeris precisava.

    Ele deixou os pés recuarem mais um pouco. Sentiu uma pedra alta de um lado, o começo de uma coluna. Não pensou em vantagem, pensou em cortar ângulo.

    Pátkos entrou outra vez, vindo pela direita.

    Antes de ver o corpo, Koopus já girava o machado naquela direção.

    A lâmina varreu o ar, ocupando o espaço onde o peito de Pátkos teria passado. Ele surgiu e, pela primeira vez, teve de se torcer de verdade para não ser cortado. O tronco virou, o pé atrás empurrou, o corpo saiu da linha.

    Koopus não sentiu o acerto, mas viu o desvio. Aquilo valia.

    Pátkos recuou meio passo. Os dois se encararam, respirando forte. O Multiplicador tinha um risco leve de pedra no rosto, ainda da hora em que Koopus o empurrara contra a coluna. Nada que importasse.

    Koopus puxou o machado de volta para a frente.

    Outro silêncio curto. Outro “um”.

    Ele não esperou o “dois”.

    Foi primeiro.

    Atirou o machado numa linha lateral, não onde Pátkos estava, mas onde vinha surgindo sempre que encontrava um flanco. O aço cortou o ar. Desta vez, ao aparecer no canto do olho, o corpo de Pátkos já encontrou metal vindo.

    Ele dobrou o joelho, deixou o golpe passar acima do ombro e, no mesmo giro, tentou enfiar o punho no lado do pescoço de Koopus.

    Só que a cabeça do general já descia.

    Ele abaixou o queixo e puxou o ombro para frente. O soco pegou na armadura, escorregou pelo metal, o impacto distribuiu pela placa inteira. Doeria depois. Agora, importava ficar em pé.

    Koopus girou o tronco no contragolpe. O cabo do machado descreveu um arco, batendo no ar onde o rosto de Pátkos deveria estar, mas ele já não estava lá. Mas, de novo, precisou ceder distância de verdade.

    Onde antes era só sumiço fácil, agora tinha correção. Tinha corpo grande tentando fechar caminho antes do golpe.

    Mais dois, três intercâmbios seguiram esse padrão. Pátkos surgia num lado; Koopus girava o machado, às vezes defendendo no susto, às vezes empurrando o aço para a zona onde o inimigo queria chegar. Ele acertava partes da armadura, o ombro, as costelas. O general absorvia.

    O centro da arena já tinha ficado para trás.

    O piso agora era mais irregular, com blocos maiores e partes da borda mais alta, que faziam sombra. Uma das paredes internas se aproximava. Não era muro completo, mas um trecho mais elevado de pedra que segurava parte do anel superior.

    Koopus sentiu o limite de pedra às costas, por um instante, e escolheu não se afastar dali. No aberto, Pátkos era vento. Ali, pelo menos, o vento batia em algo.

    O próximo avanço veio pelo lado esquerdo, como nos primeiros. O som de passo pesado contra pedra, o deslocamento de ar. Só que agora, antes da mente terminar de contar o primeiro tempo, o braço do general já erguia o machado.

    A lâmina subiu num arco firme. Pátkos apareceu no meio do caminho.

    Ele poderia ter ido para trás, poderia ter sumido de novo. Não foi.

    O peito encontrou o fio em cheio.

    O som que saiu não foi de metal cortando carne. Não foi de chapa rasgando. Foi um baque surdo, profundo, como um tronco batendo em rochedo antigo. O braço de Koopus vibrou do punho até a base do pescoço. Os dedos quase largaram o cabo.

    A borda do machado afundou um nada na armadura de Pátkos. Um nada. O bastante para marcar, não para abrir. O peito cedeu um pouco, depois voltou ao lugar, empurrando o aço de volta.

    Koopus sentiu cada nervo reclamar. Conhecia aquele golpe. Sabia o peso que tinha. Sabia que, em parede comum, deixaria rachadura. Em casco de navio, faria buraco.

    Ali, fez quase nada.

    Ele ficou um instante preso no próprio acerto.

    O choque não foi só no braço, foi no entendimento. O rosto de Koopus travou, os olhos subiram para o ponto em que a lâmina tocava o peito de Pátkos. O corpo inteiro hesitou numa fração de segundo.

    Pátkos não.

    Aproveitou o próprio peito como apoio. Deu um passo para frente, esmagando ainda mais o machado entre os dois, e soltou o punho direto no centro do peito de Koopus.

    O soco pegou o esterno em cheio.

    O impacto atravessou armadura, osso, coluna. O corpo do general foi arrancado do chão. As costas bateram na parede interna da arena, pedra sólida, marcada de outros combates. O som do impacto pareceu um tambor único, que engoliu os outros ruídos por um segundo.

    Rachaduras antigas ganharam mais um fio. Pedaços miúdos de pedra se soltaram e caíram em volta dele.

    Koopus sentiu o mundo escurecer nas bordas. O ar sumiu inteiro. O corpo escorregou pela parede até as pernas dobrarem e os joelhos tocarem o chão de pedra.

    O machado quase escorregou da mão. Quase: os dedos reagiram antes da consciência. Apertaram o cabo como se fosse mastro em tempestade.

    Ele inspirou a seco. O peito não obedeceu a direito. Tentou de novo. O segundo ar entrou quebrado. No terceiro, conseguiu puxar o bastante para encher metade dos pulmões.

    Abaixou a cabeça. Depois, empurrou o corpo pra cima.

    Um pé plantado. O outro veio em seguida. As costas ainda encostavam na parede quando ele finalmente se ergueu por inteiro, o machado pesado outra vez à frente.

    Pátkos caminhava na direção dele como se tivesse todo o tempo do mundo. Parou a poucos passos.

    Ficou ali, de frente, como se avaliando o estado do general. Os olhos desceram para o machado, voltaram para o rosto.

    — Aguenta bem — ele comentou, sem ironia.

    Koopus soltou o ar pelo nariz, o suficiente para responder sem parecer que implorava por fôlego.

    — Até acabar.

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