Capítulo 2 - Sem Piedade
Martim ainda ficou um tempo parado na sala do trono, observando os personagens da contenda que iria começar em breve. O comandante Caim saiu primeiro, produzindo passos barulhentos à medida que movia seu corpanzil. Martim não queria demorar, pois temia não conseguir um bom lugar, mas ficou curioso ao ver que a capitã e mestre Aires ainda estavam parados no mesmo lugar, olhando um para o outro. O homem recolocava a luva enquanto a olhava com desprezo, e ela parecia dizer algo. Martim fez de conta que esqueceu alguma coisa em seu assento e voltou para perto dos dois. Tentou ouvir o melhor que podia em meio ao barulho das pessoas se movimentando na sala. Era difícil, pois eles falavam em voz baixa, mas Martim conseguiu escutar parte da conversa.
— Ainda pergunta? — disse mestre Aires. — Acha que só porque eu fui seu professor vou ignorar o que você fez?
Maria respondeu:
— Eu não sei o que acha que fiz, mestre, mas eu não…
— Foi muito estranho a rainha nomear você para o posto, não acha? Com tantos homens à disposição aqui na guarda… que tipo de serviço sujo você andou fazendo para conquistar a confiança dela?
— Mestre! — Ela parecia indignada. — Eu nem conhecia a rainha antes da minha condecoração.
— Mas conhecia o rei. O velho foi um tolo ao deixá-la se aproximar desse jeito.
— Eu nunca me deitei com aquele velho nojento, se é disso que me acusa. — Sua voz estava muito grave agora.
— Talvez não, mas chegou bem perto. Perto o suficiente para matá-lo e fazer parecer que foi um acidente.
Maria soltou um suspiro, e disse:
— Isso… é uma mentira…
— Chega! Vocês duas não vão escapar impunes! E poupe seu fôlego para o combate! Eu não acredito mais em você. E pensar que gastei anos treinando-a.
A capitã abaixou a cabeça enquanto mestre Aires lhe dava as costas e começava a se afastar. Martim sentiu que não poderia mais ficar ali sem parecer um xereta e decidiu sair também, deixando para trás a capitã parada no meio da sala que se esvaziava.
— Não, olhe! Acho que a luta acabou!
— Mas como? Mestre Aires está em pé!
— Acabou sim! Acabou! Ele vai cair!
Ainda sem conseguir ver nada, Martim só podia imaginar o que estava acontecendo com base nas conversas que ouvia. Mestre Aires era o melhor espadachim que conhecia. Tinha treinado com ele algumas vezes, e em todas elas foi surpreendido por sua excelente técnica e velocidade. Como era possível que a luta já tivesse terminado, e com a derrota do mestre?
Martim ouviu mais um grito de assombro, seguido por aplausos. Cada vez mais ansioso, ele deu mais uns pulos. Em um deles conseguiu ver em um relance o corpo do lutador vestido com couro vermelho deitado no chão. Talvez fosse a dificuldade de enxergar, mas ele podia jurar que a roupa do mestre Aires estava mais vermelha do que o normal.
Para sua sorte, nesse momento ele reconheceu um soldado que estava à sua frente, colado à cerca. Ele tinha cabelos vermelhos e usava barba sem bigode. Seus olhos eram castanhos, bastante claros, e seu nariz arredondado fazia-o parecer um pouco mais jovem do que realmente era. Esticando o braço, Martim bateu em suas costas e gritou:
— Carlos, Carlos! Aqui!
Carlos virou-se. Reconheceu o amigo e puxou-o para o seu lado, empurrando outros dois soldados que estavam ali para abrir espaço suficiente para encaixar Martim. Ouviu muitos xingamentos enquanto sentia suas costelas espremidas, mas agora tinha uma visão completa da arena.
Pôde enfim confirmar que mestre Aires jazia morto no chão. Sua blusa estava encharcada de sangue, que também formava uma poça ao redor de sua cabeça. A capitã estava em pé, de costas para o corpo de seu antigo professor. Seu corpo arfava, enquanto ela recuperava o fôlego.
— Me conta o que aconteceu, Carlos! — Martim implorou ao amigo.
— Que cheiro é esse? — Carlos fez uma cara de nojo e torceu o nariz.
— Pisei na bosta — disse, apontando sua bota imunda. — Mas vamos, me diga! O que houve?
— Você não viu? Foi muito rápido!
— Não vi nada. Só consegui pegar um lugar agora. O que aconteceu?
Um dos soldados que havia sido espremido para dar espaço a Martim se intrometeu e falou, com os olhos arregalados:
— Foi assim… o mestre espadachim se colocou em posição de defesa, esperando. Aí a capitã correu em sua direção. Então…
Foram interrompidos por outro soldado, que falava com a voz muito empolgada:
— Então mestre Aires fez um floreio com a espada, em um zigue-zague que cortaria um passarinho no ar. Mas a capitã, de algum jeito, conseguiu se esquivar, e…
— E o salto? Vocês viram? — Agora era Carlos quem falava com voz estridente. — Acho que foi isso que confundiu Aires. Ela deu um salto, e quando caiu… os dois simplesmente pararam…
— Pararam? — perguntou Martim. — Como assim?
— Acho que ela cortou a garganta dele antes de colocar os pés no chão — respondeu um dos soldados.
— É! Só deu pra ver quando ele deixou sua espada cair e colocou as mãos no pescoço. Segundos depois… caiu morto! — completou Carlos.
Martim reprimiu-se por não ter conseguido ver tamanha destreza. Ele era fascinado por duelos de espada e teria adorado ver a técnica da capitã. Enquanto ouvia os comentários ao seu redor, pousou seus olhos em Maria. Sua postura era de desânimo, com a cabeça baixa e os ombros caídos. Tendo ouvido suas últimas palavras, entendeu que ela acabara de matar um antigo professor, talvez até um velho amigo.
— Lá vem Caim!
O barulho da multidão cresceu aos poucos e rapidamente se tornou um rugido ensurdecedor. Martim precisou tapar os ouvidos por alguns segundos até que o barulho diminuísse e se tornasse mais suportável. Apoiou novamente as mãos na cerca à sua frente, mas não conseguia ficar parado. Era jogado de um lado para outro à medida que os homens saltavam com excitação.
Mais uma vez não foi difícil encontrar Caim. O Sol já estava alto no céu e produzia um forte brilho ao redor do enorme cavaleiro de armadura prateada, destacando-o da multidão.
— Agora é que eu quero ver! — gritou um soldado às costas de Martim. — Caim tem uma armadura completa, e a espada da capitã é leve e fina. Não vai nem arranhar aquele aço!
De fato, a espada dela se parecia com uma agulha em comparação com a enorme lâmina que Caim carregava na cintura. Era inimaginável supor que conseguisse causar algum dano à carapaça do inimigo. Com o elmo a lhe cobrir todo o rosto, Caim parecia um mamute indestrutível, um monolito de aço de uma tonelada.
Sem conseguir conter um sorriso de ansiedade, Martim olhou para os lados. A multidão acenava para Caim. Uns cutucavam os homens ao seu lado, felizes e animados. Outros mantinham o olhar vidrado à sua frente, não querendo perder nenhum movimento. A expectativa e ansiedade eram palpáveis. A única que parecia alheia ao cenário eufórico era Maria. Continuava cabisbaixa e respirando fundo para recuperar o fôlego, sem se incomodar com os gritos ao seu redor. Foi apenas quando o arauto levantou suas mãos e fez diminuir o som que ela saiu de sua paralisia, levantando o rosto para ouvi-lo. Quando o silêncio era suficiente para se fazer ouvir, o arauto disse, em uma voz alta e cristalina:
— Ouçam todos! Ouçam todos!
Demorou um tempo até que barulho cessasse de vez, ao que o arauto continuou:
— Mestre Aires caiu morto em combate. A seguir enfrentam-se a ainda contestada capitã Maria e lorde Caim, do quinto pelotão da infantaria do exército real. Combatentes, tomem seus lugares.
Caim retirou sua longa espada da cintura e a empunhou, enquanto se movia para um canto da arena. Maria levantou a cabeça e olhou para seu rival. Depois de uns instantes, embainhou sua espada e foi até o canto oposto da arena. Martim não tinha reparado até aquele momento, mas cada lutador tinha a seu dispor uma estante com diferentes armas para escolher. A capitã pegou uma lança longa de madeira, com uma ponta metálica formada por três lâminas em forma de cruz, uma maior, à frente, e duas lâminas menores e finas, perpendiculares à maior. Ela virou-se e olhou para seu oponente, segurando a lança com sua mão direita.
— Combatentes, façam seus votos! — disse o arauto.
Martim perdeu essa parte do primeiro duelo enquanto rodeava atrás das fileiras de espectadores, mas pôde acompanhar desta vez. Maria falou primeiro, e sua voz soou forte e confiante:
— Entrego-me a este combate de corpo e alma, e prometo lutar até que a morte encontre um de nós. Caso meu corpo pereça, minha alma estará salva pela luta justa que farei.
Assim que ela terminou, Caim repetiu as mesmas palavras, em sua voz grave e ameaçadora. Ao término dos votos, ambos viraram-se para encarar a rainha, em silêncio. A rainha ergueu os braços e disse:
— Que Deus seja testemunha da provação final pela qual passam esses guerreiros. Que Ele possa dar a graça de acolher o perdedor em sua face para receber Seu divino julgamento.
Os combatentes fizeram o sinal da cruz, e em seguida voltaram a se encarar. A rainha disse:
— Comecem!
Martim sorriu com excitação e nervosismo. A capitã se mostrou muito ágil contra mestre Aires, mas contra Caim essa estratégia seria inútil. O que ela poderia fazer para penetrar sua grossa defesa de aço? E Caim? Como poderia acertar um alvo mais rápido do que ele enquanto carregava vários quilos de metal presos ao corpo?
Antes do primeiro combate, Martim estava torcendo contra a capitã. Não por achar que ela seria uma péssima líder. Conhecia muito bem seus colegas soldados e sabia que eles teriam uma enorme dificuldade em aceitar ordens vindas de uma mulher. Além disso, ela não era dali. Vinha de uma divisão distante e certamente não tinha muita noção de onde estava se metendo. Pelas conversas que ouvia, vários de seus colegas também compartilhavam dessa opinião.
Mas muitos parecem ter mudado de ideia depois da queda do mestre Aires. Ele era muito conhecido e respeitado, e o fato de que ela o derrotou com apenas um golpe foi realmente impressionante. Nem todos estavam convencidos, porém. Havia murmúrios de que tinha sido sorte, ou um golpe baixo inesperado e que pegou Aires de surpresa.
Assim que o combate começou, Caim diminuiu a distância em relação a Maria com passos largos e pesados. Não parecia preocupado com o rápido giro da lança que ela promovia nas mãos. Sua carapaça era capaz de resistir a qualquer golpe vindo daqueles braços franzinos.
Foi Caim quem atacou primeiro. Em um movimento rápido de baixo para cima, sua espada cortou o ar perto do peito de Maria, que se esquivou, puxando o corpo para trás. Antes que ela pudesse respirar, a espada desceu em direção à sua cabeça. Caim era extremamente rápido, considerando o tamanho de sua espada e o peso extra da armadura que carregava, mas a capitã conseguiu desviar o golpe. Bateu a lâmina de sua lança na ponta da espada de Caim, o que fez com que esta atingisse o chão lamacento.
Maria correu para longe de Caim, e desta vez ficou bastante perceptível que ela tinha uma deficiência na perna. Se ao caminhar quase não se notava que tinha um pé artificial, no combate parecia lhe causar uma grave desvantagem.
Caim não deixava que se afastasse muito. Ele golpeava rápida e sucessivamente, e Maria tinha dificuldade em contra-atacar enquanto desviava dos golpes e afastava os cortes com o rebater de sua lança. A respiração ofegante dos lutadores se alternava com o som de seus pés arrastando na lama. Martim ficou impressionado com o vigor físico dos dois, que corriam e pulavam sem demonstrar sinal de cansaço.
Maria enfim encontrou uma brecha entre os ataques que recebia. Após um momento de descuido de Caim, ela deu dois passos para a frente, prendeu a respiração e saltou para cima. Caim tinha levantado a espada para o lado e deixou o peito aberto. Soltando um longo gemido, Maria enfiou a lança com toda sua força no peito de Caim, mas não produziu nada além de um enorme barulho e uma brilhante faísca. Caim soltou uma risada alta, abafada pelo elmo, enquanto voltava a golpear e afastar a capitã.
— É impossível! — disse Carlos. — Ela não tem força para perfurar a armadura dele.
Martim concordou. Era difícil imaginar que Caim perdesse aquela luta. A julgar pelo barulho alto de sua respiração e pelos pequenos gemidos que soltava a cada movimento mais brusco, Maria começava a ficar cansada. Caim também demonstrava o fôlego mais exaurido, e cada urro que acompanhava um golpe de sua espada expressava mais cansaço do que o anterior. Mas ele parecia mais tranquilo. Sua armadura estava intacta, e a capitã logo não conseguiria se esquivar mais.
Em sua próxima sequência de ataques, ele passou a mirar as partes expostas dos braços e coxas de Maria. Sem conseguir se afastar, a capitã tinha que usar sua lança para repelir os ataques. De vez em quando ela encontrava uma brecha para outro ataque, sempre no mesmo local, no peito de Caim, mas o resultado era sempre o mesmo: faíscas, barulho e mais nada.
A luta seguiu por um longo tempo sem que nenhum dos dois produzisse ferimento no outro, o que era algo que Martim nunca tinha visto. Eles eram guerreiros muito hábeis, e isso só aumentava a certeza de que o momento em que um deles sucumbiria se aproximava rapidamente. E o momento chegou, com o sangue de Maria derramado primeiro.
Em uma de suas investidas, Caim conseguiu que a ponta de sua longa espada resvalasse na parte interna da coxa esquerda da capitã. O tecido branco rapidamente se tingiu de vermelho, enquanto Maria gritava de dor. Ela caiu no chão, com a mão na perna. O marrom da lama se juntou ao branco do tecido e o vermelho do sangue. A multidão comemorou, e Martim sentiu um leve aperto no peito e comoveu-se com o sofrimento da pobre moça. Ele queria que ela perdesse, mas não desejava de forma alguma que fosse morta ali, na sua frente.
Caim mais uma vez gargalhou, e se aproximou para dar um golpe, mas a capitã não se entregou. Conseguiu se defender com a ponta da lança mais uma vez. De maneira ainda mais surpreendente, ela rolou no chão, salpicando lama nas armaduras dos dois lutadores, e posicionou-se logo atrás dele.
Dado que seu elmo era muito fechado, Caim perdeu-a de vista momentaneamente. Ainda deitada, Maria aproveitou-se da breve desorientação de seu oponente. Levantou a perna que tinha o pé metálico e, soltando um grito, empurrou-a com toda a força na lateral do joelho de Caim.
— Ui, quebrou! — O comentário anônimo reproduziu o exato pensamento que provavelmente passou pela cabeça de todos os presentes.
Martim sentiu como se o golpe tivesse sido desferido em sua própria perna. Instintivamente, levou sua mão ao joelho, apenas para sujá-la com o estrume que ainda estava grudado ali.
Caim gritou de dor e levou as duas mãos à perna, que ficou dobrada de forma completamente não natural para o lado de fora do corpo. O gigante caiu de costas, produzindo um baque surdo metálico e espirrando lama para todos os lados. Lutava contra o peso da armadura, mexendo-se e tentando se levantar, mas o esforço era em vão. Se já era difícil para um cavaleiro sadio erguer-se sozinho com uma armadura completa, com uma perna quebrada era impossível. Apenas espalhava a lama e desenhava um círculo ao seu redor.
A capitã levantou-se um pouco, apoiou-se nas mãos e joelhos. Ficou um tempo ali, respirando fundo para recuperar o fôlego, enquanto Caim urrava e se mexia sem sair do lugar.
Ela enfim se levantou.
Pegou a lança e olhou para o gigante caído no chão.
Em um movimento rápido, como se usasse uma picareta, bateu com uma das lâminas menores da lança no seu peito.
Nada.
Aproximou-se e examinou o resultado. Insatisfeita, afastou-se e repetiu o movimento. Uma, duas, três batidas. De vez em quando, voltava e examinava o local, antes de retomar seu esforço.
— Caramba, ela vai martelar até abrir um buraco? É isso? — comentou Carlos, no ouvido de Martim.
A multidão ficou em silêncio, observando a mulher golpear sistematicamente o peito do homem. Este já não oferecia resistência, e criou-se uma expectativa no ar.
— A rainha não pode encerrar o combate? — perguntou Martim, com a voz agitada e a respiração rápida.
— Ela não pode, eles fizeram um voto — alguém respondeu.
— Mas ele já está derrotado. Que agonia!
— Ainda não. Sua armadura está inteira. Talvez ela se canse e tenha que desistir.
O homem parecia ter razão. A capitã não conseguia nenhum progresso em seu esforço. Seu cansaço aumentava. Ela ofegava e gemia enquanto golpeava, cada vez mais sem forças.
Começaram a surgir comentários jocosos à medida que os soldados duvidavam que ela conseguiria terminar o combate. Um soldado ao lado de Martim disse:
— Ai, se ela gemesse assim na minha cama…
Martim deu uma risada alta, debochada, mas logo se arrependeu, pois a capitã ouviu. Ela virou seu rosto e olhou diretamente para ele, seus olhos cor de amêndoa faiscando de dentro do elmo escuro. Ele corou e forçou-se a ficar sério imediatamente.
Nesse exato momento, Caim, que recuperou a sua espada sem que Maria percebesse, conseguiu golpear a capitã. Ele a acertou em seu pé falso, o que fez com que ela caísse de costas no chão, ao lado dele. Mesmo deitado, não parou de golpear com a espada, espirrando lama a cada movimento. Maria defendia-se com a lança ou rolava de um lado para outro para evitar seus ataques.
Mas Caim já estava exausto, e os golpes não demoraram a cessar. Maria conseguiu se levantar, também parecendo muito cansada. Aproximou-se dele novamente e acertou sua mão com a lança, certificando-se de que sua espada ficaria fora de alcance definitivamente.
A capitã voltou a golpear. Martim não soube dizer quanto tempo demorou, mas quando a pequena lâmina finalmente penetrou um centímetro na armadura, suspirou aliviado, grato pelo iminente fim daquela agonizante batalha. Maria deu mais três golpes certeiros e abriu um pequeno buraco na placa metálica que cobria o peito de Caim.
A multidão soltou um grito de assombro.
A capitã deixou cair os ombros e olhou para cima para respirar forte algumas vezes e recuperar um pouco do seu fôlego já exaurido. Em seguida, fez um movimento repetido de sobe-e-desce com o cabo da lança.
— Ela está alargando o buraco — disse Martim, com a voz baixa, sentindo o estômago embrulhar um pouco.
Aparentemente satisfeita com o resultado, Maria atirou a lança para o lado, jogou a mecha de pelos de cavalo para trás ao mesmo tempo em que desembainhou sua fina espada. Respirou fundo e colocou a ponta afiada da arma exatamente no buraco da armadura. Deu um salto e caiu, concentrando todo seu peso no punho da espada. O metal fino atravessou a pele e os ossos, parando somente ao atingir as costas do cavaleiro. Ele estremeceu. Sangue jorrou pelo pequeno buraco, tingindo de vermelho o aço escuro do elmo de Maria. Alguns segundos se passaram antes que Caim parasse de respirar. O combate estava terminado.
A capitã levantou o rosto, ofegante, e olhou para a multidão, que, atônita, estava no mais completo silêncio. Retirou a espada do corpo inerte de Caim e agitou-a para que a maior parte do sangue se soltasse. Em seguida, dirigiu-se ao centro da arena. Olhando para todos os lados, gritou, em uma voz desafiadora:
— Mais alguém quer ofender a minha honra ou a da rainha?
O silêncio continuava. Martim olhou para os rostos pasmos ao seu lado. Eram estátuas, com os olhos vidrados, incrédulos. Olhou para a rainha, que estava em pé. Em contraste com o espanto da multidão, seu rosto exultava em evidente alegria e orgulho.
Maria esperou mais uns instantes e depois foi até o local onde estava Catarina. Ajoelhou-se e abaixou a cabeça, esperando que esta concluísse o combate. A rainha então disse:
— Você defendeu sua honra e a minha com bravura! Levante-se, Maria, capitã da guarda real!
A própria rainha começou a bater palmas, o que fez com que toda a plateia a seguisse, timidamente a princípio, mas depois ganhando volume e intensidade. Maria se levantou e agradeceu com um gesto. Em seguida voltou para o centro da arena. A multidão fez silêncio espontaneamente. Ela disse, em tom de comando:
— Soldados da guarda real! Apresentem-se imediatamente no salão da guarda!
Os homens saíram de sua dormência e correram para chegar logo ao local ordenado. Enquanto corria, Martim deu uma olhada para trás e viu a capitã se ajoelhar ao lado do corpo de Aires, no que parecia ser um último gesto de reverência ao antigo mestre.
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